No Rio, depois da rivalidade entre os quatro grandes (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo), certamente o encontro entre Goytacaz e Americano é jogo de risco. Reunir um grupo de torcedores desses dois times é correr o risco de não acabar bem, mesmo que seja uma partida “amistosa” de futebol de botão.
Diante desse clima que já existe há décadas, no início de 1976, o Goytacaz, mesmo com pouca grana, fez “das tripas coração” para ampliação do Ary de Oliveira e Souza, Aryzão. Contudo, o tempo era curto e quando parecia que o Goyta não teria o seu estádio para disputar o Estadual, veio uma solução inesperada: o Goytacaz e Americano selaram a paz e ambos mandaram os seus jogos no estádio do Alvinegro campista.
Dias antes, mas no mês de fevereiro e depois de tantas tentativas da Diretoria anterior, Jorge Fernandes de Sousa deu uma prova de coragem e de intensa paixão pelo Goytacaz. Com apenas Cr$ 8.000,00 em caixa, partiu para a mais arrojada iniciativa do clube nos últimos anos: ampliar o Estádio Ari de Oliveira e Souza.
Isso aconteceu num momento em que, naquela praça de esportes e ao cair da tarde, só se encontravam três dirigentes: Jorge Fernandes de Sousa, presidente; Fernando Freitas, tesoureiro, e Jacinto Simões, uma espécie de cardeal a caminho de uma sagração maior. Os três, sabedores de que o Goytacaz entraria no próximo campeonato da Federação Carioca de Futebol, e por dentro do trabalho que o Americano desenvolvia no Estádio Godofredo Cruz, não perderam mais tempo e partiram para a grande obra. Para iniciar um mundo de melhoramentos de que se orgulha a própria cidade, fecharam o estádio, derrubaram árvores que se erguiam frondosas atrás dos dois gols e transformaram toda a área num enorme e movimentado canteiro de obras.
Também em fevereiro de 1976, o Goytacaz, atacando em outra frente, contratou os jogadores Kiko, Batista, Tita, Joaquinzinho e Marcos e, ao mesmo tempo, divulgou uma lista de dispensa de 10 jogadores, entre os quais três considerados, até então, titulares: o goleiro Juvenal, o zagueiro Nad e o meio-campo Naldo. Os demais liberados foram: Gustavo, Jamil Abud, Alexandre, Beraldi, Capenga, Julinho e Claudemiro.
O noticiário do clube divulgado pelo Jornal dos Sports, edição do dia 25 de fevereiro de 1976, lembrava o seguinte: “Segundo o Diretor Ronaldo Simões, o Goytacaz também contratará uma cozinheira e aproveitará os ex-juvenis Jorge Luís, Serginho, Nilo, Viê, Paulo Cabral e Carnaval, que se integraram ontem mesmo ao time titular e treinarão sob o comando de Paulo Henrique.
Na reunião ordinária da Diretoria, segunda-feira, o dirigente Ronaldo Simões adiantou que a folha de pagamento do time oscilará entre 30 e 35 mil cruzeiros. Explicou que o salário-teto será de 2 mil e 500 cruzeiros e que os jogadores que trabalhavam já deixaram os empregos para se dedicarem exclusivamente aos treinos.
Para que haja dinheiro suficiente a ser empregado nas obras de ampliação do Estádio Ari de Oliveira e Souza, o clube incentivará a venda de títulos de sócios-proprietários. Sabe-se que a receita só poderá ser revertida em favor do patrimônio, o que levou a direção do clube à idéia de formar uma assessoria especial, a fim de ajudar o Departamento de Futebol“.
No dia 27 de fevereiro de 1976, o Jornal dos Sports publicava que “o Presidente Jorge Fernandes de Sousa, empolgado com o andamento das obras que permitirão um lance de arquibancadas de 60 metros com 17 degraus, está querendo começar outro atrás do outro gol. Com isso, o Alvianil ganharia acomodações para mais 6.120 torcedores, que se juntariam às arquibancadas populares de mais de 100 metros, e o pavilhão social. Sabe-se que, para isso, existe um plano de ampliação no comprimento do campo“.
Com o Estádio Ari de Oliveira e Souza em obras e com a proximidade de estreia do clube no Campeonato Carioca, o Goytacaz passou a enfrentar outro terrível drama: o de ter que se servir do Estádio Godofredo Cruz, do Americano, para a realização dos seus jogos.
E o Jornal dos Sports do dia 6 de março de 1976 registrava desta maneira: “Ocorre que, no ano anterior, Diretoria e Conselho alvianis divulgaram nota oficial criticando a Diretoria alvinegra. Os dois clubes não se aceitam. Francisco das Chagas Siqueira, benemérito, lembra que o Goytacaz, em várias oportunidades, quando o Americano estava com obras no seu estádio, negou a sua praça de esportes. Uma vez o Americano teve que decidir um título com o Rio Branco, no Ângelo de Carvalho. E uma terceira, com o Sapucaia, no Milton Barbosa. Também negou o estádio para a festa do octacampeonato. Francisco das Chagas Siqueira disse que o Americano não atenderá o Goytacaz, mesmo que Heleno Nunes e Otávio Pinto Guimarães peçam. A tal nota do Goytacaz foi aquela de agosto de 1975, quando houve o rompimento entre os dois clubes“.
As edições seguintes do Jornal dos Sports registravam, com riqueza de detalhes, todos os lances de uma jogada que a imprensa campista da época também historiava em terrível estado de beligerância, por culpa, é claro, da simpatia dos jornalistas do lugar por um e outro clube.
E o chanceler da paz, como chegou a ser chamado pelo radialista Eraldo Bento Siqueira, da Rádio Campos Difusora, foi o Vice-Presidente da Federação Fluminense de Desportos, Eduardo Augusto Viana da Silva.
No dia 9 de março de 1976 o Jornal dos Sports lembrava que “de sábado para domingo várias foram às reuniões realizadas em separado entre dirigentes do Goytacaz e do Americano, e até uma em conjunto, na qual ficou resolvido que o segundo clube atenderá o primeiro na cessão do Estádio Godofredo Cruz, para os seus jogos no Campeonato Carioca. Ontem, pela manhã, o Americano já tinha pronto o ofício para ser entregue ao Goytacaz, e que só dependia do Presidente Oswalnir Barcelos para assiná-lo“.
Na edição do dia 10 de março, o mesmo Jornal dos Sports dizia que, “depois que os dirigentes do Americano e Goytacaz assinaram um pacto de amizade, as coisas melhoraram e o primeiro deles já enviou ao segundo, ofício através do qual cede, em caráter de aluguel, o Estádio Godofredo Cruz para os jogos pelo Campeonato Carioca. O primeiro documento foi redigido em termos elevados pelo Sr. Eduardo Augusto Viana da Silva, Vice-Presidente da FFD e representante dos dois clubes na Federação Carioca de Futebol. Pelo documento, os dois clubes se desculpam pelos excessos cometidos um contra o outro e se propõem a trabalhar de comum acordo em favor do futebol campista“.
Fonte: Jornal dos Sports