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Eles sonhavam conquistar o Maracanã

Mauricio Neves (@badsnows no Twitter)

O Flamengo entra em campo amanhã de manhã para tentar o seu segundo título na mais tradicional competição de divisões de base do país. Vinte e um anos separam os dois torneios e muita coisa mudou ao longo de duas décadas. Uma delas, sem dúvida, é a visibilidade da competição.

Na então Taça São Paulo de Juniores, em 1990, poucos jogos eram televisionados. Já em 2011, os times mais populares tiveram todas as suas partidas transmitidas por pelo menos um dos três canais que cobrem a competição. Assim, a torcida do finalista Flamengo já se habitou a nomes como César, Marlon, Muralha, Lorran, Negueba, Rafinha e outros. Em contraste, o time liderado por Djalminha em 1990 teve apenas dois de seus onze jogos televisionados em rede nacional, ambos pela Bandeirantes: a estreia contra o Botafogo de Ribeirão Preto e a final contra o Juventus.Fla 3x0 Inter, jrs

A vitória que ganhou contorno de lenda foi a que valeu a vaga para a semifinal. O Flamengo poderia até empatar com o Corinthians, mas aplicou uma volumosa goleada de 7×1 diante de um Pacaembu lotado pela Fiel, no dia do aniversário da cidade de São Paulo. Na preliminar, um amistoso de profissionais reviveu a rivalidade entre os estados, e a seleção paulista liderada por Mirandinha bateu uma pitoresca seleção carioca, com “craques” como Macula e Alcindo. A goleada rubro-negra fez o país voltar os olhos para o garoto Djalminha, autor de cinco gols naquela tarde, um deles de antologia, por cobertura.Fla 7x1 Corinthians

O que poucas pessoas lembram é que o maior destaque do Flamengo na competição até então era Marcelinho, ainda sem a alcunha “Carioca”, assim como o zagueiro Júnior ainda não era “Baiano”. O time carioca estava sendo eliminado pela Portuguesa do artilheiro Sinval, na terceira fase, até que Marcelinho acertou uma de suas cobranças de falta no último minuto. Na disputa de pênaltis, melhor para o Flamengo: 4×1.

O problema para o técnico Ernesto Paulo era que aquele seria o último jogo de Marcelinho na Taça São Paulo. Ele e seus companheiros Marquinhos e Paulo Nunes foram convocados para a seleção brasileira de juniores que disputaria a Copa Atlântica, em Las Palmas, na Espanha. Mas foi justamente a ausência de três destaques do time que fez o talento de Djalminha explodir naquele distante janeiro. No último dia do mês, com o apoio de cinco mil rubro-negros que foram ao Pacaembu incentivar o Urubu contra o Moleque Travesso, Júnior Baiano recebeu um passe perfeito de Djalminha e encobriu o goleiro juventino Alessandro. A alegria com o título da Taça São Paulo foi uma das poucas dos torcedores do Flamengo com aqueles jogadores. Djalminha, Paulo Nunes e Marcelinho levantariam muitas taças em suas carreiras, mas a maioria bem longe do Maracanã que sonhavam conquistar.

A seguir, os jogos do Flamengo na Taça São Paulo de Juniores de 1990:

Flamengo 1×1 Botafogo (Ribeirão Preto)
6 de janeiro de 1990
Taça São Paulo de Juniores
Vila Belmiro – Santos
Gol do Flamengo: Fabinho, de cabeça

Flamengo 1×0 Nacional (São Paulo)
8 de janeiro de 1990
Taça São Paulo de Juniores
Clube Portuários – Santos
Cartões vermelhos: Marquinhos (Fla) e Ernesto Paulo (Fla)
Flamengo: Adriano, Mário Carlos, Tita, Edmilson e Piá; Marquinhos, Marcelinho e Fabinho; Paulo Nunes, Nélio e Luís Antônio. Técnico: Ernesto Paulo
Nacional: Nelson, Girlando (Claudinei), Luciano, Pedro e Carlos Fernando; Antônio Carlos, Zeomar e Roberto; Marcelo (Robson), Flávio e Valdinei.
Gol: Nélio aos 32 do 1º tempo.

