Arquivo do Autor: Mauricio Neves

O Inter sob neve

Li no blog http://oglobo.globo.com/blogs/bolademeia o post Você sabia? Futebol brasileiro já teve jogos debaixo de neve, que relembrou as partidas Esportivo x Grêmio, em Bento, e Chapecoense x Criciúma, em 1979.
Naquela mesma noite, 30 de maio de 1979, Internacional e Avaí jogaram em Lages debaixo de uma nevasca inesquecível e enfrentando um frio de 2 graus negativos. Os vendedores dos tradicionais pastéis e iguarias de amendoim, naquela noite, vendiam conhaque!
Durante o intervalo, nevou muito forte, e quando os times voltaram para o segundo tempo o campo estava absolutamente branco.

Internacional 1×1 Avaí (Florianópolis)
30 de maio de 1979 – Campeonato Estadual
Estádio Municipal Vidal Ramos Junior – Lages
Árbitro: Francisco Simas, auxiliado por Edvaldo Coelho e Silvio Theodoro da Costa
Inter: Luiz Fernando, Chicão, Nivaldo, Eduardo e Clademir; Bin, Daniel e Vanusa; Jorge Guilherme, Wilson (Jones) e Vacaria.
Avaí: Zé Carlos, Deide, Beto, Adaílton e Rosa Lopes; Lourival, Katinha e Lima; Valter, Jorge Luiz e Zé Paulo (Nilson).
Gols: Jorge Luiz aos 11 do 1° tempo; Jones aos 10 do 2° tempo.

O NOSSO INTER VAI VOLTAR *

Uma cerveja no Guairacá ou no Bar Lang, depende de onde você está vindo. Um rádio ligado na Clube vai dando as notícias: “- O Inter acaba de chegar ao Tio Vida… O público vai tomando o pavilhão e as gerais…”. E aí você toma o rumo do Estádio Vidal Ramos Júnior, para escolher o lugar de onde vai torcer pelas camisas vermelhas. Como já faziam, provavelmente, seu pai e seu avô. O Inter tem 61 anos de idade, fosse gente e estaria sob a proteção do Estatuto do Idoso. Não é gente, mas é como se fosse da família. Da família lageana. As cores da cidade são verde, amarelo, azul e branco? Sim, mas pode acrescentar aí o vermelho, do nosso sangue serrano e do Inter, a mais legítima expressão lageana nos campos de futebol.
O Inter vai voltar e você precisa voltar junto com ele. Voltar a acreditar que merecemos um time de futebol. Voltar a acreditar que o Colorado véio de guerra é a seleção do sul do mundo. Voltar a acreditar que no Vidal Ramos nós somos invencíveis. Porque o que fez do Inter um gigante foi só isso: nós acreditávamos nele.
O jogo vai ser no dia 15 de agosto, contra o Oeste. Divisão de acesso do campeonato catarinense. Equivale à terceira divisão, mas não faz mal. Não importa a divisão. O que importa é o nosso Inter de Lages, o velho Leão da Serra. Não importa se jogaremos a Série A do Brasileiro ou a terceira divisão do Jocol. Só o que importa é que o time que vai pisar o gramado é o Inter de Lages. O nosso Inter. O resto é bobagem.
Vá ao estádio. Leve seu pai, seu filho, seu irmão, sua namorada. Chame seus amigos. Vamos lá mostrar que o Inter não é do tamanho da divisão que joga. O Inter é do tamanho da nossa paixão. O Inter só faz sentido se estivermos lá para gritar, para apoiar, para nos sentirmos mais serranos quando aquelas camisas vermelhas se espalharem pelo gramado. O serrano de verdade é solidário, e o Inter está precisando de nós. Te vejo no Vidal Ramos.

* Minha coluna desta semana no Jornal O Momento, de Lages, sobre a volta do Inter de Lages aos gramados.

Inter de Lages muda seu escudo.

