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A vingança do EC Bahia

Em 1955 o Brasil viveu dias tensos. O suicídio do presidente Getúlio Vargas no ano anterior tinha levado a Café Filho assumisse provisoriamente o governo até as eleições que se realizariam neste ano de 1955. A Bahia ainda vivia o clima político getulista que tinha levado Antônio Balbino ao Palácio da Aclamação. As ideias forças no período eram desenvolvimento, modernização, indústria, reforma urbana e questão social. Começava a surgir um político que marcaria época, e que este ano conquistaria uma cadeira na Assembleia Legislativa, Antônio Carlos Magalhães.

Em janeiro se realizariam eleições suplementares para deputado em mais de trinta municípios do estado confirmando os mais votados. Entre fins de março e inicio de abril se organizaria o torneio de despedida do governador Regis Pacheco vencido pelo EC Vitória, ao tempo em que os ingleses se despedem de seu herói de guerra Winston Churchill que renuncia ao cargo de chanceler do Reino Unido. Em maio, enquanto as tensões na Europa são elevadas pela criação do Pacto de Varsóvia, começa o turno extra do campeonato do ano anterior, onde porfiam Vitória, Bahia e Botafogo, e se encerra com a vitória tricolor.

O próximo campeonato começa em junho, quando começa a se intensificar a campanha presidencial. A liderança rubro negra iria coincidir com a morte de Carmen Miranda. É nesta ocasião que começa a ser organizado o Torneio Vivaldo Tavares. Peço licença aos leitores para fazer um parêntesis, pois muitos não sabem por que o certame levou este nome.

Vivaldo Tavares foi um esportista baiano que atuou como jogador, árbitro e presidente do Ypiranga. Sua história está relacionada ao nosso maior clássico. Foi ele quem apitou o primeiro BA-VI ocorrido no Campo da Graça. Apenas três anos depois seria protagonista de um dos episódios mais dramáticos do futebol baiano. Era a data magna da Bahia, o dois de julho, e jogavam ali novamente Bahia e Vitória com o tricolor vencendo de dois a um.

Em dado momento o árbitro assinalou um pênalti a favor do Vitória. No entanto, só na segunda cobrança é que o jogador Barbosa conseguiria marcar, pois na primeira, Vivaldo mandou voltar alegando que o goleiro havia se adiantado antes da cobrança. O episódio revoltaria os jogadores do EC Bahia que reclamavam da presença de jogadores adversários na área no momento da cobrança.

A confirmação do gol levou ao tumulto, onde o jogador Bitonho (Antônio Fernandes da Costa) deu um soco no olho de Vivaldo Tavares que revidou com um pontapé que não conseguiu acertar o alvo. O jogo então degenerou em agressões mútuas embora tenham todos se recolhido posteriormente aos vestiários. No entanto, nem Bitonho nem Vivaldo voltariam para o segundo tempo. O primeiro por ser preso e o segundo em virtude dos ferimentos. O rubro negro acabaria vencendo a partida por quatro a três.

O jogador sairia da delegacia mediante fiança, mas, ao verificar a repercussão na imprensa do episódio se suicidaria ingerindo quantidade expressiva de cianureto. Vinte e um anos depois deste trágico incidente, e na semana da independência, se organizaria um torneio para a homenagem do antigo juiz dos anos 30 e dirigente esportivo do auri negro nos anos 40/50.  

O certame foi organizado pelo Ypiranga e foi feito para homenageá-lo. Não dava pra ter outro resultado que a vitória auri negra, especialmente para que fizesse as pazes com o título! Em relação à Fonte Nova o problema era mais grave, porque em 1951 havia disputado apenas um jogo no nosso histórico estádio, o que fez com que apenas de forma indireta se possa dizer que ganhou um certame na era da Fonte Nova.

