O GOL COMO DESAFIO.

O GOL COMO DESAFIO.
Mais que nunca, Dadá precisava marcar. E a grande chance de provar que tinha merecido a convocação para a Copa apareceu na decisão do primeiro campeonato nacional, em pleno Maracanã, contra o Botafogo.
Naquele ano de 1971, eu me sentia mais que nunca a obrigação de ser artilheiro. Afinal fui campeão do mudo um ano antes, na Copa de 1970, no México, sob a suspeita de ter sido convocado apenas por imposição do presidente Médici. Por isso, o ano seguinte, 1971, tornou-se inesquecível: com meu gol contra o Botafogo, no Maracanã, que deu ao Atlético (MG) o título do primeiro Campeonato Brasileiro, mostrei que era mesmo o maior centroavante do Brasil. Aquela partida ficou marcada em mim como o jogo da revolta. Três clubes haviam se classificado para a decisão: o São Paulo, que tinha goleado o Botafogo, no Pacaembu, por 4×1; o Atlético, que havia vencido o São Paulo por 1×0 no Mineirão; e o Botafogo, nosso último adversário. Se a gente perdesse para o Bota, o São Paulo seria o campeão. Os cariocas só ficariam com o titulo se ganhassem do nosso time por uma diferença de seis gols – o que, àquela altura, poderia ser considerado humanamente impossível. É que aquele Atlético Mineiro em que eu jogava estava demais. Não era um time tecnicamente brilhante, mas nosso treinador, Telê Santana, fazia com que a gente jogasse sempre com muito amor à camisa. Renato era um goleiro de muito reflexo; Humberto Monteiro, um lateral do mesmo naipe de Carlos Alberto Torres, o capitão do tri; Spencer, um jogador metódico, de categoria, que botava a bola no chão; Odair, um cracão, o crânio da nossa equipe. Tinha também eu, o Dadá, que naquele brasileiro de 1971 sempre deixava um ou dois gols por partida. Como eu mesmo costumava dizer, Dada´ não era craque, Dadá fazia gols. Em números, a maior partida que já realizei foi em 1976, em um jogo do Sport contra o Santo Amaro. Afinal naquele dia bati o recorde nacional de gols em um só jogo – fiz nada menos que dez., mas como esquecer a final contra o Botafogo?
Foi mesmo um jogo confuso. Até que Nilton Santos, que era diretor de futebol deles e sempre foi educado como uma dama, deu um soco no arbitro Armando Marques naquele triangular final. Além disso, o Botafogo morria de raiva do Atlético Mineiro. Isso vinha desde 1967, quando os dois disputaram uma vaga nas eliminatórias da antiga Taça Brasil, mais ou menos no sistema que acontece hoje, com a atual Copa do Brasil. O jogo tinha empatado e a decisão da vaga foi para o cara-ou-coroa, ali mesmo no gramado. A moedinha foi jogada na frente dos dois capitães, Gérson, do Botafogo, e Décio, do Atlético. Nem bem ela caiu no chão, o Décio chutou-a longe, e saiu gritando: ‘Deu Atlético! Deu Atlético!’
Dessa vez, não houve jeito de Gérson levar vantagem, e os botafoguenses jamais perdoaram tal malandragem. Por isso, se não desse para faturar o titulo, queriam pelo menos entregá-lo para o São Paulo naquele dia.
Havíamos chegado para a decisão já na sexta-feira, e ficamos concentrados em um sitio de um amigo do Telê, perto do Rio de Janeiro. Lá havia um campinho onde fazíamos peladas e ensaiávamos algumas jogadas. Combinei com o Lola, meu companheiro lá na frente, de ele jogar me lançando e fazendo as tabelas curtas – o que era o meu forte. Afinal, quem toca bonito na bola é craque, e a habilidade que me sobrava dentro da área sempre faltava quando eu estava fora dela. Na hora do jogo, o Maracanã parecia um mar revolto. Eram todos contra o Galo, com exceção a torcida do Vasco, que tinha minha prima Iara chefiando a camisa 12, e apareceu por lá para nos dar uma força. ‘O Galo vai virar galinha’, insistiam os rádios e jornais do Rio na véspera da partida. Nunca os mineiros foram tão gozados como naqueles dias, em que os torcedores do Atlético invadiam as praias vestindo calças compridas. O Botafogo de Jairzinho, Paulo César Caju e Djalma Dias possuía muito mais nome que o nosso time. E veio com tudo para cima do Galo. Sabiam que, se fizessem um ou dois gols logo de cara, tudo ficaria mais fácil. Por isso, nem esperavam pelo gandula quando a bola saia de campo: iam atrás dela, loucos. Assim, comandaram o primeiro tempo inteiro. Agüentamos a pressão só comigo no ataque, antes do jogo, como de costume, havia prometido marcar o Gol Sutil – um palavra muito bonita, que eu queria consagrar. Mas, para ser sincero, naquele primeiro tempo nem vi a cor da bola.