INTER.LAGES

Em reunião ocorrida no último mês de maio, a diretoria do Internacional de Lages decidiu mudar o escudo do clube. Na verdade, o escudo volta a ser o original, usado pelo colorado lageano entre 1949 e 1983, que é praticamente o escudo do Inter de Porto Alegre, com a palavra Lages embaixo. O escudo que representou o clube entre 1983 e 2010, com a araucária meio facetada, está aposentado. Embora o nome da agremiação seja Esporte Clube Internacional, o campeão catarinense de 1965 mantém no escudo a letra S, como o Sport Club Internacional, de Porto Alegre. No escudo antigo, o S havia sido substituído pelo E. Depois de um ano de inatividade, o Inter de Lages volta a campo para disputar a terceira divisão do campeonato catarinense.

AS ESTREIAS QUE EU VI (parte III)

Com este, encerro os artigos sobre as estreias do Brasil em Copas que já assisti. Obrigado pelas leituras e pelos comentários!

2002 – Brasil x Turquia

Nem todas as estréias anteriores bastaram para aliviar a minha ansiedade com o primeiro jogo do Brasil na Copa de 2002. Primeiro porque eu confiava muito na família Scolari, e depois pelo ineditismo de viver um Mundial que, para nós, seria todo de madrugada. Durante um mês inteiro eu troquei o dia pela noite. Como aqui, na serra catarinense, o inverno é muito rigoroso, tomava umas quatro canecas de chocolate quente com conhaque entre o primeiro jogo, às duas da manhã, e o último, ao amanhecer.
Passei a madrugada da estreia em frente à lareira, e estava com muito sono quando rolou a bola para Brasil e Turquia. Como a seleção demorou a engrenar, foi duro dominar o sono, já que a inversão do fuso horário ainda estava no começo. Por isso me assustei quando o carequinha Sas apareceu na cara de Marcos e soltou um petardo de canhota no último lance do primeiro tempo, para abrir o placar. Foi como se tivesse levado um chute na cara: – Acorda, rapaz, isso é Copa do Mundo!

Felizmente a seleção também acordou, e logo no início do segundo tempo Rivaldo dominou pela esquerda, viu Ronaldo se enfiando entre três zagueiros e a bola viajou em curva, até Ronaldo saltar entre dois beques para esticar a perna direita e empatar o jogo. A vitória sofrida veio no final, quando Luisão sofreu uma falta fora da área, mas que o árbitro coreano mandou botar na cal. Rivaldo chutou seco, Rustu saltou em branco e o Brasil arrancou para o penta. E eu, feliz, fechei a janela e dormi até às quatro da tarde.

Brasil 2×1 Turquia. 3 de junho de 2002. Local: Estádio Munsu, Ulsan, Coreia do Sul Público: 33.842 Árbitro: Kim Young Joo (Coreia do Sul) Assistentes: Visva Krishnan (Singapura) e Vladimir Fernandez (Eslováquia) Gols: Hasan Sas(TUR) 45’+2′, Ronaldo 50′, Rivaldo 87′ BRASIL: Marcos, Lúcio, Roque Junior, Edmílson; Cafu, Gilberto Silva, Juninho (Vampeta 72′), Rivaldo, Roberto Carlos; Ronaldinho Gaúcho (Denílson 67′), Ronaldo (Luizão 73′). Técnico: Luiz Felipe Scolari. TURQUIA: Rustu Recber, Korkmaz (Mansiz 66′), Akyel, Alpay; Unsal, Ozat, Basturk (Davala 65′), EmreEmre, Tugay (Erdem 88′); Sukur, Sas. Técnico: Senol Gunes. Cartão amarelo: Akyel(TUR) 21′, Unsal (TUR) 24′, Alpay (TUR) 44′, Denílson 73′ Expulsões: Alpay(TUR) 86′, Unsal(TUR) 90’+4′
2006 – Brasil x Croácia

O quadrado mágico. O futebol de outro planeta. O time mais ofensivo do mundo. Todas as bobagens faladas antes da Copa de 2006 criaram a sensação de que o Brasil tinha um escrete mágico, uma mistura de 1982 e 1970, que trucidaria os adversários com um sorriso no rosto, um sorriso a expor os dentões dos Ronaldos. Porém, já na estreia, os jogadores da Croácia com seu heróico uniforme xadrez (assunto para outro artigo) se espalharam pelo gramado como peças em um tabuleiro, ocuparam os espaços e o Brasil não acho o seu futebol mágico, nem naquele dia, nem no resto da Copa. O quadrado mágico virou dois meias apáticos e dois atacantes gordos, que seriam devorados por Zinedine Zidane nas quartas-de-final.

