C.A. Juventus – O Campeão Paulista Oficial de 1934

Fugindo um pouco do tema “futebol fluminense”, o post de hoje é sobre mais uma injustiça do mundo do futebol.

Todos sabemos que nos conturbados 30 anos iniciais do esporte predileto dos brasileiros foram frequentes as cisões esportivas estaduais, originando ligas rivais e disputas de duas competições em um mesmo ano.

A regra sobre a validade ou não desses campeonatos é simples: foi um clube grande que ganhou? Se sim, o título é contado, se não, é relegado às traças da memória.

Contudo, o caso do futebol paulista em 1933 e 1934 é ainda mais chocante: os campeonatos da Federação Paulista de Football, a entidade OFICIAL do futebol de São Paulo, ou seja, FILIADA E RECONHECIDA pela entidade máxima do país, a Confederação Brasileira de Desportos, esta por sua vez reconhecida pela FIFA, é simplesmente ignorada pela atual FPF, assim como pela imprensa. O motivo original: seus campeões, Albion (33) e Juventus (34) são clubes pequenos. O motivo atual: dirigentes da FPF atual e a mídia em geral nem devem saber que esse campeonato existiu.

 

Juventus, o campeão paulista oficial de 1934, quando se chamava C.A. Fiorentino

Explicando melhor a história:

A Associação Paulista de Esportes Athleticos (APEA), dirigente oficial do futebol paulista, já vinha se aproximando do profissionalismo, para o desgosto de alguns clubes. Em 1926 houve uma séria cisão, quando as agremiações que se diziam verdadeiramente amadoristas abandonaram a APEA e fundaram a Liga de Amadores de Football (LAF). A CBD, no entanto, continuou do lado da APEA, pois o profissionalismo desta não podia ser comprovado. De 1926 até 1929 houveram dois campeonatos paulistas, o da APEA e o da LAF, sendo que apenas o da APEA, filiada à CBD, era oficial. Não obstante, mesmo que a LAF fosse “pirata”, todos, atualmente, contabilizam os dois campeonatos na lista oficial de campeões paulistas. Foram eles:

1926 – Palestra Itália (APEA) e Paulistano (LAF)

1927 – Palestra Itália (APEA) e Paulistano (LAF)

1928 – Corinthians (APEA) e Internacional (LAF)

1929 – Corinthians (APEA) e Paulistano (LAF)

Sem apoio oficial a LAF, enfraquecida, acabou. E seus principais clubes, entre eles Paulistano, AA das Palmeiras, Germânia e Internacional, relevantíssimos no cenário do futebol paulista, infelizmente saíram de cena de nosso futebol, sendo alguns extintos e outros apenas encerrando o departamento de futebol.

De 1930 a 1932 a APEA reinou sozinha no futebol bandeirante. Porém, em 1933, veio a cisão profissionalista. E eis o que aconteceu, contando em paralelo os fatos no Distrito Federal (Rio de Janeiro), para ajudar na compreensão.

Os dois maiores centros de futebol do país eram comandados, até então, pela já mencionada APEA (SP) e pela Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA, do DF/Rio), ambas filiadas à CBD.

Em 1933 alguns clubes do Rio e de São Paulo decidiram implantar o regime profissional. A CBD foi categoricamente contra. O que aconteceu no Rio e em São Paulo, então, de certa forma foram o inverso um do outro.

No Rio de Janeiro a AMEA, entidade oficial, manteve-se do lado da CBD e bateu o pé contra o profissionalismo, por mais que o mesmo já fosse praticado por baixo dos panos. Os clubes dissidentes, então, saíram da AMEA (e, junto, da CBD e da FIFA) e fundaram a Liga Carioca de Football (LCF), profissional e “pirata”.

Em São Paulo foi o contrário. A direção da APEA posicionou-se a favor do profissiolismo, e foi desfiliada pela CBD, tornando-se uma liga não-oficial. Alguns clubes, porém, preferiram ficar do lado da CBD, e fundaram a Federação Paulista de Football (FPF), logo filiada e reconhecida pela CBD como a entidade máxima do futebol paulista. Entre eles o Guarani, a Ponte Preta, o CA Paulista, Hespanha (atual Jabaquara), São Paulo Railway (atual Nacional), entre outros.

Em 1933 e 1934, então, tivemos no Rio e em São Paulo dois campeonatos em cada, sendo um “amador” (em tese) e oficial (reconhecido pela CBD, entidade filiada à FIFA), e o outro profissional e pirata (não-oficial, lembrando que a Federação Brasileira de Football foi criada depois pelos dissidentes, mas jamais reconhecida pela FIFA). Foram campeões:

1933/SP – Albion (“amador”, oficial), Palestra Itália (profissional, pirata)

1933/Rio – Botafogo (“amador”, oficial), Bangu (profissional, pirata)

1934/SP – Juventus (“amador”, oficial), Palestra Itália (profissional, pirata)

1934/Rio – Botafogo (“amador”, oficial), Vasco (profissional, pirata)

