A vida continuou mudando bastante. Ao primeiro fracasso amoroso sucederam-se outros, o RPM deixou de fazer sucesso e eu levei um susto quando meu pai chegou em casa com nosso primeiro CD player. E o que fazer com todos os meus LPs de Beatles, Stones e Pink Floyd? E com o Jardim Elétrico, dos Mutantes, tão difícil de conseguir? Junto com o aparelho, ganhei no novo formato os CDs The Wall, do Pink Floyd, e Cheap Thrills, da Janis Joplin. Saíam os bolachões e chegavam os biscoitos.
O futebol também havia mudado. Zico, Sócrates e Falcão já haviam se aposentado e pela primeira vez a seleção teria mais jogadores de clubes estrangeiros. O técnico era Sebastião Lazaroni, que se sob uma perspectiva histórica é um disparate, na época fazia muito sentido, depois de a seleção quebrar um jejum de 40 anos sem vencer a Copa América, arrasando Argentina, Paraguai e Uruguai no Maracanã.
O time chegou a ensaiar um show na estréia contra a Suécia. Careca recebeu uma enfiada de bola de Branco, driblou o folclórico goleiro Ravelli e abriu o placar no Delle Alpi. No segundo tempo, o mesmo Careca aparou de primeira um cruzamento de Müller e qualificou o escore. Galvão Bueno, em sua primeira Copa no modo ufanista, encheu o peito: – Começa beeeem o meu Brasil a Copa da Itália! De fato, a seleção chegou a jogar bonito e por pouco não ampliou em lances de Alemão e Mozer, mas os suecos descontaram com o jovem e talentoso Brolin e houve um pequeno sufoco no fim.
O Mundial de 1990 entraria para a história negativamente, mas a verdade é que após a estreia tínhamos a impressão de que a seleção brigaria pelo título. Careca vivia a sua melhor fase, nenhum adversário tinha laterais como Jorginho e Mozer e Taffarel parecia intransponível. Após a derrota para a Argentina, em uma das melhores partidas que já vi do Brasil, fiquei desolado. Em meio às dúvidas sobre qual vestibular prestar, tive a impressão de que a esperança de ver o Brasil campeão ficaria no passado junto com os discos de vinil.
Brasil 2×1 Suécia. 10 de junho de 1990. Local: Stadio delle Alpi (Turim) Árbitro: Tulio Lanese (Itália) Gols: Careca 40 do 1º tempo; Careca 17, Brolin 33 do 2º. BRASIL: Taffarel; Jorginho, Mauro Galvão, Mozer, Ricardo Gomes, Branco; Dunga, Alemão, Valdo; Muller, Careca. SUÉCIA: Ravelli; Roland Nilsson, Schwarz, Larsson, Ljung (Stromberg); Thern, Limpar, Ingesson, Joakin Nilsson; Brolin, Magnusson (Petersson).
Assim como 1990 repetiu o adversário da estreia de 1978, em 1994 enfrentaríamos o adversario da estreia de 1982, a União Soviética. Na verdade, o maior pedaço que sobrou da União Soviética, desmantelada em 1991. Não era um time que botava medo, e ainda havia uma conta a acertar. Alguns jogadores russos eram remanescentes da União Soviética que havia vencido o Brasil na final dos Jogos Olímpicos de Seul, como o goleiro Kharin, o zagueiro Gurlokovich e o volante Kuznetsov. Do nosso lado, Taffarel, Jorginho, Bebeto e Romário haviam amargado a derrota na prorrogação que custou a medalha de ouro em 1988.
O hit daquela Copa não foi a musiquinha da Globo, ou algum sucesso instantâneo dos neo pagodeiros. Washigton Olivetto, em lance de gênio, botou como trilha do comercial da Rider a música Brasil Pandeiro, de Assis Brasil e imortalizada pelos Novos Baianos. Tudo a ver com uma Copa nos EUA: – O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada, vive dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato… (…) Brasil, esquentai vossos pandeiros, iluminai os terreiros que nós queremos sambar…
Romário. Seis letras que eram repetidas quase em oração, na esperança de quebrar um jejum de 24 anos. Foi ele quem, sob o sol inclemente de Palo Alto, achou uma bola vinda de um corner e deu um toquinho para abrir o placar, e depois ainda sofreu o pênalti convertido por Raí. Perdemos outras boas chances. Bebeto quase marcou de voleio e de falta, mas não foi preciso. 2×0 já era motivo pra festa.