Mas para não dizer que não falei das flores, foi um golaço de Kaká, de canhota, que decidiu aquele primeiro jogo, e nos deu a ilusão de que o pouco futebol era uma consequencia do nervosismo da estreia. Talvez por esperarmos tanto tempo por uma Copa, nos recusemos a ver a verdade, como aquela que brotou no gramado do Estádio Olímpico de Berlim naquele dia 13 de junho: o quadrado mágico era um engodo e a volta para casa seria sem nenhum troféu na bagagem.

Brasil 1×0 Croácia. 13 de junho de 2006. Local: Estádio Olímpico (Olympiastadion), Berlim
Público: 66.021 Árbitro: Benito Archundia (México) Assistentes: José Ramirez (México) e Hector Vergara (Canadá) Gol: Kaká (43 minutos do 1º tempo) BRASIL: Dida, Cafu, Lúcio, Juan, Roberto Carlos; Émerson, Zé Roberto, Kaká, Ronaldinho Gaúcho; Ronaldo (Robinho) e Adriano. Técnico: Carlos Alberto Parreira. CROÁCIA: Pletikosa, Simic, Robert Kovac, Simunic, Srna, Tudor, Niko Kovac (Jerko Leko), Niko Kranjcar, Babic, Klasnic (Olic) e Prso. Técnico: Zlatko Kranjcar. Cartões amarelos: Émerson (Brasil); Robert Kovac, Tudor e Niko Kovac (Croácia)

AS ESTREIAS QUE EU VI (parte II)

1990 – Brasil x Suécia

A vida continuou mudando bastante. Ao primeiro fracasso amoroso sucederam-se outros, o RPM deixou de fazer sucesso e eu levei um susto quando meu pai chegou em casa com nosso primeiro CD player. E o que fazer com todos os meus LPs de Beatles, Stones e Pink Floyd? E com o Jardim Elétrico, dos Mutantes, tão difícil de conseguir? Junto com o aparelho, ganhei no novo formato os CDs The Wall, do Pink Floyd, e Cheap Thrills, da Janis Joplin. Saíam os bolachões e chegavam os biscoitos.

O futebol também havia mudado. Zico, Sócrates e Falcão já haviam se aposentado e pela primeira vez a seleção teria mais jogadores de clubes estrangeiros. O técnico era Sebastião Lazaroni, que se sob uma perspectiva histórica é um disparate, na época fazia muito sentido, depois de a seleção quebrar um jejum de 40 anos sem vencer a Copa América, arrasando Argentina, Paraguai e Uruguai no Maracanã.

O time chegou a ensaiar um show na estréia contra a Suécia. Careca recebeu uma enfiada de bola de Branco, driblou o folclórico goleiro Ravelli e abriu o placar no Delle Alpi. No segundo tempo, o mesmo Careca aparou de primeira um cruzamento de Müller e qualificou o escore. Galvão Bueno, em sua primeira Copa no modo ufanista, encheu o peito: – Começa beeeem o meu Brasil a Copa da Itália! De fato, a seleção chegou a jogar bonito e por pouco não ampliou em lances de Alemão e Mozer, mas os suecos descontaram com o jovem e talentoso Brolin e houve um pequeno sufoco no fim.

O Mundial de 1990 entraria para a história negativamente, mas a verdade é que após a estreia tínhamos a impressão de que a seleção brigaria pelo título. Careca vivia a sua melhor fase, nenhum adversário tinha laterais como Jorginho e Mozer e Taffarel parecia intransponível. Após a derrota para a Argentina, em uma das melhores partidas que já vi do Brasil, fiquei desolado. Em meio às dúvidas sobre qual vestibular prestar, tive a impressão de que a esperança de ver o Brasil campeão ficaria no passado junto com os discos de vinil.