A ideia do Ypiranga impactou na escolha dos convidados fazendo com que não refletissem a situação do certame em curso. Desta forma não foi convidado o rubro negro e, além da dupla Bahia e Ypiranga, se trouxe o Santa Cruz de Recife e o Vitória (ES)!).  

A abertura do torneio ocorreu a três de setembro, exatamente a trinta dias das disputadas eleições presidenciais. Na ocasião a UDN de Carlos Lacerda, avaliando a falta de condições de chegar ao poder, proporia a adoção do critério da eleições através maioria dos votos. Juscelino Kubitscheck viajou o país inteiro chegando a fazer quase trezentos comícios e mais de mil discursos para ganhar as eleições. 

A rodada de abertura do torneio veria o Vitória (ES) ganhar do Santa Cruz (1 X 0) e o empate sem gols entre Bahia e Ypiranga. Logo no outro dia os times entraram de novo em campo, agora com a vitória de ambas as equipes baianas. O Ypiranga venceria o Vitória (ES) pelo escore mínimo e o Bahia ao santa Cruz por três a um. Estava tudo como “mandava o figurino”, os clubes de fora afastados da decisão da taça e a decisão programada para o sete de setembro. 

No entanto, o comparecimento de público estava longe de ser dos melhores. Vários fatores podem explicar o que ocorreu na ocasião. Desde que a Fonte Nova havia sido inaugurada era comum à existência de torneios para ocupar datas vagas na agenda do histórico estádio, e, as “atrações” de fora estavam longe de despertar a expectativa necessária à frequência de público. A experiência de deixar de fora o EC Vitória foi outro fator que, junto do mau desempenho do Santa Cruz, levariam a aquela situação.  

Assim, de última hora, o Santa Cruz é “desconvidado” assumindo o EC Vitória em seu lugar para a última rodada. Para o auri negro foi um verdadeiro “tiro no pé”, pois a vitória contra os pernambucanos por certa diferença de gols asseguraria que o clube canário levasse o troféu que tinha o nome de seu estimado dirigente. O rubro negro, no entanto, não estava nem aí fazendo um grande jogo que terminou empatado em empate em dois gols.  

O resultado afastou definitivamente o Ypiranga do título do torneio que tinha organizado com tanto carinho. A decisão ficou para baianos e capixabas que brindaram o maior público do torneio com outro bom espetáculo e com muita movimentação. Flores marcaria os dois tentos do Vitória (ES) enquanto Ruivo Rui e Juvenal garantiriam os do Bahia. Precisou de duas décadas para o tricolor “vingar” Bitonho. 

No entanto a vida continuava. Nove dias depois um golpe militar na Argentina deporia o presidente constitucional Juan Domingo Perón. No dia 30 seria a vez do cinema e da juventude perderem o astro que seria o protótipo da rebeldia nos anos 50, James Dean em acidente de automóvel. Mais três dias e JK atingiria 33,8% dos votos dos brasileiros, longe, portanto, do percentual exigido pela UDN.  

A vitória é questionada por Carlos Lacerda que alegando a necessidade de “estabilidade política”. Dias depois começa o burburinho nas hostes militares. Um par de meses depois o presidente Café Filho pede uma estranha licença pra tratamento de saúde assumindo em seu lugar o deputado e presidente da Câmara Carlos Luz, adversário de JK. 

O PSD e PTB, entretanto, não “dormem de touca” e, contando com o voluntarismo do general Teixeira Lott, dão um contragolpe destituindo Carlos Luz e declarando o impedimento de Café Filho, entregando a chefia da nação ao Nereu Ramos, presidente do Senado, que vai governar o país até a posse do presidente eleito. A manobra não poria fim à resistência vendo também outros episódios de insubordinação militar que prefigurariam 64.

• Agradeço as informações de Paulo Fábio Dantas Neto, dos sites do Esporte Clube Bahia e semprebahia.com, e dos blogs RSSF Brasil, Wikipédia, marketingpolítico-manhanelli. blogspot.com.