Depois do jogo, fui fazer uma prova de Direito Penal na faculdade. Até hoje não sei por que o professor marcou a prova para um dia de jogo no Brasil na Copa, mas foi a prova mais festiva que já fiz. Todo mundo de bem com a vida. Eu, que quatro anos antes havia me despedido dos LPs e do sonho de ser campeão mundial, havia dado um jeito em tudo. Ao lado do CD Player e dos disquinhos na estante, estava a vitrola velha de guerra e meus LPs amados. Quando cheguei em casa, tirei da capa o disco dos Novos Baianos e a agulha singrou pelos sulcos do vinil: – O tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada…
Brasil 2×0 Rússia. 17 de junho de 1994. Local: Stanford Stadium (Palo Alto) Árbitro: An Yan Lim Kee Chong (Ilhas Maurício) Gols: Romário 26 do 1º tempo; Raí (pen.) 8 do 2º. BRASIL: Taffarel; Jorginho, Ricardo Rocha (Aldair), Márcio Santos, Leonardo; Mauro Silva, Dunga (Mazinho), Raí, Zinho; Bebeto, Romário. RÚSSIA: Kharin; Nikiforov, Gorlukovich, Ternavsky; Khlestov, Kuznetsov, Piatnisky, Tsimbalar, Karpin; Radchenko (Borodiuk), Iuran (Salenko).
Éramos tetra. Pela primeira vez, eu veria o Brasil defendendo o título. Reuni os amigos para a estreia, regada a scotch e bolinhos escoceses (linguiça moída, azeite e farinha de trigo pra dar liga, faz uma massa disso aí, enrola em bolinhas, recheia com queijo branco e tempero verde, e depois passa tudo na aveia em flocos e bota pra assar). Antes do jogo, Ronaldo, ainda com o nome no diminutivo, disse à beira do campo do Stade de France: – Esse estádio é lindo, mas ainda não tem história, e nós vamos escrevê-la. Mal sabia ele…
César Sampaio abriu o placar, e quando a Escócia empatou de pênalti, eu já havia tomado tanto uísque que me sentia um escocês. Mesmo assim, vibrei muito com o gol pinball de Cafu, a bola batendo e rebatendo antes de morrer mansinha lá dentro. Foi uma estreizainha razoável, mas eu nem ligava. Depois da fase de grupos eu e meu pai embarcaríamos para Paris, e veríamos a segunda fase da Copa entre vinhos, croque-monsieurs e croissants. Se Ronaldo queria escrever a história, eu estaria lá para vê-la.
Brasil 2×1 ESCÓCIA. 10 de junho de 1998. Local: Stade de France (Saint-Denis) Árbitro: José Garcia Aranda (Espanha) Gols: César Sampaio 4, Collins (pen.) 37 do 1º tempo; Boyd (contra) 27 do 2º. BRASIL: Taffarel; Cafu, Júnior Baiano, Aldair, Roberto Carlos; Dunga, César Sampaio, Giovanni (Leonardo), Rivaldo; Bebeto (Denílson), Ronaldo. ESCÓCIA: Leighton; Burley, Calderwood, Hendry, Boyd, Dailly (Tosh McKinlay); Jackson (Billy McKinlay), Lambert, Collins; Gallacher, Durie.
Fontes: Arquivo do autor, Revista Placar e duplipensar.net (fichas).
Galdino, eu também sou louco por futebol… Bom, todos aqui somos, né? Mas o legal das Copas é que, pelo menos durante elas, eu volto a ser criança. Abraço!
Amigo Mauricio muito chique e refinado seu bom gosto musical parecido com o meu e também nos bolinhos escocêses e no scotch . Essa foi a epoca que o futebol começou a ficar chato de vez para mim que tive de abandonar o futebol devido a uma lesão no joelho eu era junior do Bahia e em 1986 me contudi seriamente o anos 80 havia algo de bom ainda no futebol depois disso só com Zidane a minha alegria retornou ao futebol. Mais me lembro dessas estreias amarelinhas lógico afinal somos pelo menos eu ” loucos pelo futebol “