Brasil 2×1 Suécia. 10 de junho de 1990. Local: Stadio delle Alpi (Turim) Árbitro: Tulio Lanese (Itália) Gols: Careca 40 do 1º tempo; Careca 17, Brolin 33 do 2º. BRASIL: Taffarel; Jorginho, Mauro Galvão, Mozer, Ricardo Gomes, Branco; Dunga, Alemão, Valdo; Muller, Careca. SUÉCIA: Ravelli; Roland Nilsson, Schwarz, Larsson, Ljung (Stromberg); Thern, Limpar, Ingesson, Joakin Nilsson; Brolin, Magnusson (Petersson).

1994 – Brasil x Rússia

Assim como 1990 repetiu o adversário da estreia de 1978, em 1994 enfrentaríamos o adversario da estreia de 1982, a União Soviética. Na verdade, o maior pedaço que sobrou da União Soviética, desmantelada em 1991. Não era um time que botava medo, e ainda havia uma conta a acertar. Alguns jogadores russos eram remanescentes da União Soviética que havia vencido o Brasil na final dos Jogos Olímpicos de Seul, como o goleiro Kharin, o zagueiro Gurlokovich e o volante Kuznetsov. Do nosso lado, Taffarel, Jorginho, Bebeto e Romário haviam amargado a derrota na prorrogação que custou a medalha de ouro em 1988.

O hit daquela Copa não foi a musiquinha da Globo, ou algum sucesso instantâneo dos neo pagodeiros. Washigton Olivetto, em lance de gênio, botou como trilha do comercial da Rider a música Brasil Pandeiro, de Assis Brasil e imortalizada pelos Novos Baianos. Tudo a ver com uma Copa nos EUA: – O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada, vive dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato… (…) Brasil, esquentai vossos pandeiros, iluminai os terreiros que nós queremos sambar…

Romário. Seis letras que eram repetidas quase em oração, na esperança de quebrar um jejum de 24 anos. Foi ele quem, sob o sol inclemente de Palo Alto, achou uma bola vinda de um corner e deu um toquinho para abrir o placar, e depois ainda sofreu o pênalti convertido por Raí. Perdemos outras boas chances. Bebeto quase marcou de voleio e de falta, mas não foi preciso. 2×0 já era motivo pra festa.

Depois do jogo, fui fazer uma prova de Direito Penal na faculdade. Até hoje não sei por que o professor marcou a prova para um dia de jogo no Brasil na Copa, mas foi a prova mais festiva que já fiz. Todo mundo de bem com a vida. Eu, que quatro anos antes havia me despedido dos LPs e do sonho de ser campeão mundial, havia dado um jeito em tudo. Ao lado do CD Player e dos disquinhos na estante, estava a vitrola velha de guerra e meus LPs amados. Quando cheguei em casa, tirei da capa o disco dos Novos Baianos e a agulha singrou pelos sulcos do vinil: – O tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada…

Brasil 2×0 Rússia. 17 de junho de 1994. Local: Stanford Stadium (Palo Alto) Árbitro: An Yan Lim Kee Chong (Ilhas Maurício) Gols: Romário 26 do 1º tempo; Raí (pen.) 8 do 2º. BRASIL: Taffarel; Jorginho, Ricardo Rocha (Aldair), Márcio Santos, Leonardo; Mauro Silva, Dunga (Mazinho), Raí, Zinho; Bebeto, Romário. RÚSSIA: Kharin; Nikiforov, Gorlukovich, Ternavsky; Khlestov, Kuznetsov, Piatnisky, Tsimbalar, Karpin; Radchenko (Borodiuk), Iuran (Salenko).

