Por Sérgio Mello
A Associação Atlética Matarazzo foi uma agremiação da cidade de São Paulo (SP). Fundada no sábado, do dia 14 de novembro de 1914, reunia os empregados dos escritórios comerciais e industriais da S/A Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo.
Breve história
Voltada principalmente ao “cultivo do futebol“, segundo estabelecia seu 1º estatuto (1928), a Associação também se destinava à promoção de festivais esportivos e recreativos, bem como bailes com a participação de sócios e seus familiares.
Ao ser admitido a um daqueles escritórios, automaticamente, o empregado se tornava sócio dessa agremiação. Como os escritórios sempre mantiveram uma média de 1.800 funcionários, este também deveria ser o número aproximado dos associados da Atlética Matarazzo.
As mensalidades pagas variavam segundo faixas salariais. Os valores envolvidos eram pequenos, mas regularmente descontados das folhas de pagamento. Assim, todos os funcionários dos escritórios contribuíam, mesmo aqueles que não frequentavam a Atlética. Os funcionários não poderiam optar entre serem ou não associados. Como informou um ex-diretor, todos eram obrigados a se filiar:
Na Atlética era o seguinte. Você entrava como empregado na Matarazzo, automaticamente, você era sócio. Então você fazia parte do quadro da Atlética. (…) Descontava-se a mensalidade na folha de pagamento. (…) Quando você assinava o contrato de trabalho, você já era sócio da Atlética. Era obrigatório. Várias pessoas tentaram mais tarde sair, quando ela já não oferecia nada… Mas não era possível. Nunca ninguém conseguiu. Então eles descontavam. Não era uma coisa exorbitante, mas vinha descontado na folha de pagamento. (…) Você era obrigado a entrar. (L.R.)
Sedes Sociais
Em julho de 1931, a diretoria resolveu desocupar a sala situada na Av. Brigadeiro Luís Antônio nº 44. Alegava tratar-se “De um prédio muito acanhado, fora de mão e de aluguel demasiado alto“.
Em 1932, a Associação comprou um terreno situado na Alameda Casa Branca, de propriedade do Conde Luiz Eduardo Matarazzo, onde foi instalada a praça de esportes. Além de um bangalô e de uma quadra de tênis já existentes no local, a Associação pretendia construir um ginásio para jogos de basquete, aproveitável também para bailes.
O Conde Francisco Matarazzo Jr., então administrador gerente da S/A Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, prometia que, durante o primeiro ano posterior à compra, a empresa contribuiria com a soma de um conto de réis (1:000$000) por mês, a fim de auxiliar a Associação a saldar sua dívida de 400 contos de réis!
A tarefa, bastante árdua, não foi levada adiante e, em maio de 1936, a Associação desfez o negócio, passando, então, a alugar o mesmo terreno, utilizando-se apenas da quadra de tênis. Nesse mesmo ano, uma nova sede social (alugado) foi instalada num conjunto de salas do Edifício Martinelli.
Associação Atlética Matarazzo, montou no 19º andar, a sua sede, onde ocupava praticamente três quartos do espaço físico. Pegava toda a parte da Avenida São João e parte da Rua Líbero Badaró.
Tinha uma mesa de bilhar, tinha uma bonita biblioteca, um bar, mesa de pingue-pongue, xadrez, dama, dominó. Naquela ocasião, o clube já contava com time de futebol, onde disputava o campeonato, organizado pela Federação Paulista de Futebol (FPF).
Em 1940, devido às dificuldades financeiras pelas quais passava, a Atlética deixou de alugar a quadra de tênis. Os custos com sua manutenção e com a compra do material para a prática do esporte tornaram-se muito onerosos. Para os jogos de futebol, a Atlética alugava o campo da vila operária Maria Zélia, na Rua Catumbi.
No Martinelli, a Associação ficou até 1956, quando recebeu uma notificação para desocupar as salas. Mudou-se, então, para um salão de propriedade da empresa num edifício recém-construído na Av. do Estado.
