A ideia desse artigo não é um resgate histórico das estreias do Brasil em Copas do Mundo. Pretendi reviver o sentimento após cada jogo, sem as impressões deixadas após o Mundial encerrado. Ou seja, são as esperanças de um torcedor criança, adolescente, jovem e adulto, que marca o tempo da vida de quatro em quatro anos. O que segue era o que eu sentia após o Brasil estrear nas Copas desde 1978, quando eu contava cinco anos de idade.
1978 – Brasil x Suécia
Aos cinco anos de idade, o futebol para mim ainda era a imagem do meu pai sentado em frente ao rádio, ouvindo Jorge Cury enquanto organizava sua coleção de moedas. Foi a Copa de 1978 que me deu a dimensão do espetáculo. Todos só falavam em futebol, e a Coca Cola lançou uma coleção inusitada de figurinhas: as fotos dos jogadores vinham estampadas na parte de dentro das tampinhas dos refrigerantes. Guardo as minhas até hoje.
O que me marcou daquela estreia contra a Suécia foi como a empolgação dos adultos na sala de TV foi diminuindo à medida em que a seleção corria sem destino. O gramado de Mar del Plata, recém plantado e castigado por uma garoa insistente, soltava em blocos inteiros e os jogadores afundavam suas chuteiras no barro. Eu só soube que o juiz havia anulado o gol de Zico, no último lance do jogo, uns três minutos depois. Saí correndo pela casa para comemorar o gol do Galinho, e percebi que algo havia saído errado ao ver a carranca das pessoas já com a televisão desligada.
O momento mais bonito daquele jogo foi a capa da Revista Placar, publicada dias depois. Ao mesmo tempo iluminado pelo sol e por cintilantes gotas de chuva, Reinaldo erguia o pé para dar uma puxeta, a água esguichando de sua chuteira da qual se via todo o solado. Um golaço do falecido fotógrafo JB Scalco que não amenizou a impressão geral de que não iríamos longe naquele Mundial.
Brasil 1×1 Suécia. 3 de junho de 1978. Local: Mar del Plata Árbitro: Clive Thomas (País de Gales) Gols: Sjoberg 36, Reinaldo 45 do 1º tempo. BRASIL: Leão; Toninho, Oscar, Amaral, Edinho; Batista, Toninho Cerezo (Dirceu), Zico, Rivelino; Gil (Nelinho), Reinaldo. SUÉCIA: Hellstrom; Borg, Roy Andersson, Nordqvist, Erlandsson; Tapper, Linderoth, Bo Larsson, Lennart Larsson (Edstrom); Sjoberg, Wendt.
1982 – Brasil x URSS
Foi a primeira Copa que vivi de corpo e alma, sabendo do que se tratava e com a certeza de qe seríamos os campeões. Assisti a todos os amistosos preparatórios, incluindo a épica excursão européia com vitórias contra o trio-de-ferro Alemanha, França e Inglaterra. Mesmo assim, esperava um jogo difícil na estreia, pois aquele time de camisas vermelhas tinha um goleiro que havia parado o Brasil no Maracanã lotado dois anos antes: a lenda Rinat Dasaev.
Quando Bal chutou uma boa fraca da intermediária, eu não interrompi a trajetória do sanduíche de queijo e presunto que levava à boca. Mas quando a bola escapuliu de Valdir Peres, derrubei o sanduíche e o prato que apoiava nas pernas, sujando o chão da sala. Estávamos com a lareira acesa e a família reunida em frente à Telefunken novinha que meu pai havia comprado para a Copa, e de repente todos ficaram em silêncio. Seria duro virar o jogo contra aquele time mecânico e eficiente, e com o herdeiro de Yashin no gol. Precisaríamos de lances geniais e individuais.