1998 – Brasil x Escócia

Éramos tetra. Pela primeira vez, eu veria o Brasil defendendo o título. Reuni os amigos para a estreia, regada a scotch e bolinhos escoceses (linguiça moída, azeite e farinha de trigo pra dar liga, faz uma massa disso aí, enrola em bolinhas, recheia com queijo branco e tempero verde, e depois passa tudo na aveia em flocos e bota pra assar). Antes do jogo, Ronaldo, ainda com o nome no diminutivo, disse à beira do campo do Stade de France: – Esse estádio é lindo, mas ainda não tem história, e nós vamos escrevê-la. Mal sabia ele…

César Sampaio abriu o placar, e quando a Escócia empatou de pênalti, eu já havia tomado tanto uísque que me sentia um escocês. Mesmo assim, vibrei muito com o gol pinball de Cafu, a bola batendo e rebatendo antes de morrer mansinha lá dentro. Foi uma estreizainha razoável, mas eu nem ligava. Depois da fase de grupos eu e meu pai embarcaríamos para Paris, e veríamos a segunda fase da Copa entre vinhos, croque-monsieurs e croissants. Se Ronaldo queria escrever a história, eu estaria lá para vê-la.

Brasil 2×1 ESCÓCIA. 10 de junho de 1998. Local: Stade de France (Saint-Denis) Árbitro: José Garcia Aranda (Espanha) Gols: César Sampaio 4, Collins (pen.) 37 do 1º tempo; Boyd (contra) 27 do 2º. BRASIL: Taffarel; Cafu, Júnior Baiano, Aldair, Roberto Carlos; Dunga, César Sampaio, Giovanni (Leonardo), Rivaldo; Bebeto (Denílson), Ronaldo. ESCÓCIA: Leighton; Burley, Calderwood, Hendry, Boyd, Dailly (Tosh McKinlay); Jackson (Billy McKinlay), Lambert, Collins; Gallacher, Durie.

Fontes: Arquivo do autor, Revista Placar e duplipensar.net (fichas).

AS ESTREIAS QUE EU VI

A ideia desse artigo não é um resgate histórico das estreias do Brasil em Copas do Mundo. Pretendi reviver o sentimento após cada jogo, sem as impressões deixadas após o Mundial encerrado. Ou seja, são as esperanças de um torcedor criança, adolescente, jovem e adulto, que marca o tempo da vida de quatro em quatro anos. O que segue era o que eu sentia após o Brasil estrear nas Copas desde 1978, quando eu contava cinco anos de idade.


1978 – Brasil x Suécia

Aos cinco anos de idade, o futebol para mim ainda era a imagem do meu pai sentado em frente ao rádio, ouvindo Jorge Cury enquanto organizava sua coleção de moedas. Foi a Copa de 1978 que me deu a dimensão do espetáculo. Todos só falavam em futebol, e a Coca Cola lançou uma coleção inusitada de figurinhas: as fotos dos jogadores vinham estampadas na parte de dentro das tampinhas dos refrigerantes. Guardo as minhas até hoje.

A foto que vale por um gol, do genial Scalco

O que me marcou daquela estreia contra a Suécia foi como a empolgação dos adultos na sala de TV foi diminuindo à medida em que a seleção corria sem destino. O gramado de Mar del Plata, recém plantado e castigado por uma garoa insistente, soltava em blocos inteiros e os jogadores afundavam suas chuteiras no barro. Eu só soube que o juiz havia anulado o gol de Zico, no último lance do jogo, uns três minutos depois. Saí correndo pela casa para comemorar o gol do Galinho, e percebi que algo havia saído errado ao ver a carranca das pessoas já com a televisão desligada.

O momento mais bonito daquele jogo foi a capa da Revista Placar, publicada dias depois. Ao mesmo tempo iluminado pelo sol e por cintilantes gotas de chuva, Reinaldo erguia o pé para dar uma puxeta, a água esguichando de sua chuteira da qual se via todo o solado. Um golaço do falecido fotógrafo JB Scalco que não amenizou a impressão geral de que não iríamos longe naquele Mundial.