Finalmente, por volta de 1958, a empresa permitiu que o clube construísse a sede definitiva em um terreno de sua propriedade, situado à Av. Ordem e Progresso, no bairro do Limão.
Lá permaneceu até 1986, quando a empresa vendeu a praça de esportes para uma fábrica de retentores. Hoje, a Atlética Matarazzo se resume à sua secretaria, que funciona precariamente numa das salas dos escritórios da fábrica do Belenzinho.
Futebol na Matarazzo
O futebol era praticado na Associação Atlética Matarazzo, desde sua fundação, em campeonatos internos entre as diferentes seções dos escritórios centrais, de onde selecionavam-se os integrantes da equipe principal. Esta, por sua vez, disputava os campeonatos internos interfábricas, que reuniam os grêmios das Indústrias Matarazzo da Capital e também do interior do estado de São Paulo.
A partir da década de 30, esse quadro passou por transformações. Em 1933, a primeira participação da Atlética no Campeonato da Liga Esportiva Comércio e Indústria (LECI), quando obteve a 2ª colocação.
Já nessa época, a diretoria constatava e criticava o pequeno entusiasmo dos associados com relação ao desempenho do time de futebol, problema que se intensificaria nos anos seguintes: “Provavelmente teríamos obtido ainda melhor colocação se houvesse mais entusiasmo por parte dos senhores sócios por esta modalidade de esporte, fato este, aliás, já consignado no relatório da Diretoria relativo a 1932“.
A inclusão no torneio da LECI motivou a Atlética Matarazzo a admitir jogadores dos grêmios das fábricas para integrar sua equipe. Com isso, os campeonatos internos interfábricas ganharam novo ânimo, acirrando ainda mais as disputas entre os jogadores que, agora, deparavam-se com a possibilidade de participar de um campeonato oficial e de aumentarem seus proventos, projetando-se como futebolistas.
Desse modo, favoreceu-se a profissionalização paralela de operários-jogadores, que dependiam do emprego para seu sustento e que não encaravam o esporte como diversão, mas como uma forma de complementação salarial.
No entanto, com o passar do tempo, esses operários-jogadores deixaram de ser privilegiados pela Atlética Matarazzo em virtude da entrada no time de jogadores profissionais de fato.
A partir dos anos 40, o quadro de futebol manteve-se muito próximo da administração da empresa, despertando o interesse dos filhos do Conde Jr., que chegaram a integrar a equipe como jogadores. Pode-se mesmo afirmar que o time de futebol estava mais estreitamente ligado à administração da empresa que à própria diretoria da Atlética Matarazzo. Era quase outro clube.
A adoção do profissionalismo parecia ocorrer de modo concomitante a uma maior autonomia do departamento de futebol dos clubes em relação às suas demais atividades.
Essa autonomia garantia maiores recursos à prática do futebol, pois, caso se mantivesse equiparada às outras atividades do clube, as verbas teriam que ser divididas.
Ainda na década de 40, a Associação deixou de participar com frequência dos torneios da LECI. Sua maior atividade centrava-se, então, na disputa de jogos amistosos contra times varzeanos, até, finalmente, ser incluída entre os clubes com direito à participação do Campeonato Amador da Cidade de São Paulo, organizado pela Federação Paulista de Futebol (FPF).
Ao contrário do Campeonato Amador do Interior, as exigências da FPF para a inscrição no torneio da Capital eram menores. A partir de determinado número de associados, os clubes já teriam condições de participar, mesmo não dispondo de instalações necessárias à prática do futebol, como era o caso da Atlética Matarazzo.
Na década de 50, com a participação dos irmãos Ermelino e Eduardo Matarazzo, filhos do Conde Júnior, foi decisiva nesse sentido. Cuidaram de dotar a Atlética das condições necessárias à manutenção de uma equipe profissional.
Montaram uma comissão técnica com massagista, roupeiro e um técnico de futebol com experiência anterior, que já era funcionário da empresa. Mas, sobretudo, passaram a fornecer o dinheiro para o pagamento do “bicho” aos jogadores.
