Bangu A.C.: Domingos da Guia, da Bola para a Bíblia

 

Domingos da Guia, o mais brilhante zagueiro brasileiro das décadas de 30 e 40, agora é visto caminhando pelas ruas do Méier, subúrbio carioca onde mora, em direção ao culto na Igreja Messiânica, num ritual diário em que leva uma Bíblia debaixo do braço.

Aos 72 anos, o “Divino Mestre“, para os torcedores brasileiros, e “El Negro de Oro“, para os uruguaios e argentinos, hoje é funcionário público aposentado e se preocupa mais com a fé religiosa do que com a paixão pelo futebol. “Fugi da vida material. Agora, só quero conhecer meu espírito, me aproximar mais de Deus”, prega o ex-zagueiro.

Mas este homem aparentemente tranqüilo e mergulhado na religião levou uma vida extremamente agitada em 20 anos de carreira. Em 1929, ele foi lançado como meio-campo, no Bangu.

Logo, porém, descobriram que seu lugar não era ali: fixou-se como zagueiro. Não demorou muito a chegar à Seleção Brasileira. Na Copa do Mundo de 1938, disputada na França, foi considerado Deus e Diabo ao mesmo tempo. Se cometeu um pênalti sem bola na semifinal, contra a Itália, o que impediu que o Brasil disputasse o título, manteve um nível soberbo de atuações a ponto de ser eleito o melhor zagueiro da Copa.

Até hoje, Domingos da Guia demonstra orgulho pela escolha, mas lembra também que já foi tricampeão por três clubes diferentes. Em 1933, pelo Nacional, do Uruguai; em 1934, pelo Vasco; e em 1935, pelo Boca Juniors, da Argentina.

Pai de Ademir da Guia, outro astro do futebol brasileiro, o velho Domingos guarda certa mágoa do tempo em que jogava. “Quase abandonei tudo quando, em 1944, fui vendido pelo Flamengo ao Corinthians“.

Ele tinha bons motivos para desejar permanecer no time carioca. O Flamengo havia conquistado os títulos estaduais de 1942 e 43. E ele não queria perder o melhor da festa. De todo o modo, para não contrariar o hábito, foi campeão pelo clube paulista, em 1944.

Domingos da Guia ainda jogou pelo Bangu, de 1948 a 49, encerrando sua carreira. Mas, como os grandes astros de todos os palcos, voltou rápido. E durante mais 20 anos exibiu suas habilidades no elenco de veteranos do Bangu.

Ao deixar de vigiar perigosos atacantes adversários, o velho Domingos vestiu terno e gravata para fiscalizar bares, supermercados e o comércio em geral, como um respeitável agente da Secretaria da Fazenda do Rio.

Houve, ainda nesse período, uma tentação: o cargo de técnico do Olaria. Contudo, foi obrigado a optar: “Preferi ficar na Fazenda. Não fui bobo. Que garantias têm um técnico de futebol, ainda mais de time pequeno?“.

Recolhido aos limites de seu bairro, Domingos divide suas atenções entre a igreja, a mulher – Erothides, com quem vive há 45 anos – e a televisão, com que se diverte ao assistir “Roque Santeiro”. E continua esperando um emprego no Estádio do Maracanã, que ele garante ter solicitado há dois anos ao presidente da CBF, Giulite Coutinho.

 

 Fonte: Revista Placar – nº 812 (13 de Dezembro de 1985).

Fotos: Arquivo JS

Este post foi publicado em 01. Sérgio Mello, História do Futebol, Rio de Janeiro em por .

Sobre Sérgio Mello

Sou jornalista, desde 2000, formado pela FACHA. Trabalhei na Rádio Record; Jornal O Fluminense (Niterói-RJ) e Jornal dos Sports (JS), no Rio de Janeiro-RJ. No JS cobri o esporte amador, passando pelo futebol de base, Campeonatos da Terceira e Segunda Divisões, chegando a ser o setorista do América, dos quatro grandes do Rio, Seleção Brasileira. Cobri os Jogos Pan-Americanos do Rio 2007, Eliminatórias, entre outros. Também fui colunista no JS, tinha um Blog no JS. Sou Benemérito do Bonsucesso Futebol Clube. Também sou vetorizador, pesquisador e historiador do futebol brasileiro! E-mail para contato: sergiomellojornalismo@msn.com Facebook: https://www.facebook.com/SergioMello.RJ

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