Por Leonor Macedo
Em um passado não muito distante, a Pompéia, a Lapa e a Vila Anglo-Brasileira eram cheias de campinhos de futebol e times amadores. Lá pelo início de 1900, depois de Charles Miller voltar da Inglaterra para o Brasil com uma bola e um par de chuteiras, o futebol se tornou popular entre os operários, que se organizavam para partidas depois do trabalho e aos fins de semana.
Daí para fundarem equipes com nome, uniforme, sede e organizarem torneios foi um pulo. Os bairros ganharam o Santa Marina, o Lapeaninho, o Alfa, o Guaicurus, o Roma FC, o Fluminense, o Faísca de Ouro, o União Paulista, o Peñarol, o Corinthians Pompeiano, entre tantos outros.
Uma das mais fortes e tradicionais equipes era o União Lapa Foot Ball Club, que nasceu na mesma data que o Corinthians: 1º de setembro de 1910. Não por acaso, os fundadores dos dois times de operários resolveram marcar sua estreia nos campos um contra o outro, dez dias depois. E quem venceu aquela partida foi a equipe da Lapa, por 1 a 0.
De lá para cá, a história mudou de figura. O Corinthians cresceu, saiu da mão dos operários e se tornou um dos times mais importantes, ricos e competitivos do Brasil, enquanto o União Lapa acabou. Sua história é lembrada em algumas páginas de jornais armazenadas no Acervo de Memória da Lapa, mas pouco se sabe sobre a equipe.
Foi nestes jornais que o geógrafo Danilo Cajazeira buscou informações para começar a colocar em prática a ideia de refundar o União Lapa e recuperar a sua história. Junto com amigos, todos amantes do futebol e frequentadores do bairro e da região, remontou o time, mandou fazer os uniformes (camisa celeste, meião preto e calção branco) com o escudo original e já marcou a primeira partida: será no próximo sábado, contra o Pinguim da Mooca, que foi fundado em 1944.
Nessa entrevista, Cajazeira conta mais de suas descobertas sobre o União Lapa e seus planos para o time:
De onde surgiu a ideia de refundar o União Lapa?
Eu cresci na Lapa e sou corinthiano, além de géografo. Sempre curti pesquisar o passado do bairro, os rios, os campos de futebol antigos, as fábricas. Sabia que o primeiro jogo do Corinthians tinha sido contra o União Lapa e achava curioso que houvesse tão pouca informação sobre o clube (é o único clube no Almanaque do Futebol Paulista que não tem o escudo). Ao mesmo tempo, já há alguns anos me interesso e participo da vida cultural no bairro, e quando comecei a ir atrás da história do União vi que o clube era uma referência comunitária, um lugar de encontro dos lapeanos. Aí falei com amigos que curtem o bairro e que jogam bola por aqui e fomos animando a ideia de refundá-lo.
Onde ficava a sede do União Lapa?
Até o final de 1933, na Rua Doze de Outubro, 63. Depois mudou pra Doze de Outubro, 70. Não descobri ainda quando ela foi fechada. Segundo o livro “Lapa”, de Wanderley dos Santos, o campo do clube era no final da Rua Doze de Outubro e, lendo os jornais da época, dá pra notar que era a maior praça de esportes do bairro.
Por que você acha que a história do União Lapa ficou perdida e que o time não despontou como o Corinthians, já que os dois nasceram na mesma data?
Pelo que pesquisei até agora, tem algumas hipóteses. Com o crescimento do bairro surgiram muitos times de futebol. O bairro era referência no futebol da cidade, mas com diversos clubes os bons jogadores foram se dividindo entre eles. Achei um artigo em um jornal do bairro, de 1930, que lamentava isso e dizia que era melhor “antigamente”, quando só havia o União Lapa e o Ruggerone por aqui, e questionava porque não podia existir apenas um clube, que representasse o bairro “como o Corinthians no Bom Retiro”.
Paralelamente a isso, no final da década de 1920, o clube estava bem, havia ganhado a Divisão Intermediária da LPF invicto em 1927 e foi disputar a Primeira Divisão em 1928. Mas tinha uma crise financeira e política, ao que parece: José Ozzetti, que foi presidente por 12 anos, tinha sido “escorraçado” do clube por tê-lo deixado “falido”. A nova diretoria primeiro foi elogiada, mas depois perdeu o controle financeiro também. Tem um relato de reunião em que o José Ozzetti acaba com a diretoria, que se demite inteira, e é convidado à voltar, mas se nega. Isso é no final de 1932.
