A “Locomotiva” voltou à Especial a todo vapor

O retorno da Ferroviária de Araraquara à Divisão Especial, levantando o Campeonato da Primeira Divisão de 1966 foi a apoteose de uma temporada irrepreensível. Apenas quatro derrotas em 52 jogos demonstraram o poderio da agremiação da Estrada de Ferro.

Enfrentando o forte “Nhô Quim” de Piracicaba, em duas partidas realizadas no Pacaembu, a AFE empatou a primeira e venceu a segunda, em peleja emocionante e disputada com muito aguerrimento por parte dos litigantes, no encharcado gramado da Municipalidade bandeirante.

A ficha técnica do jogo
Dia 21 de dezembro de 1966, quarta-feira (noite)
Estádio Municipal do Pacaembu, em São Paulo (SP)
Primeiro tempo – 0 a 0
Final – Ferroviária 1 x 0 XV de Novembro de Piracicaba
Marcador – Dorival (contra), aos 10’ do 2º tempo
Renda – Cr$ 12.861,00
Juiz – Armando Marques, auxiliado por Germinal Alba e Wilson Antônio Medeiros
Quadros:
Ferroviária – Machado; Beluomine, Brandão, Rossi e Fogueira; Bebeto e Bazzani; Passarinho, Maritaca, Téia e Pio. Técnico: Agenor Gomes (Manga). Capitão: Fogueira
XV de Piracicaba: Claudinei; Nelson, Kiki, Proti e Dorival; Chiquinho e Lopes; Nicanor, Mazinho, Rodrigues e Piau. Técnico: Gaspar. Capitão: Kiki
Ocorrência – Fogueira, contundido, aos 5’ da fase derradeira, passou a jogar na ponta esquerda, recuando Pio para a lateral.

Eis como a Gazeta Esportiva (através de Solange Bibas) comentou o feito da Morada do Sol:
“O bom filho à casa torna – Não demorou muito, ei-la aí de volta. Nem chegou a cair: saiu de férias. Mas que férias duras, seu moço! A campanha da Ferroviária de Araraquara para retornar ao seu lugar na Divisão Especial foi uma dessas coisas… Era favorita, porque mais primoroso e técnico o seu futebol de alto padrão. Sempre foi figura brilhante, enquanto lutou na Especial. E, se caiu, foi porque os maus fados conspiraram contra a equipe da Morada do Sol. E todo mundo ficou triste quando a “locomotiva” partiu. Ferroviária faz falta na Divisão Especial. Mas, ei-la que retorna. O bom filho à casa torna. Palmas redobradas para a Ferroviária de Araraquara! Porque, quem sobe à Especial é grande! E maior ainda é quem consegue se erguer depois da queda! Benvinda, Ferroviária! Benvinda, “locomotiva” velha de guerra!”
“Sem desmerecer o XV de Novembro de Piracicaba, que lutou bravamente, a Ferroviária acabou fazendo por merecer a vitória, na noite de ontem, uma vitória apertada, que, inclusive, obrigou o quadro de Araraquara a ser mais defensivo, depois do gol e em face da contusão de Fogueira. O XV foi à frente, mas o bloqueio da turma araraquarense existiu sempre, principalmente no “miolo”, onde se postou o próprio Bazzani, onde ficou Bebeto, buscando sempre destruir, embora sem nunca renunciar ao direito de atacar. Apareceu maios o XV, porém, diga-se, defendeu-se muito a equipe vencedora, completando-se em seu sistema recuado.
Não se poderia exigir mais da partida, dos times, dentro daquele estado lastimável da cancha. Temos a impressão, inclusive, que o time mais prejudicado foi o da Ferroviária, pois era tecnicamente melhor. Inclusive, os araraquarenses começaram bem mais certos em seu trabalho, fazendo recuar um pouco Téia, para fugir da marcação, dali partindo com a bola para as tramas curtas com o rápido Maritaca. E vinha sempre o acionamento dos ponteiros, embora Passarinho, pela direita, esquecesse de dar mais velocidade à bola, preferindo o jogo individual, contra uma defensiva rígida, pesada, como a do XV. Mas, com o trabalho de Bebeto, no meio do campo, impulsionando rapidamente a bola, a Ferroviária teve mais presença, conquanto esquecendo um ponto importante para o estado da cancha: os tiros a gol. De resto, o XV, atacando menos, também os esqueceu, resultando daí poucas emoções nas duas áreas. Mas via-se a Ferroviária melhor entrosada e mais rápida em seus movimentos, com uma retaguarda que se apresentava bem posta, com os laterais guardando posição e fazendo coberturas centrais. O XV defendia-se e jogava em profundidade, talvez mais praticamente, porém, sem encontrar caminha para as penetrações, sobretudo porque aquele que parecia ser seu homem mais importante, na ofensiva, o ponta esquerda Piau (também individualista) era sempre bloqueado.
Na realidade, naquele estado da cancha, era difícil, se não impossível, firmar um esquema, a não ser mais em sentido defensivo, mas deve-se dizer que, se o XV tinha Lopes, um grande lutador (primeiro jogando mais atrás, depois saindo e dando maior potencial ao XV), contou a equipe araraquarense com uma dupla central mais móvel, com Bebeto e Bazzani, este experimentado e guardando posição quando o primeiro saía, realizando os dois bom trabalho de revezamento. Ademais, a Ferroviária, como já dissemos, mantinha firme seu setor de retaguarda, com esplêndida antecipação e marcação.
Não houve gols na primeira etapa e, na segunda, perdendo Fogueira, que passou à ponta esquerda, tendo que recuar Pio, trabalhou inteligentemente, abrindo Téia para a esquerda e movimentando o veloz Maritaca na frente. Recuava ainda Passarinho, dando mais força, depois do gol, ao sistema defensivo. Assim um trabalho de maior sentido coletivo, enquanto o XV, lutando leoninamente, andou “abrindo” a defesa, conquanto se possa dizer que as penetrações de Nelson, pelo setor desguarnecido de Fogueira, criou boas situações.
A verdade, porém, é que a Ferroviária, marcando aquele gol, aos 10 minutos, sentiu que podia garantir, como, realmente, garantiu, teimando o XV em levar seu jogo, praticamente todo ele, para o “miolo”, onde Mazinho e Rodrigues eram bloqueados. Piau teve oportunidades, raras, mas faltou a complementação e, se o XV esteve próximo do empate, num lance de contra-ataque a Ferroviária fez o necessário para ganhar, apenas de 1 x 0, mas tendo méritos, indiscutivelmente.
Repetimos: sem desmerecer o XV, um quadro valente e de grande espírito de luta, a Ferroviária pareceu-nos melhor armada, pelo trabalho coletivo, pela melhor compreensão entre seus homens. Isolou praticamente Maritaca na frente, porém, de posse da bola, saindo quase sempre por Passarinho, o quadro de Araraquara mostrou maiores recursos técnicos. Enfim, parabéns ao XV, pelo denodo, mas parabéns maiores à Ferroviária, pelo maior sentido de equipe, pela grande vitória.”

