Domingo, 25 de Novembro de 2007, são 17 horas e 52 minutos, o Estádio Otávio Mangabeira (A Fonte Nova) fervilha com mais de 60.000 pessoas que vão ao delírio com o empate de 0 a 0 entre Bahia e Vila Nova/GO pelo octogonal da Serie C, o resultado garante o tricolor da boa terra na segunda divisão após amargar dois anos na terceira divisão do nosso futebol, a festa é grande afinal é o primeiro acesso no campo do Bahia, naquele exato momento num determinado setor do estádio, o chão se rompe e dez (10) pessoas desabam de uma altura de mais de quinze (15) metros, sete delas morrem. É a maior tragédia do futebol brasileiro em todos os tempos, o jogo ainda rolava eram mais ou menos 33 ou 35 minutos do segundo tempo quando se deu ocorrência, eu mesmo somente soube do acidente após o apito final, quando as rádios começaram a noticiar, estava em casa com minha noiva que desejava ir ao jogo pois nunca havia levado ela para um jogo de futebol, o local da tragédia era um dos locais que eu ficava quando ia a Fonte Nova.
Inaugurada em 28 de Janeiro de 1951 com um torneiro que teve o seu primeiro gol marcado por Nelson do Botafogo/BA no jogo contra o Guarany/BA em um empate por 1 a 1 e como o seu primeiro campeão o Bahia deste mesmo torneio quando derrotou na final o Ypiranga por 3 a 2, um grande estádio era o sonho dos governantes baianos desde 1939 quando Landulfo Alves governador lançou a idéia após ver o crescimento pelo gosto do futebol no estado principalmente na cidade de Salvador, já que o Campo da Graça era acanhado e sem muito conforto e as delegações de outros estados reclamavam muitos das acomodações do Estádio da Graça como era conhecido “O Campo da Graça” em 1947 o então governador Otavio Mangabeira finca a primeira estaca do tão sonhado grande estádio para a Salvador e a Bahia. O local escolhido foi nos arredores do Dique do Tororó um dos cartões postais da nossa cidade, pertinho da encosta do Jardim Baiano que subindo da no antigo Campo dos Mártires hoje Campo da Pólvora local onde Zuza Ferreira bateu bola pela primeira vez em 1901 e onde o futebol começou a ser jogado na Bahia.
Batizado como Estádio da Bahia, mais tarde passou a se chamar Otavio Mangabeira em homenagem ao governante que construiu a praça esportiva, no inicio era apenas um cercado com um lance de arquibancada para 20.000 pessoas, ao longo dos anos de 1951, 1952 e 1953 se deu terminada as obras e com uma forma de “ferradura”estava pronto um grande Estádio para uma grande cidade que na época tinha uma população de quase 450.000 habitantes, carinhosamente chamada de Fonte Nova pelos torcedores e radialistas da época por também ficar perto da Ladeira da Fonte das Pedras, local onde lavadeiras lavavam para ganhos e os pedestres paravam para se refrescar com um gole da água que brotava da antiga fonte. Logo os jogos passaram a ter mais entusiasmos pois com uma capacidade para 40.000 embora nem sempre esteve lotado mais o publico aumentava a medida que mais times de fora passaram a vir com mais freqüências para Salvador inclusive times do Sul como o Internacional/RS, Grêmio, Coritiba.
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Por aqui desde a sua inauguração muitos fatos marcantes se deram aqui na velha Fonte, craques como Pelé, Garrincha, Quarentinha, Pepe, Almir Pernambuquinho, Dida, Evaristo de Macedo, craques locais como Marito, Mario do Bahia, Antonio Mario e Pequeno do Ypiranga, Zague do Botafogo, Salvador do Vitória na primeira década da sua inauguração e o inicio de muitas alegrias e tristezas do nosso futebol. O publico baiano delirou em 1957 quando o Bahia goleou o Rosário Central da Argentina por 3 a 0 e o Benfica de Portugal por 4 a 1, o Bahia nesta partida atuou com um time jovem que tinha Biriba e Rui em noite inspirada no chamado time “Juventude Transviada”, em 1959 o delirio maior do então maior publico presente em um jogo de futebol no estado quando o Bahia derrota o Vasco por 1 a 0 e se classifica para a final da primeira Taça Brasil com mais de 40.000 pagantes.
A primeira grande decepção foi quando Pelé no mesmo ano de 1959 adiou o sonho de ser campeão da Taça Brasil quando o Rei marcou os dois gols da vitória santista e levou a final para uma terceira partida. Fonte Nova foi nela que a rivalidade entre Bahia e Vitória cresceu quando o Vitória ganhou o campeonato baiano de 1953, 1955 e 1957, lá o Bahia se sagrou o primeiro tetra campeão baiano e o primeiro penta, depois hexa e hepta na década de 70. Na velha Fonte na década de 60 se assistiu cinco times diferentes dar a volta olímpica nos campeonatos baianos: Bahia, Fluminense de Feira, Leônico, Galicia e Vitória, nela pela primeira vez tivemos um jogo de Taça Libertadores no Brasil quando o Bahia enfrentou e derrotou o San Lorenzo por 3 a 2, o Rei Pelé quase marcou o milésimo gol no seu gol do dique do Tororó.
