A maioria dos torcedores do futebol brasileiro costuma comemorar apenas os títulos conquistados dentro de campo. Mas há muito na história de cada agremiação que se confunde com a história do país. Ainda engatinhamos na administração esportiva. Falta muito. E os clubes devem saber que são responsáveis por quebrar barreiras e fazer dessa manifestação cultural algo do tamanho da paixão dos fãs.
Um exemplo da importância dos clubes ocorreu há 85 anos, no dia 7 de abril de 1924. Na ocasião, o Vasco bateu o pé e recusou a proposta da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos para disputar o Campeonato Carioca principal com a condição de eliminar de seus quadros 12 atletas negros, mulatos ou nordestinos, quase todos pobres, considerados pela AMEA jogadores “de profissão duvidosa”. O pesquisador Alexandre Mesquita elaborou detalhado texto publicado no site http://www.netvasco.com.br/news/noticias15/64032.shtml Netvasco que eu faço questão de reproduzir aqui. É a maior contribuição do Vasco não só para o futebol, mas para a história do Brasil. Afinal, ajudou a acabar com o preconceito no esporte e em boa parte da sociedade.
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1923 – Negros e mulatos – Em pé: Nicolino, Lingote, Nélson, Leitão, Artur e
Bolão – Agachados: Paschoal, Tortelloni, Arlindo, Ceci e Negrito / Site
oficial do Vasco
“Há 85 anos, no dia 7 de abril de 1924, o Club de Regatas Vasco da Gama produziu um dos documentos mais importantes da história do esporte mundial, que ficou conhecido como ‘A Resposta Histórica’. O documento, redigido em poucos parágrafos, comunicava à AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Atléticos), liga recém-fundada pelos cinco clubes mais influentes do Rio de Janeiro na época (América, Bangu, Botafogo, Flamengo e Fluminense), que o Vasco preferia não fazer parte da nova entidade a ter que se submeter à
exigência de eliminar de seus quadros 12 atletas negros, mulatos ou nordestinos, quase todos pobres, considerados pela AMEA jogadores “de profissão duvidosa”.
Desta forma, o Vasco manteve-se na liga pela qual havia conquistado o Campeonato Carioca de 1923 atuando contra todos os “grandes” (LMDT – Liga Metropolitana de Desportos Terrestres), agora esvaziada, e disputou o campeonato de 1924 contra equipes de menor expressão, sagrando-se campeão com 16 vitórias em 16 jogos.
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Uma reprodução da “Resposta Histórica”, este verdadeiro marco da luta do Club de Regatas Vasco da Gama contra a discriminação social e racial no esporte brasileiro, pode ser vista nos dias de hoje na Sala de Troféus da sede de São Januário, com o seguinte lembrete: “Sem o Vasco, o futebol brasileiro não teria conhecido Pelé”.
A ‘Resposta Histórica’ / Foto: Alexandre Mesquita
A RESPOSTA HISTÓRICA
“Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.
Ofício nr. 261
Exmo. Sr. Dr. Arnaldo Guinle
M.D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos
As resoluções divulgadas hoje pela imprensa, tomadas em reunião de ontem
pelos altos poderes da Associação a que V.Exa tão dignamente preside,
colocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade,
que absolutamente não pode ser justificada nem pela deficiência do nosso
campo, nem pela simplicidade da nossa sede, nem pela condição modesta de
grande número dos nossos associados.
Os privilégios concedidos aos cinco clubes fundadores da AMEA e a forma por
que será exercido o direito de discussão e voto, e feitas as futuras
classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas
resoluções.
Quanto à condição de eliminarmos doze (12) dos nossos jogadores das nossas
equipes, resolve por unanimidade a diretoria do Club de Regatas Vasco da
Gama não a dever aceitar, por não se conformar com o processo por que foi
feita a investigação das posições sociais desses nossos consócios,
investigações levadas a um tribunal onde não tiveram nem representação nem
defesa.
Estamos certos que V.Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato
pouco digno da nossa parte sacrificar ao desejo de filiar-se à AMEA alguns
dos que lutaram para que tivéssemos entre outras vitórias a do campeonato de
futebol da cidade do Rio de Janeiro de 1923.
São esses doze jogadores jovens, quase todos brasileiros, no começo de sua
carreira e o ato público que os pode macular nunca será praticado com a
solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que
eles, com tanta galhardia, cobriram de glórias.
Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V.Exa. que desistimos de fazer
parte da AMEA. Queira V.Exa. aceitar os protestos de consideração e estima
de quem tem a honra de se subscrever, de V.Exa. At. Vnr. Obrigado
(a) Dr. José Augusto Prestes
Presidente”