Bem antes da chegada de qualquer espetáculo demonstrativo envolvendo equipes de futebol, o jogo já havia se tornado uma das poucas diversões atrás da linha de combate, juntamente com a chance de flanar pelas aldeias em busca de cerveja forte e pommes frites. Independentemente dos esforços dos comandos, sempre capazes de explorar as inúmeras variáveis suscitadas pelo esporte, o futebol parecia estar presente em toda a parte.
Mesmo para aqueles que haviam caído nas mãos dos inimigos, o jogo também podia representar a possibilidade de recriar uma sociabilidade alternativa. Foi o caso dos prisioneiros ingleses de Ruhleben, em Berlim, que chegaram a organizar um campeonato extremamente disputado, contando com um público de mais de mil espectadores em algumas de suas partidas. Em linhas gerais, a mesma situação repetir-se-ia no campo de Mathasusen, onde prisioneiros italianos chegaram a formar inúmeros clubes e até mesmo disputar torneios.
Como é certo que a realidade da 1°Guerra Mundial não poupou ninguém, não se pode esquecer que as baixas entre os futebolistas em combate não foram desprezíveis. Algumas foram lembradas pelos familiares, outras pelos torcedores, outras também pelo Estado. Neste último caso, entre os ingleses, pode ser citado o zagueiro do Bradford, Donald Bell, que recebeu a Uictoria Cross após cair morto em 1916. Já para os franceses, uma perda muito sentida foi a de Charles Bard, logo no início da guerra, em novembro de 1914. No ano seguinte, anunciou-se com destaque a morte de um poilu – expressão genérica para o soldado francês das trincheiras – que se fizera no meio futebolísitco: Charles Simon, fundador do Comitê Francês Interfederal (CFI). Os italianos, por sua vez, lembraram a perda de 26 jogadores da Internazionale e mais da metade do time da Udinese, número semelhante que perdeu o Hellas, de Verona, enquanto os torcedores da Juventus homenagearam o sacrifício de Enrico Canfari, o primeiro presidente da equipe, morto no conflito. Quanto ao 17°de Middlesex, foram necessários apenas poucos meses de batalha para que suas lendárias performances se transformassem em uma tênue lembrança de soldados do front. De duzentos jogadores que haviam passado pelo batalhão antes do combate, restavam apenas cerca de trinta quando, em fevereiro de 1918, Os Extremados foram finalmente desmobilizados.
Experiências como essas nos levam a pensar o quanto as referências do universo futebolístico estiveram presentes durante todo o conflito, possibilitando ao soldado a inserção permanente no esporte, como jogador, espectador ou simplesmente ouvinte.
Neste sentido, poucos relatos são mais fascinantes do que a prática inaugurada pelo 1° Batalhão do 18° Regimento de Londres, servindo em Loos, em 1915. Ninguém sabe ao certo de quem partiu a idéia, mas esta consistia em atacar os alemães a partir de uma bola chutada em direção à trincheira inimiga.
A prática, apesar de arriscada, parecia magnetizar os soldados e logo os relatos se multiplicaram. Vencendo distâncias, em pouco tempo, a “manobra” havia sido levada para Gallipoli, onde tropas inglesas e australianas enfrentaram os turcos.
A notoriedade desta ofensiva ficou registrada de fato na Batalha do Somme, em 1916, um dos embates mais cruciais da Grande Guerra. Na “preleção” para o combate, o capitão W. P. Nevill, comandante do 8°East Surreys, apresentou a seus homens quatro bolas de couro, uma para cada batalhão que comandava, anunciando um prêmio para a primeira divisão que cruzasse a linha gérmânica.
Apesar de toda a expectativa que cercava a ação, o próprio capitão estaria entre os 600 soldados ingleses que foram mortos no primeiro dia de luta em Somme.
Fonte:Vencer ou Morrer,Gilberto Agostino