Lembrando que o Juventus, quando conquistou o título, chamava-se “Clube Atlético Fiorentino”, jogando com camisa grená e flor-de-lis inspirada no emblema da Fiorentina italiana no peito. Depois de conquistar o título de “Campeão Paulista de Futebol” o Juventus ainda conquistou a Taça São Paulo, novo nome da Taça Competência, ao vencer a AA Ferroviária de Pindamonhangaba, campeã do interior, por 5 x 0 e 3 x 1. Esse título também não é lembrado, pois até da lista de campeões da Taça Competência Albion e Juventus são excluídos…

A história da cisão no Rio de Janeiro é muito bem lembrada, pelo tamanho do Botafogo. Porém, em São Paulo, Juventus (que até então conquistara um terceiro lugar em 1932, em campeonato com todos os grandes) e Albion foram jogados para escanteio.

Em 1935 a facção “cebedista”, como os jornais chamavam, virou o jogo. A CBD finalmente aceitou o profissionalismo (ou melhor, admitiu que este fosse praticado às claras), e muitos dos clubes mais fortes das entidades piratas passaram para o seu lado, exceção feita à Flamengo, Fluminense, América e Portuguesa, que ainda insistiriam com a FBF por mais alguns anos. Um dos motivos da debandada para a CBD: como a entidade era filiada à FIFA, fora dela os dissidentes não conseguiam jogar partidas amistosas internacionais, e a tendência seria um isolamento e enfraquecimento cada vez maior. Bastava a CBD aceitar o profissionalismo para ganhar a parada.

De 1935 a 1936, novamente foram dois campeonatos, desta vez ambos eram profissionais, continuando a APEA e a LCF como “piratas” e com as amadoristas FPF e AMEA sendo “transformadas” em entidades profissionais, sendo elas a Liga Paulista de Football e a Federação Metropolitana de Desportos. Seus campeões:

1935/SP – Santos (profissional, oficial), Portuguesa (profissional, pirata)

1935/Rio – Botafogo (profissional, oficial), América (profissional, pirata)

1936/SP – Palestra Itália (profissional, oficial), Portuguesa (profissional, pirata)

1936/Rio – Vasco (profissional, oficial), Fluminense (profissional, pirata)

Como podemos ver, ao contrário de 33 e 34 todos os campeões do ano são equipes consideradas grandes em seus estados. Logo, nenhum desses títulos são esquecidos na contagem oficial das respectivas federações estaduais.

A situação de esquecimento é tão grave que mesmo o Juventus parece não entender o status do título que ganhou. Na página oficial do clube, informam secamente que foram campeões paulistas amadores, quase dando a entender que era um título de categoria inferior. Ora, todos os campeões pré-1933, em todo o Brasil, eram amadores!

Já o Albion nem existe mais para se defender.

Resta apenas aos que amam o futebol guardar esses fatos com cuidado, e divulgarem sempre que puderem.

11 pensou em “C.A. Juventus – O Campeão Paulista Oficial de 1934

  1. Sergio R. Cipullo

    Finalmente a justiça foi feita. No dia 23/09/2021, com “apenas” 87 anos de atraso, a FPF reconheceu os títulos do Albion (1933) e do CA Fiorentino (1934), além dos títulos de 1929 (2ª divisão) do Crespi e 1987 do futebol feminino do CA Juventus.

    Bem, antes tarde do que nunca (mesmo que tenha demorado 87 anos).

    Abraços.

    P.S.: Tanto o Juventus quanto o Fiorentino sempre usaram uniforme grená, o que me foi confirmado por meu pai e meus tios, que já acompanhavam o time naquela época.

  2. Angelo eduardo Agarelli

    Sou o co-autor do livro “Glórias de um Moleque Travesso”, que narra a história do C.A. Juventus. Inicialmente o clube chamava-se Cotonifício Rodolfo Crespi F.C., com as cores branco, vermelho e preto. Em 1929, conquistou o campeonato da segunda divisão e foi convidado a disputar o campeonato principal. Só que a federação (APEA, na ocasião) não permitia o uso de nome de empresas, nem cores já existentes. Diante disso, o Conde Rodolfo Crespi, patrono do time, que acabava de voltar da Itália onde presenciou uma espetacular partida entre a Juventus e o Torino (ambos da cidade de Turim), resolveu adotar o nome de Juventus. Só que, diante daquela exigência da APEA, não poderia usar as cores (preto e branco) da Juventus, então resolveu adotar as cores do Torino, ou seja grená. A confusão das cores surge um pouco mais para a frente. Em 1932 resolveu-se implantar o profissionalismo no futebol paulista. Diante das dificuldades financeiras de se enquadrar nessa modalidade, o Juventus pediu licença da Federação por dois anos e, para não ficar parado e não podendo jogar com o nome do Juventus pois perderia a filiação à APEA, resolveu disputar um campeonato amador paralelo promovido por uma outra entidade, a Federação Paulista de Futebol, mas adotando o nome de Fiorentino, em homenagem à Fiorentina da Itália, utilizando do uniforme lilás e o distintivo desse clube, material esse trazido da Iália. Portanto, o Juventus propriamente dito nunca foi lilás, sempre foi grená.

