Esta estava no Arquivo do meu amigo Santiago,como achei interessante e me fez voltar no tempo repasso aos amigos:
Chega ao Serrano mais um atleta em busca de um lugar no elenco profissional. Seu nome é Elimar. Depois de passar por vários testes, é aprovado por Pinheiro. O treinador gosta da versatilidade do jogador, mas não consegue decorar seu nome. A solução encontrada é chamá-lo de Anapolina, o clube goiano de onde Elimar saíra. Era batizado no estádio Atílio Marotti o anti-herói que marcaria seu nome na história do futebol, não por sua técnica e habilidade, mas por tirar de seu clube de coração (Flamengo) a chance de conquistar o inédito tetracampeonato estadual.
A trajetória de Anapolina começa em Cotegipe, distrito de Matias Barbosa (MG). Elimar é o caçula dos quatro filhos de dona Mulata, e o único homem. Ganha do pai o primeiro par de chuteiras aos oito anos de idade. Desde então, vive brigas homéricas com a mãe, que não consegue tirá-lo dos campos de várzea nem mesmo para o almoço e a janta. Elimar continua jogando bola em Matias Barbosa e decide se tornar jogador profissional. Os primeiros passos seriam dados no Sport, de Juiz de Fora.
A sorte do menino Elimar começa a mudar numa pelada. Por acaso, um dirigente do Botafogo passava pela fazenda onde acontecia o jogo e começa a assisti-la. Encantado com a voluntariedade do menino, decide levá-lo para treinar nos juniores do alvinegro. Feito o convite no domingo, Elimar chegaria ao Botafogo numa terça-feira.
Em seu primeiro treino pelo alvinegro, o jovem de Cotegipe parece intimidado. Depois do coletivo, Sebastião Leônidas (o técnico dos juniores do Botafogo) pergunta ao responsável pela descoberta de Elimar: “-Onde foi que você arrumou isso?!”
Elimar ouviu, e passou dias remoendo aquelas palavras. Treinando em período integral e sem folgas, ganhou a confiança do treinador e foi procurado por um empresário. Empolgado com as promessas de que ganharia Cr$ 7 mil por mês (uma fortuna naqueles dias), assinou o contrato sem lê-lo. Dias depois, quando passaria a profissional, descobriu que o contrato que assinara daria ao empresário direitos absurdos, como metade do valor de seus salários e 30% de suas luvas.
Depois do golpe, Elimar queria desistir do futebol. Antes de deixar o Botafogo, foi procurado por um empresário do futebol goiano, que oferecia (os mesmos) salários de Cr$ 7 mil para que ele jogasse no Rio Verde. E o jogador seguiu escondido para o centro-oeste sem que o “empresário” soubesse.
Do Rio Verde, Elimar saiu e rodou por outros clubes, destacando-se o União de Rondonópolis (MT), e o Anapolina, clube que depois lhe emprestaria o nome. A aventura na região acaba em abril de 1980, quando ele vem para Petrópolis ao encontro de uma namorada. E essa mesma menina que tem a idéia de levá-lo para o Serrano.
Aprovado por Pinheiro, Elimar (a partir de agora, Anapolina) estréia num amistoso contra o Goytacaz. Sua atuação é apagada, mas o Serrano vence por um a zero. Aquela seria a primeira das trinta e cinco partidas que Anapolina disputaria com a camisa do Serrano. E nestes jogos, ele atuou nas mais distintas posições: ponta-esquerda, centroavante, ponta-de-lança, cabeça-de-área, ponta-direita… Um autêntico curinga. E os gols foram poucos: três. Dois em amistosos (seleção do Qatar e Bangu) e apenas um em partidas oficiais. E contra quem?
Contra o Flamengo. O time vinha de um tricampeonato (78, 79 e 79 especial), era o atual campeão brasileiro e tinha Zico, Titã, Adílio, Leandro, Júnior… Vários craques, uma equipe de técnica refinada e futebol incontestável. Depois de perder o primeiro turno para o Fluminense, o time precisava conquistar o segundo turno. E para chegar à final, seria necessário vencer em Petrópolis. O Serrano já estava sob o comando de Luiz Carlos Quintanilha, ex-técnico do América. Naquele campeonato, o Serrano já havia conseguido vencer Botafogo, América, Bangu, e tinha vendido caro as derrotas para Fluminense e Vasco.
