Júnior dominou a bola na intermediária, pelo lado esquerdo. Percebeu a movimentação de Zico e tocou-lhe rasteiro, correndo para o espaço vazio, como fazia no Flamengo. Zico dominou e parou o tempo, o suficiente para atrair Daniel Passarela. Conhecia o ritmo exato de Júnior e seu passe colheu o lateral atrás de Galvan e Olguin, de frente para o gol. Júnior chutou colocado, entre as pernas do grande Ubaldo Fillol. A Argentina campeã mundial estava incontestavelmente batida no estádio de Sarriá, em Barcelona.
O jogo variado e agressivo do time de Telê Santana era cantado pela imprensa mundial como um futebol de outra galáxia. Desde a virada na estréia contra a União Soviética, com dois chutes sobrenaturais de Sócrates e Éder, passamos a acreditar que a seleção tinha três ou quatro soluções para cada problema de campo que lhe fosse proposto. A falha de Valdir Perez no chute de Bal abriu uma inesperada vantagem soviética e pôs o time a bombardear um Rinat Dasaev que parecia intransponível. A quinze minutos do fim Sócrates abriu o meio da defesa a dribles diagonais e acertou o ângulo direito numa combinação de precisão e potência, um a um. Mas a disciplina do adversário não caiu com o gol de empate. Caiu aos quarenta e três minutos. Falcão recebeu de Paulo Isidoro na meia-direita e iludiu a marcação abrindo as pernas, deixando a jogada seguir até Éder Aleixo. Vindo de trás, o ponta ergueu a bola com um toque e no exato instante em que ela caía entre dois defensores, voou para pegá-la no ar. A bomba explodiu à esquerda do estático Dasaev, enfim indefeso.
Com cores de drama e final épico, a virada deu a nós, torcedores, a sensação de invencibilidade. A entrada de Cerezo a partir do segundo jogo derrubou as últimas resistências dos que pediam um time com pontas. Era no vazio da ponta-direita que surgiam Sócrates ou Falcão, ou ainda Leandro resguardado por Cerezo, às vezes dois deles ao mesmo tempo para jogar com Zico. Tudo aconteceria por ali ou pelos pés de Éder e Júnior, que ficavam livres do outro lado quando o adversário resolvia povoar de defensores o seu flanco esquerdo. Talvez tenha sido a exatidão dessa variação de jogadas, ou o talento incalculável de um time que tinha Falcão, Sócrates, Éder e Zico no auge de suas formas, mas o pecado cresceu e se consolidou através da excelência do escrete: a seleção brasileira de 1982, assim como a sua torcida, passou a se sentir invencível.
Não havia soberba. Os pecados eram, todos e em sua plenitude, escusáveis. Surgiram na formação do time, e não se corrige um defeito de formação sem se alterar uma virtude. Quando um time se dá por pronto é porque tem uma essência indivisível. A seleção de 1982 não se achava perfeita, mas sabia-se pronta e invencível. Seria campeã do mundo ou se tornaria uma lição, mais funda que a de 1950, mais dolorida que a de 1978, porque incompreensível.
Assim foi que o gol de Júnior contra os argentinos teve um significado imediato maior que a vitória selada. Batidos os campeões mundiais restava um jogo protocolar contra a Itália de três empates pequenos contra Polônia, Peru e Camarões, e com ela bastava empatar. Sairíamos do pequeno Sarriá para o monumental Camp Nou, para uma semifinal contra a previsível União Soviética ou contra a Polônia do cansado Lato e do instável Boniek. Daí para Madrid e a grande celebração do futebol bem jogado contra a França de Tresor, Tiganá e Michel Platini.
Já revi a partida contra a Itália mais de vinte vezes. A perfeição dos gols de Sócrates e Falcão é quase proibitiva para um jogo tão humano e inexato. E por mais que reveja, eu não entendo o que aconteceu em campo. Nos meus sonhos, a foto de Paulo Roberto Falcão – uma das últimas do grande J.B. Scalco – vem com a legenda o gol que abriu o caminho para o tetra.
O sonho é sonho, o pesadelo é real. Paolo Rossi correndo de braços abertos, as veias saltadas e o número vinte branco vazado do fundo azul é um fantasma de pesadelo. Mas se não consigo entender aquela partida, foi no dia 5 de julho de 1982 que entendi outras coisas. Entendi que jamais seria plenamente feliz, que nunca mais me sentiria invencível e que estava eternamente preso ao jogo incompreensível que chamamos de futebol.
O legal é que a Copa de 94 nos vingou de dois desastres: Itália 82 e pênaltis 86.
Realmente Mauricio essa foi a Copa mais decepcionante que eu presenciei até hoje, aquela seleção era um sonho para todos que vivenciaram aqueles momentos.Até por isso a conquista de 1994 foi tão esperada e emocionante,esperamos 12 anos com a Copa de 82 entalada na garganta.