O Arsenal desfilou seu futebol elegante e goleou o Blackpool. Os gols foram marcados sob os ponteiros do Clock End, testemunha do tempo e da glória dos Gunners. Mas o velho relógio não está mais no terraço do South Stand, de onde era avistado pelos fanáticos do North Bank, marcando os minutos mais valiosos das vidas daqueles torcedores. O Arsenal joga orgulhoso em seu estádio novo. Lindo. Moderno. Funcional. E artificial.
Demoliram o estádio de Highbury, e em seu lugar surgiu um conjunto de apartamentos, o Highbury Square. Lá moram, em sua maioria, torcedores do Arsenal. Em alguns anos, poucos se lembrarão das formas do estádio. O futebol já está em seu endereço com nome de companhia área. Highbury não passa de 711 apartamentos, cemitérios de emoções seculares.
Horas antes de o Brasil enfrentar a Dinamarca, no Mundial da França, eu me dirigia ao Stade de La Beaujoire. Avistei uma velha arquibancada e me aproximei. Era o estádio Marcel-Saupin, abandonado pelo Nantes após a inauguração do Beaujoire em 1984. Passei pelo portão, subi uma escada marcada por infiltrações e cheguei à arquibancada de concreto. Alheio à cidade que respirava a Copa do Mundo, o Marcel-Saupin era um refúgio do silêncio. O gramado estava tomado pelo mato. Segui para o Beaujoire levando o vazio do Marcel-Saupin no peito.
Como doem os velhos estádios abandonados e demolidos. Todas as vezes que passo em frente ao Beira-Mar Shopping, em Florianópolis, vejo ali o estádio Adolfo Konder, o histórico Campo da Liga, ou Pasto do Bode. Atrás do shopping ergueu-se um condomínio chamado Campo da Liga, lápide dos sonhos românticos do futebol catarinense.
Em Lages, meus caminhos cotidianos obrigam-me a passar em frente ao que sobrou do Estádio do Vermelhão. Retomado pela prefeitura após uma disputa judicial, o antigo reduto do Inter agora abriga uma repartição pública. Um resto do que foi o campo de jogo está espremido contra a velha arquibancada, que viu o Grêmio de Alcino, o América de Antunes, o Metropol de Idézio, o Inter campeão estadual e hoje vê funcionários que lhe ignoram a grandeza histórica.
Não sou do Emirates. Não gosto do campo de grama artificial, da Guadalara que despreza o Jalisco. Sou da arquibancada de concreto, da dignidade calada dos velhos estádios, do futebol com sol na cara. Quando vejo a arquibancada do Vermelhão, lembro da obra de Dee Brown, “Enterrem meu coração na curva do rio”, sobre a dizimação dos índios na América do Norte. O Vermelhão vai sumindo atrás da repartição, e eu repito o mesmo pensamento, todos os dias, quando passo ali. Adeus, Vermelhão. Enterrem meu coração sob a arquibancada.