Crônica sobre as 289 partidas invictas do Recreativo Maria Zelia

Aconteceu no ano de 1967. O Recreativo Maria Zélia não perdia desde 1962, estava com uma invencibilidade de duzentas e oitenta e nove partidas, faltavam onze para completar trezentas. Uma festa começava a ser preparada, visando a comemoração das trezentas partidas invictas, fato, acho, inédito, no futebol.
Era um domingo, Maria Zélia recebeu a visita do Clube Atlético Carrão, um simpático clube, clube amigo, Maria Zélia lhe era muito grato, Carrão colaborou bastante num festival beneficente, Maria Zélia nunca esqueceu disso.
Pertencia ao Clube Atlético Carrão o centro-avante Cláudio, ex-São Paulo, ex-Prudentina, que jogava, e era peça importante, no ataque do Fluminense F.C. do Rio de Janeiro, centro-avante titular.
Poupado que fora pelo Fluminense naquele final de semana, submetera-se a um tratamento, como o Tricolor das Laranjeiras não tinha jogo importante naquele final de semana deu-lhe folga, poupou-o do jogo daquele domingo, no próximo o jogo seria de maior importância e melhor seria ele estar em perfeitas condições.
Cláudio veio passar o fim de semana em São Paulo. No domingo ele veio com o pessoal do Clube Atlético Carrão no campo do Maria Zélia. Ao encontrar João Marchioni, com quem jogara nos tempos de São Paulo, este fora um grande zagueiro central, jogou também no Palmeiras, mas um problema no joelho fez com que parasse com o futebol profissional, os dois conversaram animadamente um bom tempo, boa parte do jogo do segundo quadro, partida preliminar, até quase a mesma terminar. Ao saber que a defesa do Maria Zélia era composta por craques, que sabia jogar, jogava e deixava jogar, não abusava do jogo violento, Cláudio, fominha de bola como todo boleiro, resolveu jogar, fome de bola de boleiros não é fácil, às vezes é pior do que vício de um fumante inverterado. Veio o jogo principal e Cláudio entrou em campo com a camisa nove do Clube Atlético Carrão.
Foi um grande jogo, dois grandes times em campo. Maria Zélia nunca ficou inferiorizado no marcador. Fez 1×0, o Carrão empatou, o primeiro tempo terminou 1×1. Iniciado o segundo tempo, jogo bem disputado, Nilton de Almeida assinalou o segundo tento do Maria Zélia, era outro cracaço de bola, não se compreende, até hoje, como não vingou num grande clube, conhecia mesmo, do jogo da bola, sabia lidar com a redonda, notável craque. Continuava o jogo disputado, num ataque do Carrão, Marcílio, extraordinário goleiro do Maria Zélia, praticou sensacional intervenção que mereceu aplausos das duas torcidas. Infelizmente, porém, para o Maria Zélia, ao arremessar a bola para frente com as mãos esta foi na direção do meia esquerda do Carrão que, ao amortecer no peito, dominou e jogou-a por cobertura, com muita categoria, Marcílio ainda fora do gol, esta foi para a rede, empate 2×2. Coisas que acontecem no futebol, principalmente, quando se conta com grandes goleiros, Marcílio era um goleiraço também, pegava barbaridade, conhecia maravilhosamente a posição.
Jogo continuava bem disputado. Faltando, aproximadamente, entre dez e quinze minutos para terminar, Claudionor Martins, outro cracaço de bola, nesse jogo estava de lateral esquerdo, ao tentar fintar o ponteiro do Carrão, perdeu a bola e cometeu falta, lance difícil de acontecer, bola nos pés de Cláudio, como assim era chamado Claudionor, podia-se dizer que era garantida, raramente ele perdia, tinha muita categoria, era, inclusive um coringa, se adaptava, jogava em várias posições, quarto zagueiro, lateral, médio volante, meia armador, jogador notável, craque mesmo.
Cobrada a falta, bola lançada para a área do Maria Zélia, Cláudio, centro-avante do Carrão, saltando com Marcílio, resvala de cabeça e a bola vai mansamente para o fundo do gol, Carrão 3×2.
Começava a grande preocupação na gente do Maria Zélia. Jogo difícil, bem disputado, placar desfavorável, tempo passando. Time do Maria Zélia foi valente, lutou bravamente até o final. Faltando, aproximadamente, cinco minutos para o término da partida, houve uma falta favorável ao Maria Zélia, em cima da risca da área, quase dentro, lance que poderia, perfeitamente, principalmente na várzea, time com grande série invicta, final de jogo, ser marcada penalidade máxima. Mas não foi o que aconteceu, a falta foi marcada e não o pênalti. Aumentava a tensão na notável Praça de Esportes do Maria Zélia, a primeira, na nossa gloriosa várzea, a ter campo de futebol iluminado em São Paulo. O tempo ia passando, se esgotando. Esgotado o tempo regulamentar, houve os descontos normais, não foi esticado o tempo, esgotados estes, José Cornelli, que fazia parte da Diretoria do Maria Zélia, trilou o seu apito, encerrando a partida, Clube Atlético Carrão 3 x Clube Atlético e Recreativo Maria Zélia 2! Triste domingo para a Vila Maria Zélia, para o bairro do Belenzinho, Maria Zélia perdia sua longa invencibilidade, duzentas e oitenta e nove partidas invictas, faltavam onze para completar trezentas. Clube Atlético Carrão, o autor da grande proeza. A própria turma do Carrão não acreditava no que via. Até seus jogadores e torcedores ficaram tristes na hora. Foram embora, despedindo-se do pessoal do Maria Zélia como numa despedida de pêsames num enterro à família enlutada. Não foi fácil, série invicta de duzentas e oitenta e nove partidas, faltando onze para trezentas, recorde no futebol, quebrada. Muito choro na Vila Maria Zélia, domingo marcante, muita tristeza, realmente, faltavam onze para a festa das trezentas, muita gente sonhava com ela. Armando de Almeida, técnico do Maria Zélia, o conhecido Tostão, chorava e bastante, afinal, ele que sonhava que sob seu comando seria a conquista das trezentas, viu a série parar nas duzentas e oitenta e nove.
Mas, fazer o que? Aconteceu, coisas do futebol, obra do destino, Fluminense poupou o seu centro avante titular, Cláudio, este veio do Rio, encontrou seu amigo João Marchioni, este disse-lhe que poderia jogar sem problema, não correria qualquer risco, entrou em campo, fez o gol que pôs fim a grande série invicta do Maria Zélia, duzentas e oitenta e nove partidas.
Pequenas coisas de um grande futebol, mais um nobre capítulo na história da gloriosa várzea paulistana, grande celeiro de craques.
Artigo do historiador Pedro Luiz Boscato . A foto do time do Maria Zelia é também autoria do Pedro .[img:Time_do_Maria_Zelia_final_dos_anos_50.jpg,resized,vazio]

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