Brasil 1×1 Suécia. 3 de junho de 1978. Local: Mar del Plata Árbitro: Clive Thomas (País de Gales) Gols: Sjoberg 36, Reinaldo 45 do 1º tempo. BRASIL: Leão; Toninho, Oscar, Amaral, Edinho; Batista, Toninho Cerezo (Dirceu), Zico, Rivelino; Gil (Nelinho), Reinaldo. SUÉCIA: Hellstrom; Borg, Roy Andersson, Nordqvist, Erlandsson; Tapper, Linderoth, Bo Larsson, Lennart Larsson (Edstrom); Sjoberg, Wendt.

1982 – Brasil x URSS

Foi a primeira Copa que vivi de corpo e alma, sabendo do que se tratava e com a certeza de qe seríamos os campeões. Assisti a todos os amistosos preparatórios, incluindo a épica excursão européia com vitórias contra o trio-de-ferro Alemanha, França e Inglaterra. Mesmo assim, esperava um jogo difícil na estreia, pois aquele time de camisas vermelhas tinha um goleiro que havia parado o Brasil no Maracanã lotado dois anos antes: a lenda Rinat Dasaev.
Quando Bal chutou uma boa fraca da intermediária, eu não interrompi a trajetória do sanduíche de queijo e presunto que levava à boca. Mas quando a bola escapuliu de Valdir Peres, derrubei o sanduíche e o prato que apoiava nas pernas, sujando o chão da sala. Brasil 2x1 URSS, Éder disparaEstávamos com a lareira acesa e a família reunida em frente à Telefunken novinha que meu pai havia comprado para a Copa, e de repente todos ficaram em silêncio. Seria duro virar o jogo contra aquele time mecânico e eficiente, e com o herdeiro de Yashin no gol. Precisaríamos de lances geniais e individuais.
Primeiro Sócrates rompeu a defesa aos dribles e mandou um míssil teleguiado no ângulo. Depois foi Éder, quem colheu a bola vinda de Paulo Isidoro, após um corta-luz de Falcão. A Bomba de Vespasiano veio na corrida e deu um toque a meia altura. A bola estava caindo no meio de dois soviéticos, mas Éder voou entre os dois para pegá-la no ar, uma bomba de efeito moral que deixou Dasaev estático. É, de longe, a minha estreia preferida, e naquela hora eu apostaria meu álbum Ping Pong completinho com qualquer um que duvidasse do tetracampeonato…

Brasil 2×1 URSS. 14 de junho de 1982. Local: Estádio Sanchez Pizjuan (Sevilha) Árbitro: Lamo Castillo (Espanha) Gols: Bal 33 do 1º tempo; Sócrates 28, Éder 43 do 2º. BRASIL: Valdir Peres; Leandro, Oscar, Luisinho, Júnior; Falcão, Sócrates, Zico; Dirceu (Paulo Isidoro), Serginho, Éder.
URSS: Dasaev; Sulakvelidze, Chivadze, Baltacha, Demianenko; Bessanov, Bal, Daraselia (Andreiev), Gavrilov (Susloparov); Shengelia, Blokhin.

1986 – Brasil x Espanha
Havia uma desconfiança geral da seleção antes da Copa de 1986. Ou era eu quem desconfiava da vida, sei lá. Desde a Copa anterior, muita coisa havia mudado para mim. Uma sucessão de infortúnios que começou naquela tarde maldita do Sarriá. Meus pais se separaram em 1983, na semana em que Zico foi vendido para a Itália, dois golpes duros. Zico até já havia voltado, mas logo teve um joelho decepado por um zagueiro assassino. Luciano do Valle havia trocado a Globo pela Bandeirantes, e levara Pelé, Rivellino e Clodoaldo como comentaristas. Nas festinhas de garagem nós ouvíamos RPM e o auge era dançar abraçado com uma menina a quem só tirávamos depois de muita indecisão, embalados por London, London na voz de Paulo Ricardo. Aliás, Claudinha, cadê você? Eu tinha 13 anos, a família estava desfeita e eu já havia levado meu primeiro fora. Sabia que a vida era dura. Maldito Paolo Rossi.
Encarar a Espanha no primeiro jogo era um teste para os fortes. A Espanha de Zubizarreta e Butragueño. A Espanha que marcou um gol que o juiz não viu. Tudo começou estranho já no hino. Os jogadores perfilados, Sócrates com uma faixa de protesto na cabeça, e foram entoados os acordes do… Hino à Bandeira! E com a bola rolando, o que se viu era um time ainda talentoso, mas sem conjunto. Outra vez dependeríamos de lampejos individuais.
Júnior, já como centro-campista, cortou em facão da direita em direção ao meio. Careca deslocou-se e recebeu um passe perfeito. O camisa 9 ajeitou e soltou um petardo que quase derrubou o travessão do grande Zubi. Sócrates apanhou o rebote e meteu de cabeça para o gol vazio, sendo abraçado por Júnior e Alemão na comemoração. Uma grande vitória e a perspectiva de Zico entrar nos jogos seguintes me fizeram acreditar de novo na vida. Afinal, seríamos tetracampeões, de novo no México, corrigindo a injustiça de quatro anos antes…