Como o primeiro tempo terminou 0x0, a responsabilidade do Botafogo só aumentava. Eles vão cansar. Vamos continuar tocando a bola com calma, que eles vão cansar, insistia Telê do banco. De fato, a pressão botafoguense durou só até os quinze primeiros minutos do segundo tempo. Aí, o Atlético foi tomando corpo. Aos 18  do segundo tempo, Humberto Ramos pegou a bola pela esquerda, cortou o Djalma Dias e cruzou bem alto, para dentro da área do Botafogo, foi do jeito que eu gosto, uma jogada que só mesmo Dadá poderia completar: subi com o falecido Valtencir, e acho que sai do chão uns 90 cm. Cabeceei para baixo, igualzinho ao que o velho Baltazar fazia, e venci o Wendell. Naquele momento, só pensei na torcida do Atlético. Teve gente que veio até de cavalo para ver aquele jogo no Maracanã, ai ficou mais fácil. Os botafoguenses queriam resolver tudo sozinhos, e chegamos até a ensaiar um olé para cima deles. Na volta, nossa recepção foi digna de um rei. 90% da população de Belo Horizonte estava esperando a gente, tinha tanta gente quanto a recepção de Piazza, Fontana, Tostão e Dadá, os jogadores mineiros campeões do mundo em 1970. No meio da multidão, acompanhei com os olhos um senhor com a bandeira do Atlético em uma das mãos e uma criança em outro braço. Assim – acredite se quiser! – ele andou 15 quilômetros a pé atrás do carro dos bombeiros em que nós estávamos. Naquele momento, agradeci a Deus por ter me dado a chance de ser o Dadá Maravilha, responsável direto por tanta felicidade.
Fonte: Revista Placar.
Mais que nunca, Dadá precisava marcar. E a grande chance de provar que tinha merecido a convocação para a Copa apareceu na decisão do primeiro campeonato nacional, em pleno Maracanã, contra o Botafogo.
Naquele ano de 1971, eu me sentia mais que nunca a obrigação de ser artilheiro. Afinal fui campeão do mudo um ano antes, na Copa de 1970, no México, sob a suspeita de ter sido convocado apenas por imposição do presidente Médici. Por isso, o ano seguinte, 1971, tornou-se inesquecível: com meu gol contra o Botafogo, no Maracanã, que deu ao Atlético (MG) o título do primeiro Campeonato Brasileiro, mostrei que era mesmo o maior centroavante do Brasil. Aquela partida ficou marcada em mim como o jogo da revolta. Três clubes haviam se classificado para a decisão: o São Paulo, que tinha goleado o Botafogo, no Pacaembu, por 4×1; o Atlético, que havia vencido o São Paulo por 1×0 no Mineirão; e o Botafogo, nosso último adversário. Se a gente perdesse para o Bota, o São Paulo seria o campeão. Os cariocas só ficariam com o titulo se ganhassem do nosso time por uma diferença de seis gols – o que, àquela altura, poderia ser considerado humanamente impossível. É que aquele Atlético Mineiro em que eu jogava estava demais. Não era um time tecnicamente brilhante, mas nosso treinador, Telê Santana, fazia com que a gente jogasse sempre com muito amor à camisa. Renato era um goleiro de muito reflexo; Humberto Monteiro, um lateral do mesmo naipe de Carlos Alberto Torres, o capitão do tri; Spencer, um jogador metódico, de categoria, que botava a bola no chão; Odair, um cracão, o crânio da nossa equipe. Tinha também eu, o Dadá, que naquele brasileiro de 1971 sempre deixava um ou dois gols por partida. Como eu mesmo costumava dizer, Dada´ não era craque, Dadá fazia gols. Em números, a maior partida que já realizei foi em 1976, em um jogo do Sport contra o Santo Amaro. Afinal naquele dia bati o recorde nacional de gols em um só jogo – fiz nada menos que dez., mas como esquecer a final contra o Botafogo?
