Contém o artigo de Ney Bianchi publicado na revista Manchete Esportiva no. 166, de 24 de janeiro de 1959, e a transcrição da narração do gol do Vasco pelo locutor Valdir Amaral.
Contém reportagem do site NetVasco e fotos jornal O Globo em sua edição esportiva especial.
No campeonato de 1958 aconteceu um fato inédito no futebol carioca: foi necessária a realização de dois supercampeonatos para a decisão do título. Após a disputa dos dois turnos normais, Vasco, Flamengo e Botafogo estavam empatados com 12 pontos perdidos. Por isso, houve o primeiro super, que tambem nao decidiu, já que, ao seu final, havia nova igualdade entre os três clubes, cada um com uma vitória e uma derrota. Somente no segundo super surgiu o campeão carioca de 58: O Clube de Regatas Vasco da Gama.
E a conquista do clube vascaino foi inteiramente justa, porque durante quase todo o certame esteve sempre em situação de superioridade na tabela. Faltando duas rodadas, o Vasco possuia quatro pontos de vantagem sobre Botafogo e Flamengo. Bastaria um empate em qualquer dos dois últimos compromissos, justamente contra aqueles dois adversários, para garantir o título. Porém o Vasco deixou escapar o titulo praticamente ganho, perdendo para o Botafogo por 2 a 0 e para o Flamengo por 3 a 1.
O Vasco comecou o supercampeonato, no dia 21 de dezembro de 1958, vencendo categoricamente ao Flamengo por 2 a 0, com gols de Pinga aos 11 e Almir aos 26 minutos do primeiro tempo. Uma semana depois, o Flamengo venceria ao Botafogo por 2 a 1. Bastaria ao Vasco, portanto, um empate contra o Botafogo, no dia 4 de janeiro de 1959. Estava escrito, porém, que nao seria ainda dessa vez que o Vasco voltaria com a faixa para Sao Januário. Jogando com mais acerto e empenho, mesmo desfalcado de Nilton Santos, que havia sido expulso contra o Flamengo, os alvinegros triunfaram por 1 a 0, gol de Paulinho Valentim aos 3 minutos do primeiro tempo, adiando novamente a decisao.
Se pouca gente acreditava no Vasco depois da derrocada das duas últimas partidas do returno, agora menos ainda. Em Sao Januário, aumentava a perseguicao ao técnico Gradim, um homem bom, simples e sóbrio, acusado de “nao ter nome”. Não somente em Sao Januario, mas na imprensa, no rádio, na televisão, se pedia a cabeca do técnico. So’ assim, diziam, o Vasco poderia ser campeão. Mas Gradim não estava ali por acaso. O time estava com ele, acreditava nele. Jaime Soares Alves, principalmente, o diretor de futebol, so’ acreditava nele. E o sustentou no cargo contra vento e mare’.
O super-supercampeonato seria ainda mais mais dramático que o super. Desta vez, foi determinado que a abertura seria entre Vasco e Botafogo, no dia 10 de janeiro. Para surpresa dos que ja’ nao acreditavam nele, o Vasco alcancou uma vitoria incontestável por 2 a 1. Pinga abriu a contagem para o Vasco aos 8 minutos do primeiro tempo; Quarentinha empatou aos 44; e Pinga novamente, aos 8 do segundo tempo, deu a vitoria ao Vasco. O Vasco alinhando: Helio; Paulinho, Bellini, Orlando e Coronel; Ecio e Valdemar; Sabara’, Almir, Roberto Pinto e Pinga. O Botafogo com: Amauri; Caca’, Tome’, Paulistinha e Nilton Santos; Pampolini e Didi; Garrincha, Paulinho, Quarentinha e Neivaldo.
No dia 14 de janeiro, jogaram no Maracanã Botafogo e Flamengo. Houve empate de 2 a 2, numa partida sensacional. Os rubronegros viraram o primeiro tempo com a vantagem de 1 a 0, gol de Dida aos 7 minutos. Os alvinegros viraram no segundo tempo com dois gols de Quarentinha aos 21 e 25 minutos, mas Luiz Carlos empatou definitivamente a partida aos 30.
Desta maneira o Vasco chegava a ultima partida do super-super, novamente precisando apenas do empate. So’ que, desta vez, com qualquer resultado sairia o campeao. Na noite de sabado, dia 17 de janeiro de 1959, o Vasco de camisas brancas com a faixa diagonal negra, calcoes e meias brancas, e o Flamengo, de camisas rubronegras, calcoes brancos e meias rubronegras, entravam em campo no Maracana lotado.