Craques de bola
Ermelino, então goleiro da equipe juvenil do Palmeiras (entre os anos 1943/45), valendo-se de sua influência no meio futebolístico, também conseguiu reunir jogadores profissionais, seus colegas, para integrarem, eventualmente, o time da Matarazzo.
Durante a disputa do Campeonato Amador da Capital e dos torneios da LECI e do Serviço Social da Indústria (SESI), a equipe da Atlética era formada basicamente por jogadores profissionais de clubes da cidade, que, mais tarde, tornar-se-iam nomes famosos do futebol brasileiro como, por exemplo: Colombo (Corinthians); Gino Orlando, Bibe, Savério e Bauer 121 (apelidado “o monstro do Maracanã” por sua atuação na Copa do Mundo de 1950), todos do São Paulo F.C. entre outros.
Matarazzo campeão da Divisão de Comércio e Industria (ACEA) de 1955
Na quinta-feira, às 21 horas, do dia 22 de dezembro de 1955, a Atlética Matarazzo se sagrou campeão da Divisão de Comércio e Industria, organizada pela ACEA (Associação Comercial de Esportes Atheticos. Fundada em 1930), ao vencer a Metalúrgica Matarazzo F.C. por 1 a 0, no Estádio do Pacaembu, na capital paulista.
O gol do título saiu aos 23 minutos do primeiro tempo. Após receber o passe, Mineiro toca para Yube, que rapidamente centra a meia altura para Mineiro, que mesmo marcado, conseguiu dominar e chutar firme para o gol da noite. Arbitragem ficou a cargo de João Etzel.
A.A. Matarazo: Tião; Cardoso e Oldemar; Chico, Marino e Douglas; Mineiro, Yube, Piloto, Dante e Gasolina.
Met. Matarazzo: Bilu; Pires e Stelvio; Mario, Carlito e Moraes; Jacob, Abelha, Hélio, Placido e Valdemar.
Detalhe: O Metalúrgica Matarazzo Futebol Clube foi Fundado na quinta-feira, do dia 15 de Junho de 1933. A sua Sede social ficava localizada na Rua da Mooca, nº 609, no bairro da Mooca, na região leste da cidade de São Paulo/SP. Em 1942, contava com número total de 1.300 sócios.
Campeonato Paulista de Futebol Amador do Estado de 1955
No primeiro jogo, fora de casa, Matarazzo arrancou empate
No domingo, às 15 horas, do dia 2 de junho de 1956, foi realizado o 1º jogo, na melhor de três, entre Atlética Matarazzo (campeão da capital)e Associação Atlética Itapetininga (campeão do Interior), para definir o Campeão Amador do Estado de São Paulo, certame este referente ao ano de 1955, organizado pela Federação Paulista de Futebol (FPF).
O Matarazzo arrancou empate em 2 a 2, fora de casa, após estar perdendo por dois gols. O primeiro tempo foi marcado pelas defesas sobressaindo os ataques e o placar terminou sem gols.
Na etapa final, Alceu marcou duas vezes colocando os itapetininganos em vantagem. No entanto, Dante e Mario deixaram o placar novamente em igualdade. O árbitro foi Norberto Rodrigues de Paula e a Renda foi de 26 mil cruzeiros.
Itapetininga: Bili; Rubens e Roque; Silvio, Cacau e Tempero; Tico-Tico, Alceu, Name, Coquita e Quitu.
Matarazzo: Tião; Cardoso e Oldemar; Chicão, Marino e Douglas; Mario, Yube, Piloto, Dante e Zeca.
Na segunda partida, Matarazzo goleou
A segunda peleja da série melhor de três será realizada no domingo seguinte, às 15 horas, do dia 9 de junho de 1956, entre Atlética Matarazzo e Associação Atlética Itapetininga, no Parque Antarctica. A partida foi transmitida pela Rádio Panamericana.
