Por: Teixeira Heizer
Maracanã, 1966. Nem mesmo o tumulto criado pelo atacante Almir, do Flamengo, impede que o Bangu ganhe o Campeonato Carioca, pela segunda vez em sua vida – a primeira foi em 1933. Naquela tarde de domingo, todo o país sabia que o Bangu não vivia mais a dolorosa opção de ser o maior dos pequenos ou o menor dos grandes. Era grande mesmo.
Conselheiro Galvão, Madureira, 1970. O Bangu perde por 2 a 1, é eliminado do turno final do Campeonato Carioca. O comando forte se esfacelou, o dinheiro abundante – que comprava tudo – foi diminuindo, quase todos os jogadores de 66 foram vendidos, a charanga (a bateria da Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel, uma das melhores do Rio) desapareceu, e a torcida, que já era pequena, ficou reduzida, praticamente, ao grito solitário de seu chefe, Juarez.
O Bangu está no fim?
– Mexam no Bangu e todos verão a força que ele tem.
Guilherme da Silveira Filho, um dos donos da Fábrica de Tecidos Bangu e patrono do clube, não admite a morte de seu clube, nem qualquer arranhão no seu conceito. Explica que o vulcão que se formou há dois anos, envolvendo os dirigentes, só aconteceu porque ele estava nos Estados Unidos. Se Silveirinha – como é conhecido no clube – estivesse no Rio, certamente interviria na crise. Como interveio há seis meses para evitar a falência financeira. Ele diz que a situação não era tão grave, mas sua intervenção em assuntos esportivos, dos quais se afastara em 1951, é um dado denunciador do perigo que rondava o clube.
Um negócio ruim
Todo um time tinha sido vendido às pressas, por qualquer dinheiro. Como industrial, Silveirinha frisa que compra e venda é rotina do comércio. Mas, no fundo, ele sabe que a venda, somente a venda, representava uma liquidação. Em termos de comércio, tecidos podem ser liquidados; homens, não. Mas absolve os que venderam os jogadores.
– Eles não eram donos do Bangu, se investiram seu dinheiro, tinham direito de recuperá-lo na hora da saída.
O que Silveirinha sabe e não diz, para não expor os ex-dirigentes (Eusébio de Andrade e seu filho, Castor de Andrade) a uma condenação inevitável, é que os negócios malfeitos resultaram no prejuízo de Cr$ 1 milhão, arrasaram o clube, deixaram-no quase sem time.
Da grande equipe de 66 sobraram apenas dois jogadores: Luís Alberto e Aladim. Ubirajara está no Botafogo; Fidélis, no Vasco; Mário Tito, no Cruzeiro; Pedrinho, no Corinthians; Jaime, no Palmeiras; Paulo Borges, no Corinthians; Bianchini, no Flamengo; Cabral, no Palmeiras; Parada, no Amazonas; Ladeira e Norberto, no interior de São Paulo; Ari Clemente, no Campo Grande. Ocimar parou de jogar.
Uma triste reunião
Em amarga reunião da diretoria, foi feito o balanço da desastrosa liquidação, que afetou moralmente o clube e o deixou de caixa baixa. Ubirajara, vendido por Cr$ 150.000,00, valia no mínimo o dobro. Fidélis, negociado por Cr$ 100.000,00, poderia ser vendido por quatro vezes mais. Mário Tito foi vendido por Cr$ 80.000,00, mas seu valor real andava na casa dos Cr$ 400.000,00. O Palmeiras pagou Cr$ 280.000,00 por Jaime, quando valia bem uns Cr$ 500.000,00. Cabral foi mal trocado, por Mário.
Quando interveio há seis meses no Bangu, Silveirinha quis impedir um mal maior.
– Quis mostrar que o Bangu não é casa da sogra, onde qualquer um entra e tira o que quer.