O jornalista Ney Bianchi assim descreveu a partida na revista Manchete Esportiva :
1×1 NA DECISAO DO “HIPERCAMPEONATO”: VASCO, CAMPEAO DO “ANO DE OURO”
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E tudo acabou como devia acabar: o Vasco, enfim, em sua quarta tentativa, premiado com o título inédito, pelo qual sofreu mais do que todos. O Flamengo, sem sair derrotado, mantendo a cabeca erguida, num adeus de fibra e categoria. E o jogo, em si, brilhante, nervoso, estrategicamente bem mexido, e, individualmente, jogado com aquela arte que so’ o jogador brasileiro possui.
Os dois comecaram iguais: o Vasco defendendo com oito e atacando com seis. Sabara’ e Pinga – mais Sabara’ do que Pinga – desceram sempre, notadamente na primeira etapa. Da sua parte, o Flamengo trazia Baba’ e Luis Carlos para desfazer os momentos de maior perigo. Quando avançavam, os dois times o faziam com igual decisão. Será interessante notar, no terreno puro da tática, que não esteve alheia ao jogo, que os dois conjuntos se metamorfosearam por igual, com suas manobras. Começaram em 4-4-2, chegaram a estar numa espécie de 5-3-2 (o Vasco descendo Écio como quinto homem de área e o Flamengo recuando Moacir), e por fim, estabilizaram-se num 4-3-3, desconcertante pela velocidade e pelas pinceladas de arte futebolistica que marcaram sua aplicacao pelos dois bandos.
DOIS TIMES DISPOSTOS A TUDO
As ordens do comando, porém não prejudicaram – e isso nunca poderia suceder – ao jogo, de uma forma geral. Houve provas de conjuntos primorosos e com suas respectivas lições bem decoradas. Houve artimanhas individuais de categoria exemplar. Houve, sobretudo, velocidade. Foi um dos jogos mais velozes dos últimos tempos. Dentro disso tudo, vale destacar as performances individuais de Paulinho (excepcional), Belini, Valdemar, Roberto, Sabara’ e Pinga entre os hipercampeoes, e Fernando, Pavao, Henrique e Baba’ entre os vice-campeoes.
Num jogo onde os dois esquadroes vao para campo dispostos a tudo, e’ louvável, ainda, que se possa falar em alta esportividade, como a que se verificou ao final. Foi um jogo duro, mas nunca desleal.
UMA ETAPA E UM GOL PARA CADA TIME
O primeiro tempo foi mais do Flamengo. Movimentava-se melhor, revezava com inteligência seus homens de ataque, forcando com precisão enervante o último reduto vascaino. Nesta etapa os cruzmaltinos tiveram que se defender com unhas e dentes. No período complementar, porém, o Vasco deu o troco. Voltou calmo e jogando no chão. Roberto desceu para policiar Baba’, e Sabara’ conquistou definitivamente a meia-cancha. Ai’ o Vasco cresceu, encurralando o Flamengo ate’, pelo menos, marcar seu gol. Depois houve a reação desesperada do Flamengo e o empate. Mas o Vasco continuou mais calmo e mais senhor das acoes, mantendo, assim, o resultado que lhe deu o titulo.
O gol de Roberto foi marcado aos 13 minutos. Sabara’ centrou, Roberto recebeu livre, a defesa do Flamengo parou pensando que ele estava impedido (nao estava, pois do outro lado, Jadir lhe dava condicao de jogo), e o tiro partiu seco, batendo Fernando inapelavelmente. Aos 24 minutos, Baba’ empatou para o Flamengo. Moacir bateu uma falta, Belini devolveu de cabeca, Baba’ travou, nao foi atacado e fuzilou Miguel.
OS DETALHES DA PARTIDA
Eunapio de Queiros cumpriu magnifica atuacao. Bem ajudado pelos jogadores, pode mostrar que e’, realmente, o melhor juiz da cidade. A arrecadacao somou a cifra recorde de Cr$ 5.621.768,00 com um publico pagante de 130.901 e uma assistencia total de cerca de 150.000 pessoas. Como renda, foi a terceira do Maracanã, em todos os tempos (primeiro: Brasil x Uruguai, segundo: Brasil x Espanha) e como publico, o quinto (Brasil contra Uruguai, Espanha, Suecia, na Copa de 50, e Brasil x Paraguai, eliminatoria da Copa de 54, as maiores plateias). Como campeonato carioca, entretanto, nada ultrapassou esse jogo, até hoje. E dificilmente ultrapassara’. Os dois times jogaram assim: VASCO DA GAMA: Miguel(nota 8), Paulinho(10), Belini(9), Orlando(8) e Coronel(8); Ecio(8), Valdemar(9) e Sabara'(9); Almir(9), Roberto(10) e Pinga(9). FLAMENGO: Fernando(8); Joubert(8), Pavao(9), Jadir(8) e Jordan(8); Moacir(8), Dequinha(8) e Baba'(9); Luis Carlos(8), Henrique(9) e Dida(8).
Aqui estao registradas as situações de maior emoção nos 90 minutos.