Brasil 1×0 ESPANHA. 1 de junho de 1986. Local: Estádio Jalisco (Guadalajara) Árbitro: Christopher Bambridge (Austrália) Gol: Sócrates 17 do 1º tempo. BRASIL: Carlos; Édson, Júlio César, Edinho, Branco; Elzo, Alemão, Júnior (Falcão), Sócrates; Casagrande (Muller), Careca. ESPANHA: Zubizarreta; Tomás, Maceda, Goicochéa, Camacho; Victor, Michel, Francisco Lopez (Señor), Julio Alberto; Butragueño, Salinas.

Fontes: Arquivo do autor, Revista Placar, Revista Veja e duplipensar.net (fichas).

O Inter de Lages e seus heróis

Alguns amigos aqui do blog já sabem, mas já faz 14 anos que eu pesquiso a história do Inter de Lages. Em 2010, finalmente, o trabalho de levantamento de fichas técnicas, fotos, entrevistas e outras atividades de arqueologia futebolística vai virar livro (e desde já prometo um exemplar para o Cacella sortear entre o pessoal aqui).
Além do livro, também produzi dois itens que nãos serão vendidos, frutos da minha paixão de torcedor. Uma camisa retrô, remetendo ao ano de 1965, em que o Inter foi campeão catarinense, com o simbólico número 65 às costas.
Além da camisa, encomendei a um artesão alguns mini-craques do Inter.
Divido o resultado dessa pequena loucura com os amigos do blog. Gostaram?

A réplica da camisa do campeão catarinense de 1965

A réplica da camisa do campeão catarinense de 1965

O ponta Zezé e o beque Setembrino, e a foto a partir da qual foram feitos

O ponta Zezé e o beque Setembrino, e a foto a partir da qual foram feitos

Os mini-craques reunidos: Setembrino, Dair, Puskas, Zezé e Anacleto

Os mini-craques reunidos: Setembrino, Dair, Puskas, Zezé e Anacleto

44 anos esta tarde

Anacleto, caído, vê a bola entrar à esquerda de Rubens: Inter campeão

Anacleto, caído, vê a bola entrar à esquerda de Rubens: Inter campeão

O ponteiro Zezé recebeu a bola ao lado da área, vigiado de perto pelo lateral Édson Madureira. Ameaçou retroceder para o armador Ricardo, mas mudou o movimento do pé e deu um toque cavado para o fundo do campo, ganhando meio passo de vantagem sobre seu marcador. O cruzamento saiu suave e passou por cima do centroavante Puskas, que puxara a marcação no primeiro pau. Por pouco a bola não encobre também o camisa onze Anacleto, que subiu tudo o que pôde, logo ele, que nunca havia feito um gol de cabeça. Das cinco mil pessoas que superlotavam o acanhado estádio Vidal Ramos, nenhuma teve melhor visão do lance do que Zezé. Ele viu Anacleto dar com a testa em cheio na bola, que tomou o rumo do canto esquerdo do goleiro Rubens. Apanhado no contrapé, o velho Rubão se esticou todo, com a mão esquerda espalmada. Não houvesse a rede e a bola pararia nos pés de Zezé, depois da linha de fundo. Mas havia uma rede, e a bola ficou ali, no fundo do gol do Metropol.