  3. Jorge Farah

    O que tenho de informação é que o CA Juventus é a fusão do Extra São Paulo Futebol Clube e do Cavalheiro Crespi Futebol Clube, posteriormente Cotonificio Rododlfo Crespi FC, e em 1930 passa a ter o nome atual, quanto a cor da camisa, a informação que tenho é de ter sido uma homenagem a Fiorentina assim como o nome Juventus tambem como homenagem a equipe italiana de mesmo nome, com o inicio do profissionalismo pediu licença do campeonato em 1934 e ocupa o seu lugar, (substituindo-o) o CA Fiorentino que disputa do Campeonato Paulista amador da FPF sagrando-se campeão do mesmo vencendo a Ponte Preta de Campinas na rua Javari por 5×3, posteriormente numa melhor de três partidas diante da Ferroviária de Pindamonhangaba, que havia sido Campeã Amadora do Interior. Vencendo as partidas por 5 a 0 (em Pinda) e 3 a 1 (em São Paulo), o C.A. Fiorentino sagrou-se Campeão Estadual Amador de 1934. A finalíssima aconteceu no dia 28/10/1934 no Estádio da Rua Javari. É o que tenho e sei.

  4. Antonio Mario Ielo

    Sergio, Auriel e amigos,

    Seria uma excelente camisa “retro” para usar nos dias de hoje, patrocinado pelo CA Juventus…

    Abs.

  5. Sergio Mello

    Olá Auriel e amigos,
    Quando eu vi a imagem tirada de uma revista antiga, a cor parecia violeta.
    Como o escudo era parecido demais com o escudo da Fiorentina… Somei um + um. Rsrss
    Contudo, no Brasil (não é de hoje)… Que os fundadores criaram o escudo, fazendo uma “mistureba”: juntam cor de um, escudo de outro para fazer “um original”.
    Uma coisa é certa! O que vale nessa história toda é o documento!
    Se os jornais afirmavam ser Grená… Acho que não há nada mais a se contestar! Rs
    Depois vou acertar a cor no escudo: sai o violeta e entra o grená! Rs
    Um grande abraço

  6. Auriel de Almeida Autor do post

    Oi, Sérgio

    Rapaz, os jornais chamavam o Fiorentino de “grená e branco”, e o site da Juventus confirma que as cores do clube em 34 eram essas mesmo. Não seria o caso de você ter visto um escudo desbotado, parecendo lilás?

  7. Antonio Mario Ielo

    Amigos,

    O Julio publicou os participantes do campeonato da FPF de 1934, incluindo o grupo do interior vencido pela Ferroviária de Pindamonhangaba.

    Alguem teria os participantes do ano de 1933, incluindo se possível o grupo do interior?

    Podemos fazer um paralelo a crise que gerou dois campeonato brasileiros, modulo amarelo (oficial) e modulo verde (Copa União “Pirata”) e conseguente dois campeões (Flamengo e Sport Recife).
    A opinião tendenciosa da midia em geral para a Copa União, considerando apenas o Flamengo campeão nacional, desconsiderando os fatos, menosprezando o titulo do Sport, campeão brasileiro e representante na Libertadores, junto com o Guarani.

    A história nos ensina muitas coisas, “pena” que os grandes interesses sejam maiores que a propria verdade…

  8. Sergio Mello

    Olá Auriel, Ielo e amigos…
    Eu consegui há um certo tempo o escudo do CA Fiorentino e a cor é violeta. Aliás, o escudo é parecido com a Fiorentina-ITA.

    Abs.

  9. Auriel de Almeida Autor do post

    Oi, Ielo

    O Juventus não disputou os dois campeonatos. O clube da rua Javari sempre permaneceu do lado da entidade oficial: até 1932 na APEA, em 1933 e 1934 na FPF e de 35 em diante da LPF e sucessoras.

    O clube se chamou Fiorentino por um período curtíssimo, em 1935 já ser chamava Juventus, novamente.

    Embora usasse a Flor de Lis da Fiorentina, a camisa continuava grená, conforme atestam os jornais.

  10. Antonio Mario Ielo

    Auriel,

    Excelente artigo e análise comparativa, na tentativa de compreensão do fatos da época transitória do amadorismo marrom para o profissionalismo, que deveriam ser considerados, incluindo o fato que o próprio clube CA Juventus não enaltece seu feito.

    Se não estou enganado, o clube disputou os dois campeonatos, um como CA Fiorentino e o outro como CA Juventus.

    Qual seria a opinião do Rodolfo Kussarev, Jorge Farah, Julio Diogo sobre o assunto?

    Abs.

    A camisa do CA Fiorentino seria Grená ou Violeta?

  11. Rodrigo Santana

    Auriel, isso é uma grande injustiça do nosso futebol, da mesma forma que, na minha humilde opinião, os títulos fluminenses deveriam ser computados como títulos estaduais Cariocas.

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