Foi mesmo um jogo confuso. Até que Nilton Santos, que era diretor de futebol deles e sempre foi educado como uma dama, deu um soco no arbitro Armando Marques naquele triangular final. Além disso, o Botafogo morria de raiva do Atlético Mineiro. Isso vinha desde 1967, quando os dois disputaram uma vaga nas eliminatórias da antiga Taça Brasil, mais ou menos no sistema que acontece hoje, com a atual Copa do Brasil. O jogo tinha empatado e a decisão da vaga foi para o cara-ou-coroa, ali mesmo no gramado. A moedinha foi jogada na frente dos dois capitães, Gérson, do Botafogo, e Décio, do Atlético. Nem bem ela caiu no chão, o Décio chutou-a longe, e saiu gritando: ‘Deu Atlético! Deu Atlético!’
Dessa vez, não houve jeito de Gérson levar vantagem, e os botafoguenses jamais perdoaram tal malandragem. Por isso, se não desse para faturar o titulo, queriam pelo menos entregá-lo para o São Paulo naquele dia.
Havíamos chegado para a decisão já na sexta-feira, e ficamos concentrados em um sitio de um amigo do Telê, perto do Rio de Janeiro. Lá havia um campinho onde fazíamos peladas e ensaiávamos algumas jogadas. Combinei com o Lola, meu companheiro lá na frente, de ele jogar me lançando e fazendo as tabelas curtas – o que era o meu forte. Afinal, quem toca bonito na bola é craque, e a habilidade que me sobrava dentro da área sempre faltava quando eu estava fora dela. Na hora do jogo, o Maracanã parecia um mar revolto. Eram todos contra o Galo, com exceção a torcida do Vasco, que tinha minha prima Iara chefiando a camisa 12, e apareceu por lá para nos dar uma força. ‘O Galo vai virar galinha’, insistiam os rádios e jornais do Rio na véspera da partida. Nunca os mineiros foram tão gozados como naqueles dias, em que os torcedores do Atlético invadiam as praias vestindo calças compridas. O Botafogo de Jairzinho, Paulo César Caju e Djalma Dias possuía muito mais nome que o nosso time. E veio com tudo para cima do Galo. Sabiam que, se fizessem um ou dois gols logo de cara, tudo ficaria mais fácil. Por isso, nem esperavam pelo gandula quando a bola saia de campo: iam atrás dela, loucos. Assim, comandaram o primeiro tempo inteiro. Agüentamos a pressão só comigo no ataque, antes do jogo, como de costume, havia prometido marcar o Gol Sutil – um palavra muito bonita, que eu queria consagrar. Mas, para ser sincero, naquele primeiro tempo nem vi a cor da bola.
Como o primeiro tempo terminou 0x0, a responsabilidade do Botafogo só aumentava. Eles vão cansar. Vamos continuar tocando a bola com calma, que eles vão cansar, insistia Telê do banco. De fato, a pressão botafoguense durou só até os quinze primeiros minutos do segundo tempo. Aí, o Atlético foi tomando corpo. Aos 18  do segundo tempo, Humberto Ramos pegou a bola pela esquerda, cortou o Djalma Dias e cruzou bem alto, para dentro da área do Botafogo, foi do jeito que eu gosto, uma jogada que só mesmo Dadá poderia completar: subi com o falecido Valtencir, e acho que sai do chão uns 90 cm. Cabeceei para baixo, igualzinho ao que o velho Baltazar fazia, e venci o Wendell. Naquele momento, só pensei na torcida do Atlético. Teve gente que veio até de cavalo para ver aquele jogo no Maracanã, ai ficou mais fácil. Os botafoguenses queriam resolver tudo sozinhos, e chegamos até a ensaiar um olé para cima deles. Na volta, nossa recepção foi digna de um rei. 90% da população de Belo Horizonte estava esperando a gente, tinha tanta gente quanto a recepção de Piazza, Fontana, Tostão e Dadá, os jogadores mineiros campeões do mundo em 1970. No meio da multidão, acompanhei com os olhos um senhor com a bandeira do Atlético em uma das mãos e uma criança em outro braço. Assim – acredite se quiser! – ele andou 15 quilômetros a pé atrás do carro dos bombeiros em que nós estávamos. Naquele momento, agradeci a Deus por ter me dado a chance de ser o Dadá Maravilha, responsável direto por tanta felicidade.
Fonte: Revista Placar.

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