Quem é Merica? O original jogou no Sport, Flamengo e América, volante clássico, destruidor de jogadas e nome folclórico. Ainda está vivo.
O genérico era José de Paula Ribeiro. Este morreu de infarto. Há quase 20 anos no Fluminense, sem ser do Fluminense. Ganhou o apelido por ser vítima desta generalização barata, que apelidou milhares de negros de “Pelé”.
Porém, José de Paula virou Merica.
Vi Merica pela última vez nesta sexta-feira passada. Trajava uma camisa tricolor, ganha de algum jogador. Era esse seu salário. A boa vontade dos jogadores. Quando mais novo, ia com alguns para o Maracanã, ficando responsável por estacionar o carro. Envelheceu e passou a viver as manhãs e tardes lavando e cuidando dos carros dos jogadores que, nas Laranjeiras, por falta de CT, acabam ficando atrás de um dos gols, vítimas de bolas perdidas. Sem problema, Merica estava lá para lavar os estragos nos carrões.
Nesta última vez, Merica conversava com Deco ao final do treino. Perguntava ao jogador se já era para ligar o ar condicionado do carro. Deco agradeceu e disse ainda não, pois iria dar uma entrevista para o Esporte Espetacular. Com pouquíssimo tempo de clube, Deco já se tornara um cliente de Merica.
A imagem, aliás, era forte. Uma imagem muito mais brasileira do que tricolor. O velho Merica, mão esticada, braço enrugado, pegando a chave da mão de Deco, craque bem sucedido, que não era rico mas, através do futebol, atingiu salários invejáveis. Merica não era bom de bola, então não cresceu na vida. É vítima de uma das mais terríveis leis brasileiras. Pobre virar milionário só através do futebol ou da vilania. Parece que crescemos em quantidade, mas não em qualidade.
O elenco do Fluminense treinou um pouco triste neste sábado de manhã. Inconscientemente, o luto também é de todos os jogadores de todos os grandes clubes do Brasil. Cada um deles tem o seu Merica. Alguém humilde, subserviente, faz-tudo e sempre presente na rotina dos treinos.
E não adianta procurar no Google. Não existem fotos deste Merica. Talvez ao fundo, numa grande tomada de um treino, assim, bem ao fundo, sempre coadjuvante.
O que fica de Merica é uma história. Singela e divertida história. Certa vez, no século passado, o Fluminense jogava nas Laranjeiras quando a Polícia resolveu fazer uma limpa ao redor do campo, cheio de bicões. Um por um foi retirando os penetras. Mas respeitou a patente do vice-presidente de Finanças e do vice-presidente Social. Ao chegar em Merica, o soldado foi firme perguntando:
– E você, quem é?
– Sou vice-presidente de Estacionamento.
– Tudo bem, pode ficar.
E foi assim a vida toda. Merica foi ficando, ficando, ficando…
O Fluminense está tentando obter autorização da Suderj para prestar uma homenagem a Merica no Maracanã. Um minuto de silêncio. Talvez fosse o minuto de silêncio mais popular na história do estádio. Todos os Mericas agradecem.
Fonte : http://globoesporte.globo.com/platb/garamblog/2010/08/21/merica-morreu