Naquele instante, o Internacional de Lages marcava pela segunda vez na tarde de 27 de março de 1966. Anacleto, que tinha um canhão no pé esquerdo, também havia marcado o primeiro gol, mas de pé direito. Ele jamais havia marcado gols com o pé direito ou de cabeça, e quis o destino que o fizesse justamente no jogo mais importante de sua vida, o jogo que deu ao Internacional a maior conquista de sua história, o título de campeão catarinense de 1965. O lendário Metropol ainda marcaria o seu gol de honra, mas não seria suficiente para estragar a festa colorada.

O Inter de Lages, clube que havia sido fundado 17 anos antes por torcedores do Inter de Porto Alegre, não acabou ali. Na verdade, estava em plena ascensão. Ainda em 1966, inauguraria o seu próprio estádio, o Vermelhão, em um amistoso contra o Huracán de Buenos Aires. Em 1974 seria vice-campeão catarinense, com o centroavante Parraga, que brilharia depois na Ponte Preta. Teria ainda outras glórias que não constam sequer como nota de rodapé na história do futebol, mas que orgulharam sua torcida. Uma vitória contra a Máquina Tricolor, com Edinho e Rivellino, em 1978. A honra de ter Andrade, campeão do mundo pelo Flamengo, vestindo sua camisa vermelha em 1991. E a última grande festa, a conquista do campeonato estadual da segunda divisão em 2000, com um gol de falta de Kuki, ainda longe do sucesso que teria no Náutico.

Para todos que, como eu, frequentaram o estádio Vidal Ramos, o Internacional era um gigante. Porque representava a nossa cidade, porque amávamos o time sem pedir nada em troca, porque era aquele o futebol que nos chegava sem o chiado do rádio e sem o distanciamento da televisão. O Internacional era o nosso futebol com cheiro de grama, com o estampido seco da chuteira batendo na bola, com os lugares que ocupávamos domingo após domingo, longe demais dos Maracanãs e Morumbis, mas perto de nossos passos, de nossas casas, de nossos sonhos.

Assim como o Tejo não era mais belo que o rio da aldeia de Pessoa porque não era o rio da aldeia de Pessoa, amávamos o Internacional. Não era um clube que jogava as grandes ligas, que pisava os melhores gramados, que arrastava multidões, mas era o clube da nossa aldeia. Era, porque está desativado, vitimado por ele próprio, pelo futebol que não se faz mais com a renda dos jogos, pelo tempo que é tão diferente daquela tarde nublada de 27 de março de 1966.

Eu poderia falar do Internacional pelas histórias que ouvi, pelos dribles que vi, pelos gols que gritei. Poderia dizer que aquelas camisas vermelhas se espalhando pelo campo são o meu sentimento mais remoto de pertença. Mas prefiro mostrar a foto do gol do título, com Anacleto já caído vendo a bola entrar, Rubens esticado no salto inútil, o estádio a décimos de segundo da explosão maior. Só por hoje, vou acreditar que o Internacional ficou congelado ali, a um sopro de sua glória maior. Porque faz 44 anos esta tarde e porque o Inter agora, parafraseando Drummond, é só uma foto na parede. E como dói.


Internacional 2×1 Metropol (Criciúma)

27 de março de 1966 – Campeonato Catarinense – FINAL (temporada 1965)

Estádio Municipal Vidal Ramos Júnior – Lages

Árbitro: José Witti da Silva (Paraná)

Inter: J. Batista, Antenor, Leoquídio, Setembrino e Carlinhos; Dair e Almir; Zezé, Ricardo, Puskas e Anacleto.

Metropol: Rubens, Pedrinho, Hamilton, Nenê e Edson Madureira; Zequinha e Milton; Calita (Galego), Idézio, Madureira e Wolney.

Gols: Anacleto aos 15 do 1° tempo; Anacleto aos 14 e Édson Madureira aos 30 do 2° tempo.

Obs.: com este resultado, o Internacional conquistou o campeonato catarinense de 1965.