Flamengo 2×0 Central Brasileira (Cotia)
10 de janeiro de 1990
Taça São Paulo de Juniores
Clube Portuários – Santos
Gols: Paulo Nunes (2).

Flamengo 2×1 Criciúma
12 de janeiro de 1990
Taça São Paulo de Juniores
Vila Belmiro – Santos
Gols: Djalminha (Fla) e Everaldo (Criciúma) no 1º tempo; Paulo Nunes (Fla) no 2º tempo.

Flamengo 0x0 Santos
14 de janeiro de 1990
Taça São Paulo de Juniores
Vila Belmiro – Santos
Obs.: Na fase classificatória, os jogos empatados sem gols eram decididos nos pênaltis, e o vencedor levava um ponto, contra nenhum do perdedor. Neste jogo, o Flamengo venceu por 5×4.

Flamengo 3×1 Tuna Luso
16 de janeiro de 1990
Taça São Paulo de Juniores (2ª fase)
Canindé – São Paulo
Gols: Piá (Fla) no 1º tempo; Marcelinho (Fla), Luciano (Tuna, pênalti) e Djalminha (Fla) no 2º tempo.

Flamengo 1×1 Portuguesa
18 de janeiro de 1990
Taça São Paulo de Juniores (3ª fase)
Canindé – São Paulo
Cartão vermelho: Tita (Flamengo)
Gol do Flamengo: Marcelinho (falta) aos 44 do 2º tempo.
Obs.: Nos pênaltis, o Flamengo venceu por 4×1.

Flamengo 1×2 Juventus (São Paulo)
21 de janeiro de 1990
Taça São Paulo de Juniores (4ªs de final)
Rua Javari – São Paulo
Flamengo: Adriano, Mário Carlos, Edmilson, Júnior Baiano e Piá; Rodrigo Dias, Fabinho e Djalminha; Luís Antônio, Nélio e William. Técnico: Ernesto Paulo.
Juventus: Alessandro, Canela, Emerson, Índio e Vagner (Carlão); Aleba, Ed Wilson e Fernando (Índio II); Rogério, Ricardo e Silva.
Gols: Nélio aos 6 e Índio II aos 39 do 1º tempo; Rogério a 1 do 2º tempo.
Obs.: O goleiro Adriano, do Flamengo, defendeu um pênalti cobrado por Ricardo aos 34 do 1º tempo.

Flamengo 7×1 Corinthians
25 de janeiro de 1990
Taça São Paulo de Juniores (4ªs de final)
Pacaembu – São Paulo
Árbitro: João Paulo Araújo
Flamengo: Adriano, Mário Carlos, Tita, Júnior Baiano e Piá (Selé); Edmilson, Rodrigo Dias (Fábio Augusto), Fabinho e Djalminha; Nélio e Luís Antônio. Técnico: Ernesto Paulo
Corinthians: Márcio, Joice, Robson, Santana (Duda) e Bezerra; Pardal, Ari Bazão, Luís Fernando e Alemão; Abelardo e Juarez (Wladimir).
Gols: Nélio aos 15, Djalminha (falta) aos 29 e Djalminha (pênalti) aos 42 do 1º tempo; Piá aos 5, Wladimir aos 9, Djalminha (pênalti) aos 17, Djalminha (de cabeça) aos 34 e Djalminha (de cobertura) aos 42 do 2º tempo.

Flamengo 3×0 Internacional (Porto Alegre)
29 de janeiro de 1990
Taça São Paulo de Juniores (semifinal)
Estádio Municipal – Suzano
Árbitro: Walter Borges de Queiroz
Flamengo: Adriano, Mário Carlos, Tita, Júnior Baiano e Piá; Rodrigo Dias (Fábio Augusto), Djalminha e Luís Antônio; Nélio (William) e Fabinho.
Inter: Alberto, Célio, Sandro, Colovine e Carlos; Murilo, Marcelo e Moreno; Calil (Leandro), Fábio e Gilmar (Luís Fernando). Técnico: Abílio Reis.
Gols: Luís Antônio aos 20 do 1º tempo; Fabinho aos 18 e Djalminha (falta) aos 36 do 2º tempo.