Primeiro Sócrates rompeu a defesa aos dribles e mandou um míssil teleguiado no ângulo. Depois foi Éder, quem colheu a bola vinda de Paulo Isidoro, após um corta-luz de Falcão. A Bomba de Vespasiano veio na corrida e deu um toque a meia altura. A bola estava caindo no meio de dois soviéticos, mas Éder voou entre os dois para pegá-la no ar, uma bomba de efeito moral que deixou Dasaev estático. É, de longe, a minha estreia preferida, e naquela hora eu apostaria meu álbum Ping Pong completinho com qualquer um que duvidasse do tetracampeonato…
Brasil 2×1 URSS. 14 de junho de 1982. Local: Estádio Sanchez Pizjuan (Sevilha) Árbitro: Lamo Castillo (Espanha) Gols: Bal 33 do 1º tempo; Sócrates 28, Éder 43 do 2º. BRASIL: Valdir Peres; Leandro, Oscar, Luisinho, Júnior; Falcão, Sócrates, Zico; Dirceu (Paulo Isidoro), Serginho, Éder.
URSS: Dasaev; Sulakvelidze, Chivadze, Baltacha, Demianenko; Bessanov, Bal, Daraselia (Andreiev), Gavrilov (Susloparov); Shengelia, Blokhin.
1986 – Brasil x Espanha
Havia uma desconfiança geral da seleção antes da Copa de 1986. Ou era eu quem desconfiava da vida, sei lá. Desde a Copa anterior, muita coisa havia mudado para mim. Uma sucessão de infortúnios que começou naquela tarde maldita do Sarriá. Meus pais se separaram em 1983, na semana em que Zico foi vendido para a Itália, dois golpes duros. Zico até já havia voltado, mas logo teve um joelho decepado por um zagueiro assassino. Luciano do Valle havia trocado a Globo pela Bandeirantes, e levara Pelé, Rivellino e Clodoaldo como comentaristas. Nas festinhas de garagem nós ouvíamos RPM e o auge era dançar abraçado com uma menina a quem só tirávamos depois de muita indecisão, embalados por London, London na voz de Paulo Ricardo. Aliás, Claudinha, cadê você? Eu tinha 13 anos, a família estava desfeita e eu já havia levado meu primeiro fora. Sabia que a vida era dura. Maldito Paolo Rossi.
Encarar a Espanha no primeiro jogo era um teste para os fortes. A Espanha de Zubizarreta e Butragueño. A Espanha que marcou um gol que o juiz não viu. Tudo começou estranho já no hino. Os jogadores perfilados, Sócrates com uma faixa de protesto na cabeça, e foram entoados os acordes do… Hino à Bandeira! E com a bola rolando, o que se viu era um time ainda talentoso, mas sem conjunto. Outra vez dependeríamos de lampejos individuais.
Júnior, já como centro-campista, cortou em facão da direita em direção ao meio. Careca deslocou-se e recebeu um passe perfeito. O camisa 9 ajeitou e soltou um petardo que quase derrubou o travessão do grande Zubi. Sócrates apanhou o rebote e meteu de cabeça para o gol vazio, sendo abraçado por Júnior e Alemão na comemoração. Uma grande vitória e a perspectiva de Zico entrar nos jogos seguintes me fizeram acreditar de novo na vida. Afinal, seríamos tetracampeões, de novo no México, corrigindo a injustiça de quatro anos antes…
Brasil 1×0 ESPANHA. 1 de junho de 1986. Local: Estádio Jalisco (Guadalajara) Árbitro: Christopher Bambridge (Austrália) Gol: Sócrates 17 do 1º tempo. BRASIL: Carlos; Édson, Júlio César, Edinho, Branco; Elzo, Alemão, Júnior (Falcão), Sócrates; Casagrande (Muller), Careca. ESPANHA: Zubizarreta; Tomás, Maceda, Goicochéa, Camacho; Victor, Michel, Francisco Lopez (Señor), Julio Alberto; Butragueño, Salinas.
Fontes: Arquivo do autor, Revista Placar, Revista Veja e duplipensar.net (fichas).
Obrigado, Galdino! Ainda hoje publico o segundo da série.
Todos aqui no blog dependendo da idade de cada vimos várias estreias do Brasil, a primeira que vi foi a de 1974 contra a Iugoslavia a mais marcante de todas foi a de 1982 contra a URSS apesar de uma mãozinha do juiz que não deu um penalti de Luisinho no atacante soviético quando o jogo estava 1 a 0 para os Camaradas Vermelhos, bom artigo Mauricio.