Bola no barbante
Tudo aconteceu aos 10’ do 2º tempo, quando a Ferroviária, por intermédio de Brandão, cortou uma avançada do XV de Novembro. A bola foi enviada em profundidade a Bazzani, que penetrava pelo meio. E desceu alta. Bazzani tentou a cabeçada, apesar de acossado, por trás, por Proti. Saiu a cabeçada do meia para a direita, por onde entrava rapidamente Maritaca. Passou por Dorival, indo quase à linha de fundo, pressentindo a saída de Claudinei. Maritaca chutou e a bola, batendo no braço de Dorival, desviou-se de sua trajetória, entrando para as redes, marcando a vitória grená.

O melhor do jogo

Fogueira, Maritaca e Machado (destaques da partida)

Maritaca merece boa nota, como a merece Rossi, um jogador excelente. Mas temos que dar a Fogueira o destaque maior dentro da partida. No primeiro tempo, foi soberano, na destruição, marcação e cobertura, mostrando uma notável segurança. Na fase final, contundido, passou a ser ponta esquerda, tendo contudo extraordinário espírito de valentia para recuar e também marcar, apesar de “capengar” visivelmente. Um grande jogador, que não se entregou nunca. No XV, Lopes merece registro, pelo espírito de luta, pelo sentido de jogo, vindo a seguir Proti e Kiki. Finalmente, não esqueçamos o valor de Brandão.

O juiz foi assim
Dirigiu a partida o conhecido Armando Marques, auxiliado nas “bandeiras”, por Germinal Alba e Wilson Antônio Medeiros. Partida difícil de ser dirigida, pelo estado escorregadio, pesado, da cancha. Mesmo assim, acompanhando bem todos os lances, Armando Marques mostrou sua categoria. E note-se que houve lances de choque, entre adversários, houve jogadas que pareceram violenta, sendo que, em todos os instantes, Armando Marques estava em cima da jogada, apitando tudo, com precisão.