Flamengo 1×0 Juventus (São Paulo)
31 de janeiro de 1990
Taça São Paulo de Juniores (final)
Pacaembu – São Paulo
Flamengo: Adriano, Mário Carlos, Tita, Júnior Baiano e Piá; Rodrigo Dias, Fábio Augusto (William), Fabinho e Djalminha; Luís Antônio e Nélio. Técnico: Ernesto Paulo.
Juventus: Alessandro, Canela (Fernando), Emerson, Índio e Vagner ; Aleba, Índio II e Ricardo Vieira; Ed Wilson, Carmo e Silva.
Gol: Júnior Baiano aos 28 do 1º tempo.


Fontes: O Globo, JB, Revista Placar, minhas anotações e gravações da época.

A Costa do Marfim e a Gávea em festa

Quando se fala na seleção da Costa do Marfim, as pessoas logo pensam em Drogba, astro do Chelsea, e no time que alguns consideram o melhor selecionado africano, apesar da performance discreta na Copa Africana de Nações. Pensam também na Copa do Mundo, já que os marfinenses estão no grupo do Brasil, cravados entre a estreia que deverá ser tranquila, contra a Coréia do Norte, e o jogão contra Portugal. Sim, a Costa do Marfim está no primeiro mundo do futebol.

Mesmo assim, quando falam em Drogba e seus companheiros, eu lembro de uma outra Costa do Marfim. Uma seleção que engatinhava rumo ao profissionalismo, em uma época em que as atenções na África estava voltadas para a seleção olímpica de Zâmbia, do mítico Kalusha Bwalya, que destruiu a seleção italiana nos Jogos Olímpicos de Seul, e para a estelar seleção de Camarões, do cracaço Roger Millar, do intransponível N’kono, e de Makanaki, M’fede e Omam-Biyik, autor do célebre gol em Pumpido, na abertura do Mundial de 90, no estádio San Siro. Ninguém falava dos marfinenses. Eles ainda eram aprendizes. E, como tal, vieram aprender com os reis do futebol, os brasileiros.

O Flamengo vinha de conquistar a Copa União, e começou o ano de 1988 com um amistoso, na Gávea, para receber as faixas de campeão, enquanto Sport e Guarani protestavam por um quadrangular entre eles, Zico e companhia e o Inter. O adversário foi a Costa do Marfim, que fazia estágio no Brasil e não perdeu a chance de ter uma aula com os mestres rubro-negros.

A velha arquibancada lotou, e logo os torcedores se espalharam ao longo do alambrado e até mesmo à beira do campo. O Flamengo não mandava um jogo do futebol profissional na Gávea desde 10 de novembro de 1982, e o estádio ainda estava recebendo os últimos retoques para ser utilizado no estadual daquele ano. Zico, ainda se recuperando de cirurgia realizada após a finalíssima da Copa União, não jogou. Bebeto apareceu, mas também foi poupado. Ainda assim, liderados por Andrade, ainda longe de ser um técnico vitorioso, os professores deram uma bela aula aos aprendizes marfinenses, vencendo por 3×0, em ritmo de treino, a fim de repassar fundamento por fundamento do jogo de bola ao simpático time africano.

Andrade, o Tromba, que naquela fase ficava meses sem errar um passe, abriu o placar de pênalti. Jorginho fez um golaço de sem-pulo, e o garoto Flávio, com a 10 de Zico, fez o terceiro, chutando de primeira após cruzamento da ponta direita. Após o jogo, ainda no gramado, toda a seleção de Costa do Marfim aplaudiu os mestres brasileiros, gratos pelos valiosos ensinamentos.

Hoje, quando vejo a seleção marfinense na elite do futebol mundial, não posso evitar a lembrança da tarde de 24 de janeiro de 1988, e penso: Tiveram bons professores.