O Primeiro Clássico do Sul de Minas

 Por: Dilson Braga

 
 
Atlético Clube de Três Corações em 1916
Segundo a história do Atlético Tricordiano, através da monografia de Benefredo de Souza, que cita o primeiro jogo deste clássico sulmineiro em 1914, diz o seguinte: “…
O segundo jogo foi em janeiro de 1914, contra o Varginha Sport Club e o Atlético venceu por 2×0, jogo realizado debaixo de um temporal violento com muitas brigas e sururús.” Continua em outra página: “…
Notáveis neste tempo foram ainda o jogo contra o Varginha, debaixo de chuva torrencial (dia em que o autor deste livro usou calças compridas pela primeira vez: 20/01/1914) – brigas, sururús e uma rivalidade duradoura…”
 
Sobre este desfecho e a publicação, digo que a data é esta da reportagem do jornal “O Momento”. Mas fica registrado que: Varginha e Três Corações, não importa qual time represente a cidade, é a maior rivalidade de todos os tempos para nós.
 
Em 1916 foi disputado em Três Corações a Taça Independente entre as equipes do Athlético Foot-Ball Club e Varginha Sport Club. Conforme publicação do jornal O Momento – do saudoso João Liberal – de 30/01/1916, procuramos publicar na íntegra e com todos as expressões da época, para que o leitor possa sentir em detalhes como era quase poética a publicação de uma matéria sobre um jogo de um time varginhense.
 

Leia abaixo o texto deste importante momento feito pelo jornalista João Liberal, o redactor chefe do jornal “O Momento”, na íntegra:

 “Pelo trem mixto que d’aqui parte às 11 horas, seguiu, no dia 23 acompanhada por grande número de pessoas, com destino a Três Corações, a valorosa equipe do Varginha Sport Club, que fora disputar a taça “Independente” com o Athlético Foot-Ball Club daquela cidade. Ao embarcar compareceu extraordinária massa de povo que, levada de entusiasmo, prodigilizada os mais francos elogios e vivas aos nossos sportmen, encorajando-os muito.
A hora da partida, o tempo estava magnífico: nem sequer uma nuvem entoldava o azul do céu. Prometia um dia belo e por consequinte um jogo estupendo, cheio de lances empolgantes.
Muitas pessoas que tinham comparecido à gare unicamente para assistir à partida dos nossos players, ante a bondade infinita do tempo e o entusiasmo intenso que reinava, não resistiram, embarcando também com a equipe. Às 11 horas e meia, o mixto largou rédeas, debaixo dum vozeiro infernal, arrastando 4 carros apinhados de gente.
Apesar de levar 4 carros, estes foram insuficientes para acomodar a enorme quantidade de gente que acompanhava os jogadores, sendo, por isso muitas pessoas obrigadas a viajarem nas plataformas dos carros.

Durante a viagem não registramos anormalidade alguma; muitos vivas, cantigas etc., quebrando, assim, o barulho enjoado e ensurdecedor da locomotiva, que aprecendo haver lançado um desafio aos ventos, devorava o espaço com velocidade notável.

 CHEGADA

Às 12:50h o silvo da locomotiva se faz ouvir anunciando qualquer cousa estranha: a massa de povo corre, aflita, às janelinhas dos carros para se cientificar do que se trata; o entusiasmo sobe ao apogeu; agora não é mais o barulho da locomotiva que ensurdece, que endoidece; é a equipe e o acompanhamento que, redobrando o entusiasmo, parecendo um delírio, erguem vivas intermináveis ao povo, à sociedade, à mocidade, ao belo sexo e ao Athlético Foot-Ball Club de Três Corações.
Cinco minutos havia que imperava essa espécie de delírio, quando a locomotiva, como que ufana de haver cumprido bem o seu dever, entrava soberba e altiva na gare de Três Corações.

A recepção foi magnífica: quatro belas demoiselles, segurando. uma bandeirola com o distintivo do Athlético, apresentavam-se à nossa equipe como que dizendo: eis aqui o vosso irmão! Nisso, à graciosa demoiselle Aurea Rezende, nossa conterrânea que daqui tinha ido acompanhando, sendo portadora também da bandeirola distintiva do nosso Varginha Sport Club, é convidada para se agregar àquele grupo de demoiselles e, tomando o centro, entrelaça as duas bandeiras oferecendo às nossas vistas um quadro entusiasta e ao mesmo tempo comovente: a confraternização dos dois povos ou a memorável expressão de Julio Roca: “Tudo nos une e nada nos separa!”

Urras de parte a parte vibram constantemente no ar. Uma corporação musical, que se achava presente, dá o sinal da partida, executando um belo “Dobrado”; e o povo acompanha o improvisado prestito até o Hotel Alcântara onde foram hospedados os nossos sportmens.

UMA NUVENZINHA DESPONTA, QUE É DISSIPADA

O Macalé, o extraordinário center-half do nosso team sentira-se muito mal durante a viagem, o que não deixou de entristecer bastante a Diretoria do Varginha Sport Club, que previa nisso talvez causa de tê-lo que excluir do team e sabia que absolutamente não arranjaria nas reservas um outro elemento capaz de substituí-lo. Por isso, logo que foram chegados, foi levado a uma pharmacia onde conseguira encontrar lenitivo para as suas dores, restituindo ao mesmo tempo a alegria à Diretoria e aos seus companheiros.

 MARCA-SE A HORA DO JOGO E DETERMINA-SE O JUIZ

A uma e meia hora da tarde a Diretoria do Varginha Sport Club fora procurada pela do Athlético para, de comum acordo, estabelecer-se o horário do jogo e a determinação do Juiz que devia servir de match.