Ele refere-se à pretendida contratação de Dé, pelo Fluminense (que chegou até a ser capa, com a camisa tricolor, da revista do clube), e à de Aladim, pelo Corinthians. Silveirinha deixa claro que o Bangu não é a fábrica; esta não precisa do futebol para promover seus tecidos. Também diz que o clube não precisa da fábrica, explica que só intervém no clube como torcedor, que sofre e se alegra por causa do Bangu.
Um pedido urgente
Mas agora, com o Bangu desclassificado do Campeonato (isto lhe acontece pela primeira vez), a torcida acha que a intervenção do patrono tem de ser decisiva.
– Dizer que é Bangu não é tudo. Quem pode, tem é que influir nos destinos do clube.
Desta posição Juarez Silva, o chefe da torcida, não se afasta um milímetro.
O patrono não promete nada, mas deixa uma ameaça no ar.
– O Bangu, se fustigado, entra na raia e repete 51. Temos estrutura para isso. E os outros, terão?
O Bangu pode voltar a ser grande com o dinheiro de Silveirinha e não em conseqüência de sólida estrutura profissional, que o clube não tem. O patrimônio do Bangu é pequeno: um ginásio no valor aproximado de Cr$ 300.000,00. O Estádio de Moça Bonita e a Vila Hípica (concentração) pertencem à fábrica.
Sexta-feira, dia 14 de agosto deste ano. Em frente à sede do clube, um tosco caixão preto, cercado por setecentas velas. Era o enterro simbólico de mais um presidente. Dentro do clube, Elias Gaze pedia uma licença (na verdade renunciava ao cargo), para esfriar os ânimos pouco amistosos da torcida. Com ele saiu toda a diretoria, à exceção do vice-presidente administrativo, Major Orlando Lopes, que assumiu a presidência.
Domingo, dia 23. Numa sala acanhada do segundo andar da sede, entre medalhas e taças, meia dúzia de homens lutam para compor a diretoria e encontrar uma saída para a crise.
– Temos que encontrar um meio de reestruturar o time, criando bases profissionais para suportar as grandes dispesas. Não pretendemos contratar grandes jogadores e depois vendê-los por qualquer preço. O Bangu não decepcionará mais sua torcida.
O presidente Orlando Lopes sabe as dificuldades que terá de enfrentar, não promete resultados em pouco tempo. Ari Garcia, novo diretor de futebol, quer contratar um grande técnico, um bom preparador físico, alguns jogadores, cuidar das divisões inferiores. Mas o problema mais urgente é acertar logo uma excursão à África e Ásia, para que o clube possa ganhar algum dinheiro.
Os dirigentes acreditam no futuro. Alguns jogadores, não.
É o caso de Aladim, que deseja ser vendido. Acha que já deu muito de si pelo Bangu e jamais foi prestigiado pelo clube.
– Seu Zizinho (o ex-presidente Eusébio de Andrade) não ia ver o jogo quando eu era escalado.
Aonde vai Dé?
– Por que vocês não me vendem?
A pergunta é de Dé, o jogador mais cobiçado do futebol carioca, que até chegou a assinar (para a imprensa fotografar) contrato com o Fluminense. Vasco, Flamengo e Corinthians já fizeram propostas para a compra de seu passe. Os dois, e Luís Alberto, são tudo o que resta ao Bangu, um time que há pouco mais de três anos jogava o futebol mais bonito do Rio.
Ubirajara, Fidélis, Mário Tito, Luís Alberto e Ari Clemente, Jaime e Ocimar, Paulo Borges, Cabral, Ladeira e Aladim – os campeões de 66, que fizeram o Bangu sentir-se grande, uma das maiores forças do futebol brasileiro.
Melhor que esse time talvez tenha sido o formado por Silveirinha, em 1951, para fazer propaganda da fábrica de tecidos: Osvaldo, Mendonça e Rafanelli, Pinguela, Mirim e Alaíne, Moacir Bueno, Vermelho, Zizinho, Meneses e Nívio.