Com a entrada franca, o que se viu foi de um público apenas regular. O árbitro foi Casimiro Gomes, que cometeu alguns erros, mas em que nada influíram no resultado final.
O Matarazzo conquistou uma imponente goleada sobre o Itapetininga pelo placar de 5 a 0. Com o resultado, o time só precisava de um ponto no terceiro jogo para fica com o título.
O primeiro tempo foi fraco tecnicamente, com poucas chances de gol. Mas quando melhor chance surgiu o Matarazzo abriu o placar aos 5 minutos. Yube tocou para Mario, pela direita, que driblou o seu marcador e centrou na área. Piloto testou firme para o 1º gol.
Na segunda etapa, o Matarazzo ampliou aos 6 minutos. Após bela jogada, Piloto deu passe “açucarado” para Mario, que dentro da área, fuzilou a meta de Bili, que nada pode fazer.
Com o Itapetininga atordoado, veio o 3º gol. Dante deu ótimo passe para Zeca que tocou na saída do goleiro, colocando a bola no fundo das redes. O 4º tento saiu aos 22 minutos, quando Dante lançou Yube fez um golaço com maestria.
O 5º tento, saiu aos 38 minutos, numa arrancada de Zeca, que invadiu a grande área e foi derrubado por Rubens. Pênalti, Yube cobrou com categoria, dando números finais a peleja.
Matarazzo: Mion; Cardoso e Oldemar; Chicão, Marino e Douglas; Mario, Yube, Piloto, Dante e Zeca.
Itapetininga: Bili; Rubens e Roque; Silvio, Cacau e Tempero; Tico-Tico, Alceu, Marolo, Coquita e Quitu.
Matarazzo volta a vencer e fica com o título inédito do Estadual Amador
No domingo, às 15 horas, do dia 16 de junho de 1956, foi realizado o 3º jogo e último, na melhor de três, entre Atlética Matarazzo e Associação Atlética Itapetininga, no Estádio do Esporte Clube São Bento, em Sorocaba, no Interior Paulista. Mais uma vez o árbitro foi Casimiro Gomes, que teve uma atuação regular. A Renda foi de Cr$ 12.530,00.
Após um empate (2 a 2) e uma vitória (5 a 0), a Atlética Matarazzovoltou a derrotar o Itapetininga pelo placar de 2 a 1, ficando com o inédito título do Campeonato Paulista de Futebol Amador do Estado de 1955.
Ao contrário dos dois primeiros jogos, a primeira etapa foi agitada com as duas equipes buscando o gol. Melhor para o Matarazzo que abriu o placar aos 12 minutos, após o zagueiro Rubens cometer um pênalti. Ciro cobrou com categoria. Porém, aos 18 minutos, o Itapetininga conseguiu o empate por intermédio de Alceu. O que se viu até o final da primeira etapa foi um jogo equilibrado.
No segundo tempo, melhor coordenado, o Matarazzovoltou a ficar na frente do placar aos 20 minutos por intermédio de Mario. O clima esquentou e o meia do Itapetininga Tempero agrediu o árbitro Casimiro Gomes. Na sequência o juiz expulsou quatro jogadores Itapetininga: Tempero, Roque, Quitu e Tico-Tico. Com isso, sem forças e emocionalmente abalado o Itapetininga não foi páreo e viu a Associação Atlética Matarazzo ficar com o título!
Matarazzo: Mion; Cardoso e Oldemar; Chicão, Marino e Douglas; Mario, Yube, Piloto, Dante e Zeca.
Itapetininga: Bili; Rubens e Roque; Silvio, Cacau e Tempero; Tico-Tico, Alceu, Marolo, Coquita e Quitu.
Desenho dos escudos e uniformes: Sérgio Mello
FOTOS: A Gazeta Esportiva (SP)
FONTES: A Gazeta Esportiva (SP) – “Futebol de Fábrica em São Paulo”, um trabalho de Dissertação de Mestrado em Sociologia apresentada ao Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, por Fátima Martin Rodrigues Ferreira Antunes.