O time tinha no gol uma promessa: Acácio, revelado pelo Rio Branco de Campos (e, que futuramente, disputaria a Copa de 1990 pela seleção Brasileira). Uma defesa forte, onde se destacava o lateral-direito Paulo Verdun (que jogaria mais tarde pelo Botafogo). No meio-campo, Israel (vice-campeão brasileiro pelo Bangu em 85), Moreno e Wellington, o responsável pela histórica vitória sobre o Vasco em 79. No ataque, craques como Gilberto, Luiz Carlos, Átila é o ponta-esquerda Bernardo. Este, o principal jogador da equipe no primeiro turno, foi vendido para o Murcia da Espanha.
Com a saída de Bernardo, Oswaldo seria o titular da ponta-esquerda. Mas Anapolina, a terceira opção para a posição, mostrou mais disposição nos treinos e foi escalado para enfrentar o Flamengo. O técnico Luiz Carlos Quintanilha decidiu tirar Átila, que entraria na ponta-direita, e colocar o lateral Humberto com a incumbência de marcar Júnior, o ponto de partida das jogadas do Flamengo. Era o primeiro passo para que a zebra se concretizasse.
E no dia 19 de novembro de 80, uma quarta-feira, “São Pedro” se encarregou do resto. Com a chuva torrencial que caiu à tarde, o gramado estava impraticável à noite. O grande prejudicado seria o Flamengo, time de maior toque de bola. E a torcida também fez a sua parte. Foram colocados à venda quinze mil ingressos. Seis deles foram inutilizados, e os 14.994 restantes foram comprados, num recorde que permanece até os dias atuais.
Aloísio Felisberto da Silva trilaria o apito pouco depois das nove da noite. E a zebra que seria testemunhada por quase quinze mil pessoas estava só começando. Rapidamente, o Serrano começou a imprimir seu ritmo, tendo as primeiras chances de gol. Aos dezenove minutos de jogo, Anapolina toma a bola de Zico no meio-campo e passa a bola para Humberto. O lateral dá a bola ao centroavante Luiz Carlos. O atacante tenta o chute para o gol; a bola resvala em Júnior e tira os zagueiros do Flamengo do lance e Anapolina bate para o gol, sem chances para Raul Plassman.
A torcida explode sem acreditar no que vê. A festa toma conta dos torcedores. Eles estão não só nas arquibancadas, mas também no morro, atrás do placar, nas casas vizinhas ao Estádio Atílio Maroti. E a festa continua até o final da partida, graças à atuação inesquecível de Acácio, que salvou o time nas poucas oportunidades que o Flamengo teve até o apito final. Anapolina escrevia seu nome na história. Mesmo sendo torcedor do Flamengo, fã de Dida e Paulo Henrique, era ele o responsável pelo fim do sonho do tetra rubro-negro.
Junto ao fracasso, vieram as gozações. O muro da Gávea amanheceu pichado com os dizeres: TETRANAPOLINA, misturando o sonho do título inédito com o nome do carrasco que acabara com a ilusão do tetra. O Vasco venceu o segundo turno e decidiu o título com o Fluminense. O tricolor levou a melhor, ganhando na final por um a zero, gol de Edinho numa cobrança de falta.
Depois do gol sobre o Flamengo, Anapolina fez apenas mais uma partida defendendo o Serrano: um empate contra o Americano, em Campos. O anti-herói não fez grande partida, sendo substituído por Ricardo Batata. Seria a sua última partida como profissional. Tinha apenas vinte e sete anos, e trocou os gramados por um bar no Alto da Serra. Pediu reversão de categoria e passou a jogar como amador. Primeiro defendeu o Petropolitano, mas por pressão dos fregueses de seu bar, passou a jogar no Internacional.
O final de seu casamento apressou a volta para seu estado de origem: Minas Gerais. Apesar de nunca ter apertado um único parafuso, conseguiu emprego numa oficina mecânica em Juiz de Fora. Foi nessa mesma cidade que casou-se novamente, e defendeu o Tupynambás como amador. Após quinze anos como mecânico, decidiu voltar para Matias Barbosa, onde hoje transporta leite das fazendas da região para usinas de beneficiamento. E não se separou de seu amor maior: a bola. Todos os domingos, pela manhã, o velho Anapolina (chamado pelos amigos de Cerqueirinha, diminutivo de seu sobrenome) pode ser encontrado no campo do Matiense. Coincidentemente, vestindo camisa azul, a cor do Vets, o time de veteranos que defende.