Infelizmente no Acervo de Memória da Lapa não tem as edições do jornal entre o final de 1932 e o começo de 1933, então não dá pra saber como isso terminou. Mas tinha ainda outra coisa, que eu acho que pesou mais que tudo isso: a polêmica entre o amadorismo e o profissionalismo nessa época. Ao que parece o União tentou acompanhar o profissionalismo, e foi alvo de críticas. Em 1929 ou 1930 todos os principais jogadores do Lapeaninho, outro clube do bairro, vão parar no União, e o jornal cai matando em cima deles. Um deles, especialmente, é bastante hostilizado: Carabina, que era ídolo no Lapeaninho (fundado em 1923). Passado um tempo, eles voltam pro Lapeaninho, e o jornal acha absurdo o clube aceitá-los de volta. Então, acho que em meio a isso, acabaram sobrevivendo os clubes que tinham grana pra atrair os bons jogadores, e na crise que o União estava, parece que não tinha essa grana. Entre 1933 e 1934 o clube quase desaparece das páginas dos jornais, que trazem notícias apenas de festas e bailes na sede e de resultados do pingue-pongue.
E o que você acha que o resgate do União Lapa vai trazer para o bairro? Qual é a ideia de vocês com a refundação do clube?
Acho que a Lapa tem um passado operário e um passado no futebol muito rico, e que, com o aumento da especulação imobiliária e a mudança na geografia do bairro, isso aos poucos vai se perdendo. Foi na Lapa que surgiu a segunda Liga Operária de São Paulo e o bairro foi um dos focos da greve geral de 1917, tendo grande importância na organização do movimento operário e na luta por direitos trabalhistas no começo do século XX. O União era um time de trabalhadores e pequenos comerciantes, o açougue do José Ozzetti aparece em vários anúncios do jornal do bairro na época.
Hoje, apesar das mudanças, ainda tem muito futebol pela Lapa e também tem crescido o número de iniciativas culturais no bairro. Temos um espaço público enorme que, a meu ver, é subutilizado: o Tendal da Lapa. E, ao mesmo tempo em que o crescimento da cidade “matou” vários dos campos de futebol no bairro, temos muitas escolas públicas na região, com muitos jovens que não tem muito onde jogar. Alguns deles criaram até um movimento, o Boa Quadra, pra lutar por espaços públicos no bairro – recuperaram uma quadra que tinha virado estacionamento na rua Mário.
Então, a ideia é que o União possa talvez funcionar como um catalisador disso tudo: futebol, memória do bairro e comunidade, ajudando a interligar as muitas atividades que acontecem por aqui. Vamos ver aonde chegaremos, mas como mostra o passado do clube, a primeira divisão é o limite.
Terceira divisão é o limite, mas não me parece que vocês queiram repetir o modelo de profissionalização dos times grandes. Como seria possível chegar, então, a primeira divisão fazendo diferente?
Essa é uma conversa bem inicial ainda. Na verdade, isso de Primeira Divisão foi mais uma brincadeira, embora eu não descarte a ideia, não. Se for pra pensar em chegar lá, pra mim, o modelo tem que ser o de um clube comunitário, onde todo mundo participa, opina e decide. Algo como a Democracia Corinthiana da década de 1980, ou como o St. Pauli, da Alemanha. Mas vamos com calma, jogamos porque gostamos de jogar e a ideia de fazer parte do primeiro escalão do futebol da cidade não é uma prioridade por enquanto.
No sábado vocês vão ter o primeiro jogo. Quem é que joga no time?
Marcamos esse primeiro jogo como um pontapé inicial pra levar o projeto pra frente. Quem está fazendo parte é, em geral, gente que mora, morou ou frequenta o bairro, e gente que joga bola junto há alguns anos. A ideia do projeto é ser aberta a todos que se identifiquem, independentemente de morar na Lapa ou não, e independentemente de gênero ou idade também. Nesse primeiro jogo teremos só uma mulher em campo, mas se aparecerem outras serão bem-vindas.
A estreia será na Mooca, contra o Pinguim da Mooca, um time fundado em 1944 e que tem muita tradição no bairro, uma história parecida com a do União, apesar de em outra época. Os conhecemos faz um tempo e achamos que seria legal fazer um primeiro jogo resgatando a história do futebol e do passado de dois bairros tradicionais na cidade.
Descoberta do Escudo (23/12/2010) feita por Mario Ielo, do História do Futebol:
https://historiadofutebol.com/blog/?p=13528
https://historiadofutebol.com/blog/?p=16346
FONTES & FOTOS: Site Vila Pompeia – Jornal Commercio da Lapa – Página no Facebook do clube