A FESTA QUE VIROU TRAGÉDIA

O Maracanã tem a forma de uma falsa elipse. Sua construção consumiu 500.00 sacos de cimento, correspondentes a três vezes a altura do Corcovado, e ferro em barras de 1/16 de polegadas, suficientes para duas voltas em torno da terra. Oduvaldo Cozzi, locutor dos mais famosos da década de cinqüenta, dizia que “no Maracanã, esse monstro de areia, ferro, pedra e cimento, está a alma do futebol”. Frase bonita, mas sem dúvida, mas profundamente amarga para a geração que nasceu com o estádio.
Um grupo de dez rapazes compraram ingressos no cambio negro e foram direto para o Maracanã. A cidade bebera todo chope da vitória – que não veio. Para Fausto Neto, um dos rapazes, pouco se recorda do jogo, pois no que aconteceu depois do gol de Ghigia ficou gravado de tal forma na sua memória que apagou o resto. Como quase todos que estavam no estádio ele também chorou ao observar a mascara da tragédia no rosto de cada torcedor. Quem viu ou acompanhou pelo rádio o jogo do Brasil contra a Espanha não tinha mais dúvidas: nada impediria que o Brasil fosse o campeão. Além do mais, o Uruguai apenas empatara com a Espanha e vencera com dificuldade a Suécia. Um detalhe foi esquecido por todos: nos dois jogos, os uruguaios estiveram em desvantagem.
A partir da noite de 13 de julho, o Rio de Janeiro se transformou numa festa. O técnico Flavio Costa lembra que o “ar estava impregnado de futebol e ninguém acreditava um fiasco na final. Gigantesco e monumental quando na planta, apenas grande já nos jogo da fase eliminatória, apertado nas partidas contra Suécia e Espanha, o Maracanã parecia diminuir à proporção que o futebol do Brasil crescia. Os bares da cidade reforçaram seus estoques de chope.Os ingressos da decisão ficaram a cargo da Delegacia de Costumes e Diversões. Eles logo se esgotaram. As reclamações eram gerais. Por mais que a policia planejasse, era impossível controlar as multidões atrás de um ingresso.
Sem exagero, quem mais trabalhou naquele final de semana foram os garções e copeiros dos bares. Todo mundo era campeão do mundo e comemorava. Na concentração dos uruguaios, Obdulio Varella colecionava jornais que mostravam fotos com o Brasil campeão do mundo. Mira. Mira – repetia o capitão para os companheiros, apontando as manchetes do jornais. Na concentração dos brasileiros, em São Januário tudo era otimismo delirante. Os jogadores não tinham um minuto de calma. Políticos e cartolas disputavam, os jogadores para tirar a foto histórica. A situação chegou a tal ponto que o técnico Flavio Costa chegou a pensar em voltar com os jogadores para o Joá. Os cartolas, interessados em faturar o prestígio dos jogadores, deram o contra. E o assunto acabou esquecido. O barulho infernal da torcida aumentou gradativamente até o gol de Friaça aos 4 minutos do segundo tempo quando explodiu. Para diminuir quando Schiafino empatou e parou de vez quando Gighia fez o segundo gol. Ninguém entendia nada e o resto foi silêncio. Córner contra os uruguaios. Friaça levanta para a área. Jair salta e Maspoli segura firme. O juiz inglês George Reader apitou o final do jogo.
Dentro e fora do campo, lágrimas. Dentro e fora do campo, sorrisos de uns poucos uruguaios, dos jogadores da celeste, logo transformados em super-herói. Flavio Costa e os jogadores brasileiros eram acusados de um crime que não cometeram: o crime de perder a última batalha.
A Copa se fora como um sonho, o mesmo sonho que levou à construção do Maracanã. Desolado e mudo, o prefeito Mendes de Moraes, o construtor do estádio, assistia imóvel à tragédia do mesmo local onde, antes do jogo, em discurso no próprio estádio, saudou os jogadores como campeões do mundo. De repente, a dura realidade. Como encará-la ? Mas era impossível esconder a verdade. E dizer a verdade, naquele momento, era partir para a manchete cruel – Uruguai campeão do mundo. E foi isso que fez a maioria dos jornais no dia seguinte.
Cada jogador procurou a sua casa ou o hotel pelos próprios meios. Em algumas salas do Maracanã, jaziam caixas e mais caixas de serpentina e sacos de confetes preparados para o carnaval da vitória. O Maracanã, palco por excelência do futebol, já viveu tragédias, farsas e comédias. Mas, aquele 16 de julho de 1950, está marcado para sempre como um dia de finado do futebol brasileiro.

Fonte : revista Placa 1975

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