As pessoas criticam o Galvão Bueno – e eu me incluo nesse “as pessoas” mas justiça seja feita, o Galvão Bueno grita “gol”. Hoje em dia, isso parece não fazer muita diferença, pois acho que todos os locutores esportivos da televisão gritam gol – desde que, é claro, estejam narrando um jogo de futebol que não termine em 0 x 0. Mas houve uma época, quando eu era garoto – e daqueles garotos que adoravam futebol e assistiam todos os jogos – que os locutores não gritavam “gol”.
Confesso que não sei se era moda, se era para ser diferente – e então todos queriam ser diferentes – mas nenhum locutor esportivo gritava “gol”. Cada um inventava alguma coisa para dizer na hora do gol, que podia ter de tudo, menos a palavra “gol”. Parece coisa de maluco, mas era assim no final dos anos 60, início dos anos 70.
Um dos mais absurdos era o Fernando Solera, da TV Bandeirantes de São Paulo. Eram raras as transmissões do Solera que chegavam ao Rio, mas, quando passavam, era muito estranho ver um gol e o sujeito gritar “o melhor futebol do mundo no treze”. Só isso. Nada de gol. A bola entrava, ele berrava “o melhor futebol do mundo no treze” ao invés do grito de gol. Pior que ele, talvez só o locutor da TV2 Cultura de São Paulo, que na hora do gol gritava “esporte é cultura!!!”. Assim mesmo… Imaginem a narração: “lá vai Toninho, entrega para Pelé, chutou… esporte é cultura!!!”.
Ainda em São Paulo, havia o Alexandre Santos, eterno locutor da Bandeirantes. A bola entrava e ele gritava “guardou!!!!”. De vez em quando se empolgava: “guardooooooou! Certinho, certinho!”. E não era na rede, era no balaio. “Guardou! Tá no balaio, Chico!”. Não, Chico não era nenhuma gíria, era um repórter que ficava no campo e explicava a jogada depois que o Alexandre dizia que o sujeito guardou no balaio.
No Rio, a TV Tupi tinha o José Cunha. Era um bom locutor, sóbrio, preciso. Mas também não gritava gol. Era “tá lá”. Um “tá lá” muito estendido, alto, longo. Mas não tinha a palavra gol. “Zanata… Olha aí o Dionísio… Limpa… Tá láááááááá! Dionííííísio!!! Depois de uma jogada espetacular do Zanata! Agora Flamengo HUM, Vasco da Gama zero!”. Eu escrevi o “um” como sendo “hum”, tipo cheque, porque o José Cunha se empolgava tanto ao pronunciar o “um” (acho que ele adorava monossílabos) que parecia que estava falando “hum”.
Mas o melhor de todos era o inesquecível Geraldo José de Almeida. Foi o locutor da TV Globo no Tri. Narrações pomposas e empolgantes. Autor de diversos apelidos para os nossos craques. Esse era fantástico. Gritava, se emocionava. “Linda linda linda”, ele dizia quando a jogada era bonita. “Que é que é isso, minha gente?” era a frase quando acontecia um erro. “Que bola bola” para um passe bem dado. “Ponta de bota” para chute com o bico da chuteira.
E não gritava gol… Era “olhalá olhalá olhalá olhalá no placarrrrrrrrr”. Esse “r” final era repetido à exaustão. Devia beber um gole d’água a todo momento, para ficar com a garganta molhada e pronunciar bem os erres. Se hoje as pessoas brincam com o Galvão Bueno por causa do “Ronaldinho”, o “r” do Geraldo José de Almeida dava de dez… “Gerrrrrrrson, o canhotinha de ouro”. E tinha o jogador que o Geraldo mais gostava, que era o Roberto Dias, do São Paulo, porque tinha dois erres no nome . “Ponta de bota de Rrrrrrrrrrrroberrrrrrrrrrrrrrrtão Dias!”. Saudades do Geraldo.
Havia outros locutores esportivos com expressões estranhas para substituir o “gol”. Lembro-me de um que gritava “barrrrbaaaaaante!” quando a bola entrava, mas não me lembro o nome dele. Enfim, acho que tirando o Luiz Mendes e o Walter Abraão, que pelo que me lembro ainda usavam a anacrônica palavra “gol”, todos os outros tinham sua expressão característica e não gritavam “gol” de jeito nenhum…
Acho que depois que o Geraldo José de Almeida morreu, em meados dos anos 70, e o Luciano do Valle passou a narrador da Globo, o grito de gol voltou à televisão. O Galvão substituiu o Luciano na Globo, e também grita gol.
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Adendo ao texto:
A narração de futebol naqueles anos 60 até parte dos 70 reuniam, pelo menos em S Paulo, profissionais de escol, de personalidade, carismáticos, precisos, vibrantes, emocionantes. Haroldo Fernandes na Tupi, Fiori Giglioti na Bandeirantes, o grandíssimo Pedro Luís na Nacional, Joseval Peixoto na Panamericana/Jovem Pan, Milton Peruzzi na Rádio Gazeta; comentaristas e repórteres de campo da qualidade de Leônidas da Silva, Cláudio Carsughi, Mário Moraes(O Melhor de Todos, sem dúvida!), Hávila Machado, Orlando Duarte, Mauro Pinheiro, Eli Coimbra, Sérgio Baklanos, Roberto Petri(Locutor, Reporter e também comentarista, em épocas diferentes!), Chico de Assis, Raul Tabajara, Sílvio Luís(então reporter de campo), Rubens Petti, Peirão de Castro(Narrador e antes reporter de campo), Edson Bolinha Cury(Reporter de Campo, sim senhor! na Excelsior!), Roberto Silva, reporter Olho Vivo da Bandeirantes, Geraldo Blota, que fazia uma dupla espetacular com o narrador Jose Italiano . Recordar é viver, é não esquecer o passado, é respeitar a história.
P Lima Haddad