O treinador Hugo Meisl ficou marcado na história do futebol por comandar, ao lado de Jimmy Hogan, o wunderteam, o “time maravilha” que os austríacos montaram na década de 30. Mas pode-se dizer que ele deixou um legado ainda mais importante que a equipe de Sindelar, Horvath, Schall e Zischek. Meisl idealizou a Copa Mitropa, o primeiro grande torneio envolvendo clubes de vários países e precursora da Copa dos Campeões.
Oficialmente chamado Mittel Europa, o campeonato foi criado em 1927 e confrontava inicialmente os campeões de países da região central do continente: Áustria, Tchecoslováquia, Hungria e Iugoslávia. Hoje, pode parecer pouco representativo, já que nenhuma dessas nações é uma potência futebolística. Porém, o melhor futebol da Europa continental dos anos 20 se jogava naquela região. Tanto que aqueles países foram os primeiros do mundo fora das ilhas britânicas, a introduzirem o profissionalismo. A Áustria partiu na frente, em 1924. No ano seguinte, a Tchecoslováquia seguiu o mesmo caminho e, em 26, foi a vez da Hungria.
O prestígio da Mitropa naquele época só poderia ser comparado com o da Copa dos Campeões décadas depois. Tanto que foi crescendo, em participantes e em países representados. Em 1929, equipes italianas substituíram as iugoslavas. Cinco anos depois, o torneio passou a reunir os 4 melhores de cada uma das nações. Em 1936, a Suíça também teve direito a uma quadra de representantes. No ano seguinte, cada país passou a ter apenas 3 vagas, já que a Iugoslávia voltara, trazendo junto a Romênia.
No final dos anos 30, problemas políticos começaram a afetar o andamento da Copa Mitropa. Na realidade, a instabilidade da região foi uma espécie de pedra no sapato da competição idealizada por Meisl. Em 38, a Alemanha nazista invadiu e anexou a Áustria, que perdeu suas vagas no torneio interclubes. Assim, Itália, Tchecoslováquia e Hungria voltavam a ter 4 representantes. No ano seguinte, nova crise e os 3 principais países reduziram sua participação pela metade, enquanto Romênia e Iugoslávia ficavam com apenas uma equipe. A Suíça estava de fora.
Até que explodiu a Segunda Guerra Mundial, cujo epicentro era justamente a Europa Central. Impossível prosseguir com a Mitropa, que ficou parada entre 1940 e 1954. Em 1955, a copa da Europa Central volta, mas já não tinha a mesma força. Os anos de interrupção haviam minado o torneio. Para piorar, o centro de gravidade do futebol do continente começa a se deslocar para o oeste, alguns dos países representados na Mitropa passam a integrar a cortina de ferro e, principalmente, a Europa já ganhara uma diversão maior: a recém-criada Copa dos Campeões.
A criação de Meisl foi minguando. O número de participantes foi mudando de ano para ano. Em 1960, um regulamento estranho premiaria o país que tivesse mais pontos na soma de 30 confrontos (15 chaves em partidas de ida e volta). Mas a Mitropa resistia, cada vez pior, mas resistia.
Assim foi até os anos 80. Moribunda, a competição assumiu sua quase insignificância e passou a reunir os campeões das Segundas Divisões dos países. A lista de vencedores mostra como a copa ficava em mãos cada vez menos ilustres. A única exceção foi em 1982, quando o Milan a conquistou. Mas é importante lembrar que os rossoneri lá estavam justamente por terem sido rebaixados na Itália dois anos antes e, de fato, eram os campeões da Série B local.
Já não dava mais. A Mitropa estava clinicamente morta. Só não fora devidamente enterrada porque pequenos clubes italianos resolveram esticá-la mais um pouco. Talvez fosse melhor deixá-la sumir naturalmente ao invés de forçar. Como forma de preparação pré-temporada, italianos começaram a organizar a Mitropa como um torneio de fim-de-semana, mais ou menos nos moldes do Teresa Herrera e do Ramón de Carranza. Mas não havia grandes clubes da Europa como nos mata-matas espanhóis. Assim, Ascoli, Pisa (duas vezes) e Bari enfrentaram, em casa, adversários fracos e, claro, foram campeões de uma Mitropa sem a mínima credibilidade. Em 1992, foi a vez de o Foggia preparar a festa. Mas os iugoslavos (hoje croatas) do Borac Banja Luka surpreenderam os anfitriões.
Foi a pá de cal. Os italianos não tinham mais vontade de seguir com o torneio. O início da guerra civil na Iugoslávia foi apenas um pretexto para a extinção da Mitropa. Seria melhor tê-lo feito pelo menos uns 15 anos antes. Pelo menos, a Copa que movimentou a Europa Central por décadas poderia sair de cena com um pouco do charme que teve.