Sendo proposto pela diretoria do Athlético que se iniciasse o jogo às 2:30h e que servisse de juiz um jogador de Cambuquira que se achava presente, a Diretoria do Varginha Sport Club aceitou a proposta, confiante na boa fé, sem fazer a mínima objeção.

NO GROUND

Das 2 às 2:30h da tarde, o tempo mudou completamente. As nuvens surgiam ameaçadoras no horizonte, que, tocadas pelo vento, corriam celeres pela abóbada celeste, quebrando, desta maneira o cálido efeito dos raios do sol, e dando ao azul do céu um cambiante todo lúgubre e pavoroso.

Às 2:30h partiram as duas equipes em demanda do campo, acompanhadas por uma multidão.

O campo apresentava um aspecto regular. Precisamente no momento em que iam entrando os sportmen, desabou um impiedoso temporal, uma terrível e implacável chuva, que pos a assistência em sopa; deixou o campo em petição de miséria.

Felizmente, às 2:50h a chuva termina, porém, o estado do campo é desolador. Com a chuva, as demarcações tinham desaparecido; ao centro formava uma lagoa que ia de ponta a ponta; nas laterais a terra movediça, com a chuva tinha formado uma barroca penosíssima. A chuva tinha estragado a festa! Algumas pessoas opinaram que fosse transferido o jogo, porque o campo absolutamente não estava em condições, mas essa opinião não vingou e eis que às 2:55h o Juiz, entrando em campo, apita para que cada jogador tomasse sua posição e imediatamente dá início ao jogo. Às 3 horas em ponto, o Juiz deixa perceber a parcialidade que acalentava pelo Athlético: o valoroso center-half do Athlético, pretendendo atravessar com a bola a linha de backs do Varginha Sport Club e varar o goal, não logra realizar o intento porque de repente surge-lhe à frente barreira intransponível, que é o Rolim, o glorioso back, que com pouco esforço tira a bola do inimigo e arremessa-a para além. O referido center-half, a respeito de disciplina, andou muito mal, quando caiu sem ser empurrado pelo back e começou a gritar fau com desespero. Esse procedimento é contra a regra, por falta de disciplina.

Aqui o Juiz fica desnorteado, não sabendo o que fazer.�
Um, caído no chão, reclamava fau, quando não tinha cabimento. Mas que fazer? Tinha jurado protegê-los, o quanto possível, e até de extorquir os direitos aos de Varginha! Nada; era necessário acender e contra a regra, contra a própria consciência, todo indeciso e confuso, dá penalidade máxima aos de Varginha: um penalty!!!

Com esse penalty sem fundamento, sem causa conseguiu o Athlético marcar o 1º goal.�
Dez minutos depois de ter marcado o 1º goal o Athlético cometeu a penalidade através de um córner chutado pelo Affonso, e rebatido pelo back com tanto azar que comete a mesma penalidade. A bola sobra para outro jogador do Varginha que chuta e a bola rebate na defesa, o Affonso conseguindo apanhar a bola, arremessa-a para dentro do goal inimigo, marcando o 1º contra o Athlético.
O Juiz comete aqui outra injustiça, deixando de considerar esse goal, alegando ter-se dado um fau.
A assistência de Varginha, em peso, protesta contra essa iniquidade e, em vão reclama o seu direito. Pouco depois o Juiz dá por terminado o 1º half-time, com 20 minutos apenas de jogo!
A respeito do 1º goal contra o Athlético existe certa dúvida. Em todo caso, como nós não estávamos perto e a maioria dizia que era goal, nós acompanhamos a onda.

Aos cinco minutos do recomeço do jogo, o Affonso, o prodigioso center-half, apanhando a bola, consegue levá-la até o goal inimigo e vará-lo.�
Estava marcado o 2º goal contra o Athlético.

Ainda a iniquidade do Juiz! Aqui então chega ao extremo!!! A proteção, que durante o jogo vinha dispensando ao Athlético já era escandalosa, era vergonhosa. Pois que chega ao ponto de negar que era goal, e goal feito com todas as regras!

Visto ser completamente impossível continuar o jogo daquela maneira, pois que, a julgar pelo procedimento do Juiz, era inútil qualquer tentativa, no sentido de chegar a um fim satisfatório, a Diretoria do Varginha Sport Club achou mais conveniente suspender o jogo, o que fez ato contínuo, dando tudo por terminado.
Louvamos o procedimento prudente da Diretoria do Varginha Sport Club, mandando suspender o jogo, porque se não agisse assim, hoje fatalmente teríamos que registrar aqui fatos deploráveis, devido à animosidade que já se fazia notar.
Suspenso o jogo aos nossos players, à Diretoria foi servido um jantar, oferecido pelo Athlético. Durante a refeição muitos vivas, à sociedade, ao povo,  ao Athlético e Três Corações.”

 
 
Fontes:  Benefredo de Souza (monografia), Jornal O Momento
Foto: Dilson Braga
Este post foi publicado em 01. Sérgio Mello, História do Futebol, Minas Gerais em por .

Sobre Sérgio Mello

Sou jornalista, desde 2000, formado pela FACHA. Trabalhei na Rádio Record; Jornal O Fluminense (Niterói-RJ) e Jornal dos Sports (JS), no Rio de Janeiro-RJ. No JS cobri o esporte amador, passando pelo futebol de base, Campeonatos da Terceira e Segunda Divisões, chegando a ser o setorista do América, dos quatro grandes do Rio, Seleção Brasileira. Cobri os Jogos Pan-Americanos do Rio 2007, Eliminatórias, entre outros. Também fui colunista no JS, tinha um Blog no JS. Sou Benemérito do Bonsucesso Futebol Clube. Também sou vetorizador, pesquisador e historiador do futebol brasileiro! E-mail para contato: sergiomellojornalismo@msn.com Facebook: https://www.facebook.com/SergioMello.RJ

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