Os exemplos de operários-jogadores bem sucedidos como profissionais nos grandes clubes do país, fazendo dessa atividade sua única fonte de rendimentos, fortaleciam o sonho da ascensão social através do futebol. Garrincha, o gênio de pernas tortas, foi um deles. No time do Sport Club Pau Grande, organizado pelos operários da tecelagem Cia. América Fabril de Pau Grande, Rio de Janeiro, onde trabalhava desde menino, começou sua carreira como operário-jogador em 1949. Graças ao excelente desempenho nos gramados, conseguiu manter o emprego na tecelagem e passar imune pelos constantes conflitos que permeavam as relações entre operários, mestres e contra-mestres, e que, muitas vezes, terminavam com a demissão dos primeiros, pois se acreditava que Garrincha teria uma carreira esportiva promissora. A previsão se confirmou: Garrincha fez carreira como profissional no Botafogo e celebrizou-se por sua atuação na seleção brasileira em 1958 e 1962, conquistando dois campeonatos mundiais de futebol.
Outro exemplo foi o goleiro Barbosa, do Vasco da Gama e da Seleção Brasileira na Copa de 1950, que despontou para o futebol no time de uma indústria química em São Paulo. Bauer, do São Paulo F.C. e da Seleção, chamado de “Monstro do Maracanã” por sua atuação na Copa de 50, jogava na Associação Atlética Matarazzo quando jovem. Leônidas da Silva, o Diamante Negro, atuou num time de funcionários da Light & Power do Rio de Janeiro.
Muitos jogadores revelados pelas fábricas projetaram-se para o futebol dos grandes clubes, mas poucos atingiram o sucesso financeiro, sorte reservada aos craques, jogadores de alto nível técnico. A maioria deles, embora melhorando seu padrão de vida, teria um futuro incerto após o encerramento da carreira. Eram coadjuvantes, que integravam o meio futebolístico sem conseguir maior destaque e sem auferir ganhos reais.
A dedicação ao jogo permitiu que alguns trabalhadores adquirissem um pequeno comércio ou negócio, mas esta não era a regra. Para a maioria dos ex-jogadores profissionais, os clubes de fábrica representavam uma forma de acesso a um novo emprego. Nesses casos, era fundamental saber explorar as relações estabelecidas com os “cartolas”, a fim de alcançar uma colocação nos escritórios ou na linha de produção de suas empresas e integrar a equipe de futebol da fábrica nas horas de folga, como jogadores ou treinadores. Além de desenvolverem uma modalidade singular de amadorismo, os clubes de fábrica mantinham uma estreita relação com o futebol profissional. Revelavam atletas para os clubes da divisão principal e os acolhiam de volta quando abandonavam a profissão.
À medida que o profissionalismo no futebol se aperfeiçoou, jogadores passaram a viver apenas do jogo, recebendo melhores salários e sendo também mais exigidos em relação a treinamentos e concentrações. Não tinham tempo e nem precisavam manter um trabalho paralelo nas fábricas. As empresas, por seu lado, passaram a buscar outras modalidades mais eficazes de propaganda. A partir dos anos 1960, a prática decaiu e a trajetória de grande parte dos clubes de fábrica se perdeu no tempo.
Fonte:Este artigo é uma versão modificada e resumida de “O futebol nas fábricas”, publicado na Revista USP nº 22, Dossiê Futebol, de junho/julho/agosto de 1994,Fatima Martin Rodrigues Ferreira Antunes;