PRIMEIRO TEMPO
5 minutos – Sabará, deslocado para o miolo, dá a Pinga, que avanca, chuta e Fernando agarra firme. Perigo.
8 minutos – Almir trama com Sabara’, este da’ para Pinga, que chuta violentissimo, rente a trave.
12 minutos – Moacir, em brilhante jogada, entrega a Baba’, deslocado para a meia direita, que fuzila. Grande perigo.
14 minutos – Luis Carlos passa por Coronel e Orlando, e atira um rojao que passa raspando.
16 minutos – O Flamengo cresce. Agora Moacir da’ a Henrique, este a Dida, que balanca o corpo e chuta com malicia. Miguel salva.
21 minutos – Dida esta’ com toda a corda, agora corta Belini e fuzila. Miguel manda a corner.
30 minutos – Agora e’ Sabara’. Sempre deslocado, vai pelo miolo; perto da area, arremessa, perigosamente.
31 minutos – Valdemar faz falta. Henrique da’ um petardo que passa pela barreira. Defende Miguel depois de largar.
36 minutos – Sabara’ avanca pela ponta esquerda, da’ a Almir que, na corrida, atira pelo alto, rente a trave.
43 minutos – Almir da’ um esticao para Valdemar, que fuzila. Fernando voa e manda a corner. Perigo.
45 minutos – Ecio a Sabara’, este a Pinga, que avanca pelo centro e desfere petardo potente, rente a trave.
SEGUNDO TEMPO
2 minutos – Sabara’ cobra um “hands” com perigo. A bola passa pela barreira e Fernando defende, larga e sofre falta.
5 minutos – Sabara’, um leão, avanca pela esquerda da’ a Pinga no centro, que vira, sensacional, rente a trave.
7 minutos – Ecio da’ a Almir, que perde, recupera e atira pela ponta, na corrida. Fernando afasta com esforco.
13 minutos – Sabara’ trabalha pelo miolo, Roberto recebeu pela ponta direita, solto, avancou e fuzilou. Era o primeiro gol. NARRAÇÃO DO GOL:
Da cabine da radio Continental, Waldir Amaral narrou o lance dessa maneira: Coronel atira… pela esquerda do ataque do Vasco a Sabara’. Cortou Jadir pelo prolongamento da grande Área do Flamengo. Jadir põe para Moacir. Interrompe a jogada em ótimo lance o pernambuquinho Almir e deu para Sabara’! Recolheu Sabara’ o passe de calcanhar de Almir e ja’ soltou pela direita a Valdemar. Penetra Valdemar. Aciona na entrada da área a Roberto, que atira, e’ gol! Gol do Vasco da Gama! Gol de Roberto! A imensa familia do Almirante faz espoucar foguetes e e’ um alarido tremendo em Maracana! Gol de Roberto, sacudindo a torcida do Almirante em Maracana! Pelo meu cronometro, doze minutos e meio da etapa complementar. Doze minutos e meio da etapa complementar. Gol de Roberto, Vasco da Gama 1, Flamengo 0.
19 minutos – Falta contra o Vasco. Cobra Henrique. Bate na barreira. Na recarga, Dequinha chutou perigosamente pelo alto.
20 minutos – Pinga livra-se de Jadir, avanca como uma bolide, e, meio sem angulo, atira rente. Susto do Fla.
25 minutos – Falta batida por Moacir; defesa rebate e Baba’, na corrida e de fora da area, empata, descambado para a meia direita.
31 minutos – Baba’, em lance isolado, avanca e da’ um chute perigosissimo. Miguel se estira e defende no canto.
40 minutos – Corner batido por Baba’. Dida, num bolo de jogadores, pula e cabeceia pela esquerda da meta de Miguel.
42 minutos – Valdemar comete pexotada, passando a bola para Dida, que da’ a Henrique, livre. Belini, na corrida, desarma-o.
44 minutos – Henrique, lancado pela direita, da’ uma puxada para Baba’, que cabeceia perigosamente. Defende Miguel, com esforco.
No vestiário, Roberto Pinto, com o pe’ enfaixado, pagou o tributo de autor do gol vascaino, recebendo uma infinidade de abraços mais e menos apertados, sendo carregado em triunfo um sem número de vezes, tendo que descrever o gol ate’ ficar rouco. Mas, falando de sua emoção, declarou o seguinte:
— Acho que herdei do meu tio Jair Rosa Pinto o temperamento frio. Claro, fiquei contente. Foi, porem, uma emocao controlada. Incluindo os titulos de juvenil, fui oito vezes campeao pelo Vasco.
Na segunda-feira, dia 19 de janeiro, a primeira pagina do caderno esportivo de O Globo estampava em sua manchete: “SUPERCAMPEÃO O VASCO”, e destacava as sequencias de fotos dos gols da partida. No pe’ da pagina, uma foto, tirada no vestiario, dos sorridentes Roberto Pinto e seu tio Jair, abracados.
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