Mas o time de 51 perdeu a melhor de três para o Fluminense (os dois terminaram o Campeonato empatados). Didi quebrou a perna de Mendonça, o Bangu ficou reduzido a dez jogadores, perdeu. Siveirinha desfez o elenco, muito caro para um clube pequeno.
Um título ilusório
Catorze anos depois, dois homens de dinheiro fácil – Eusébio e Castor de Andrade – transformaram o Bangu em seu divertimento predileto. Investiram muito dinheiro e logo obtiveram resultados: o time começou a lutar pelo título, afinal o alcançou.
Mas ao primeiro balanço na vida pessoal de seus donos (Eusébio e Castor estavam em dificuldades com a Justiça por questões ligadas ao jogo do bicho), balançaram-se também os alicerces que seguravam o Bangu. A base era podre.
Para Eusébio de Andrade, a hora de sair era também a de recuperar seu dinheiro. Afinal, o time era muito mais dele do que do Bangu. Com os jogadores negociados de qualquer maneira, pelo preço orçado pela família Andrade, o Bangu viveu seus piores momentos no fim do ano passado. Quase fecha para balanço. Chegou a parar suas atividades para um expurgo.
Um esforço foi tentado. Guilherme da Silveira Filho resolveu oferecer algum capital ao clube. O técnico Flávio Costa foi contratado às pressas para tentar salvar o time. Não conseguiu. O time era formado por Luís Alberto, Dé, Aladim e mais alguns juvenis, estes com pequenos salários. A Taça Guanabara chegou a dar a impressão de que tudo estava nos eixos, quando a mão de ferro de Flávio Costa conduziu o time a um êxito relativo. Mas, no campeonato, o grupo viu-se reduzido ao limite da mediocridade. E foi desclassificado.
Uma paixão eterna
Domingo passado foi mais um domingo sem Bangu no Campeonato Carioca. Mas, ao lado esquerdo da tribuna de honra, um homem alto, forte, balançava uma bandeira. Só não gritava o nome de seu clube. Juarez Silva é securitário e contador. Sua casa é pintada de vermelho e branco. Sua fascinação pelo Bangu o fez cantá-lo em versos: “Carnaval e Bangu”, “Bangu Gigante” e “Bangu Campeão”. No Tribunal de Justiça Desportiva, defendendo seu clube, venceu onze processos contra uma gama de juristas que não encontravam no texto legal uma forma de contrariar a lógica banguense de Juarez, o chefe da torcida. A camisa do Bangu, o escudo no peito, a fivela do cinto e as meias alvirubras são seus companheiros inseparáveis. Ele era inspetor de seguros e, um dia, o diretor da empresa, Augusto Frederico Schmidt (o poeta falecido e que foi vice-presidente do Botafogo), chamou-o:
– Juarez, você vai ter que tirar essa camisa do Bangu. Schmidt referia-se à camisa do clube que Juarez usava (e usa até hoje) por baixo da camisa social. Conversa daqui, conversa de lá, o diretor fechou a questão: a camisa ou o emprego. Juarez ficou com a camisa.
– O Bangu não está no fim. No meio, talvez.
Juarez fala com paixão, enquanto Flamengo e Vasco correm no gramado do Maracanã. A bandeira do Bangu é agitada preguiçosamente. É a única em todo o estádio. Sua voz não está rouca. Ele não grita uma única vez. O motivo que lhe arranca os gritos não está ali.
O Bangu não está jogando. Está proibido de entrar no Maracanã até o ano que vem. Quando saiu do Campeonato também perdeu a vez no Robertão.
– O Bangu não está no fim. No meio, talvez.
– Mexam no Bangu e vocês verão a força que ele tem.
O desalento de Juarez, o que sofre na arquibancada. A confiança do patrono Guilherme da Silveira Filho, o que manda no clube.
O Bangu vive na paixão dos dois homens, pequeno no sofrimento do torcedor Juarez, grande quando Silveirinha quer.
Fonte: Revista Placar (nº 25: 04 de Setembro de 1970)