Como o público viu o jogo
A chuva incessante que caiu ontem sobre São Paulo impediu que um número maior de torcedores fosse ao Pacaembu. Mas os que vieram de Araraquara e Piracicaba, mostraram toda a gama de entusiasmo pelas suas equipes e não se cansaram de as incentivar durante todo o jogo. A alegria maior ficou para os araraquarenses, que desde o início afirmavam que o “XV é freguês”. O público deixou nas bilheterias Cr$ 12.861.000,00 e no final do encontro apareceram muitos torcedores com camisas da Ferroviária, algumas que levaram de casa e outras que arrancaram dos jogadores na hora de invadir o gramado.


E ELA VOLTOU… – Depois de haver perdido todos os seus galões em 1965, conseguiu a Associação Ferroviária de Esportes, um ano depois, reconquistar o seu lugar na Divisão Especial de Profissionais. Tendo produzido para o futebol paulista e brasileiro uma infinidade de bons jogadores como Galhardo, Tales, Baiano, Faustino, Pimentel, Bazzani, enfim, tantos craques, foi preciso preparar nova “fornada” para que o público da “Cidade Morada do Sol” sentisse o seu poderio técnico. Assim é que na noite chuvosa que tornou o Pacaembu verdadeiramente impraticável, a opinião de 70% dos torcedores era a de que o clube de Araraquara não conseguiria levantar o título, na luta contra o seu grande rival, XV de Piracicaba, pois era um quadro leve e não se adaptava ao terreno, naquelas circunstâncias; no entanto, foram bastante diferentes e o resultado foi que a Ferroviária chegou, de maneira brilhante, na noite de 21 de dezembro, ao título máximo da Primeira Divisão de Profissionais, depois de uma campanha brilhante e acima de tudo meritória.

Nossos aplausos ao grande campeão.

Na volta da delegação a Araraquara:
Bandeira da AFE dominando o desfile e as demonstrações de júblio coletivo.

Pelas ruas principais da cidade, o corso da vitória se desenrolou interminavelmente, diante dos olhares do povo que não se cansava de vivar os vencedores do Pacaembu

Fonte:
A Gazeta Esportiva, edições dos dias 22 e 24 de dezembro de 1966.
Edição: Paulo Luís Micali

Este post foi publicado em 01. Sérgio Mello, 24. Vicente H. Baroffaldi, História dos Clubes Nacionais em por .

Sobre Sérgio Mello

Sou jornalista, desde 2000, formado pela FACHA. Trabalhei na Rádio Record; Jornal O Fluminense (Niterói-RJ) e Jornal dos Sports (JS), no Rio de Janeiro-RJ. No JS cobri o esporte amador, passando pelo futebol de base, Campeonatos da Terceira e Segunda Divisões, chegando a ser o setorista do América, dos quatro grandes do Rio, Seleção Brasileira. Cobri os Jogos Pan-Americanos do Rio 2007, Eliminatórias, entre outros. Também fui colunista no JS, tinha um Blog no JS. Sou Benemérito do Bonsucesso Futebol Clube. Também sou vetorizador, pesquisador e historiador do futebol brasileiro! E-mail para contato: sergiomellojornalismo@msn.com Facebook: https://www.facebook.com/SergioMello.RJ

3 pensou em “A “Locomotiva” voltou à Especial a todo vapor

  1. Sergio Mello Autor do post

    Show de bola! Como diria o Faustão: “Quem sabe faz ao vivo”! Rs
    Valeu Baroffaldi!!

    Abração!

  2. Vicente Henrique Baroffaldi

    Caro Sérgio Mello,

    Tanto o escudo quanto as cores sempre foram os mesmos, desde a fundação do clube, em 1950.
    Com as iniciais A F E significando Associação Ferroviária de Esportes, exatamente o inverso de E F A, que significava Estrada de Ferro Araraquara.
    Portanto, foi feita a inversão das letras do logotipo da EFA para criar o nome da agremiação.
    E a cor grená foi inspirada na cor dos vagões das composições da própria Estrada de Ferro.
    Assim sendo, o mascote da Ferroviária é a Locomotiva, do modo mais apropriado possível.

    Um grande abraço!

  3. Sergio Mello Autor do post

    Você conhece a história da Ferroviária de cabo a rabo! Rsrs

    Sou fã desses recortes de jornais, pois tem cara e cheiro da história do futebol bratão!

    Tenho uma curiosidade. O escudo da Ferroviária sempre foi o mesmo ou já teve outro modelo? As cores pelo visto sempre foi essa atual?

    Um grande abraço.

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