Durante os anos de 1969 e 1970 o estádio passou por uma reforma para ampliação com a construção do anel superior e aumentando a sua capacidade para mais de 90.000 pessoas, em 04.03.1971, com ampliação de mais um anel, aumentando a capacidade de torcedores – cujos dados (oficiais) de vítimas é de 2 mortos e 2086 feridos. Em uma época em que os impactos da tragédia teriam que ser minimizados, pois estava em jogo a propaganda oficial do Regime Militar (contando com os elementos do futebol como instrumento de manipulação social), a imagem administrativa do governo de Luís Viana Filho (pois esta obra serviria como cartão postal em consultas futuras sobre sua gestão), além dos próprios anseios da imprensa em aproveitar a estrutura colossal do estádio (o 4º maior do país na época) para tentar alavancar o futebol baiano. Neste dia um publico de 94.932 pessoas estavam presentes para ver Bahia e Flamengo e Vitória e Grêmio.
Em 1971 Zico faz seu primeiro gol como profissional do Flamengo no empate contra o Bahia em 1 a 1, neste período da década de 70 desfilaram por aqui Zico, Rivelino, Edu, Tostão, Clodoaldo, Andrada, Douglas, Osni, Mario Sergio, André Catimba, Eliseu, Fischer, Jairzinho, Gerson, Paulo César Caju. Tristezas de uns e alegrias de outros em grandes finais o Vitória viu escorrer pelas mãos os títulos de 1974, 1976 e 1979 quando tinha um time melhor e mais técnico foi a vez de Piolho, Beijoca e Fito causarem alegria e dor ao mesmo tempo, alias Beijoca fez de tudo na Fonte Nova alem de gols e não foram poucos tanto pelo Bahia mais também pela Catuense e Vitória, em 1984 o “Trator do Fazendão” deu fim a um tabu de 29 anos do Bahia contra o Atlético/MG ao marcar os dois gols da heróica vitória tricolor, em 1980 a Fonte voltou a se vestir de vermelho e preto com o Vitória voltando a ser campeão baiano.
Na primeira parte da década de 80 tivemos aqui dos grandes goleadores um em cada lado Dario o Rei Dada o Dada Maravilha no Bahia em 81/82 e o nigeriano Ricky no Vitória em 84/85 ambos deixaram saudades, na segunda metade da desta década vimos a ” elegância sutil de Bobô e Charles o anjo 45” Cláudio Adão e o Bahia se sagrando campeão brasileiro em 1988. Tivemos duas decepções com a Seleção Brasileira: uma em 1983 na Final da Copa América 1 a 1 com o Uruguai e festa caudilha, e em 1989 quando o Brasil não teve o apoio na primeira fase da competição do torcedor baiano pelo corte de Charles que defendia o Bahia nestes períodos passaram por aqui craques do quilate de Sócrates, Falcão, Junior, Bebeto, Romário, Renato Gaúcho, Leandro, Eder, Careca e Mauro Galvão. Esta década marca muito para mim minha identidade com o estádio, primeiro por ter sido gandula em muitos jogos, como a final da Copa América de 1983, na véspera no treino de reconhecimento dos uruguaios eu bati 3 penaltis na meta estava Rodolfo Rodriguez, no final do treino é claro, no dia 20 de setembro de 1985, pela primeira vez pisei no gramado como jogador juvenil do Bahia na preliminar vencemos o Vitória por 3 a 1 e eu entrei aos 31 minutos do segundo tempo e no dia 02 de março de 1986 marquei meu primeiro gol na Fonte Nova na preliminar de Bahia e Ypiranga, aliás primeiro e único gol no estádio que eu fiz.
A década de 90 marcou uma nova era no nosso futebol, inclusive com o Vitória dando as cartas e tendo o seu estádio o Barradão para rivalizar com a Fonte Nova, vimos o rubro negro vencer o campeonato de 92 com facilidade inclusive vencendo um Ba-Vi com 9 jogadores contra 11 do Bahia, houve mais duas grandes tristezas do Vitória a perda para o Paraná o titulo da segundona em 92 e o titulo de 1994 do baiano com o gol de Raudinei aos 44º do segundo tempo, estas foram as ultimas catástrofes que a torcida do Vitória passou no estádio, em 1995 tivemos a volta da seleção brasileira num jogo contra o Uruguai, tivemos o surgimento de dois grandes jogadores: Ronaldo Fenômeno em 1993 num jogo que o Cruzeiro venceu o Bahia por 3 a 1, ele entrou no segundo tempo e marcou o terceiro gol azulino, em 1994 Amoroso pelo Guarani acabou com a defesa do Bahia na vitória bugrina por 2 a 0. A tristeza tricolor com o rebaixamento em 1997, as falhas do goleiro Alex Guimarães na reta final da segundona em 1999, neste mesmo ano vimos a Holanda de Kluivert, Davids, Seedorf, Van Nistelrooy, Frank de Bôer e Van der Sar, pelo Brasil, Rivaldo, Roberto Carlos, Denílson e Aldair.
No novo milênio tivemos o Bahia em 2001 campeão do Campeonato do Nordeste vencendo o Sport por 3 a 1, duas grandes goleadas tricolor em 2002 10 a 2 no Confiança pelo Campeonato do Nordeste e 10 a 1 no Camaçariense em 2005 pelo Campeonato Baiano com Viola marcando 4 gols, a humilhação de ser rebaixado em casa novamente e de forma cruel pelo Cruzeiro 7 a 0, decepção na segundona de 2004 na derrota pra o Brasiliense, em 2005 crise com o rebaixamento para a terceira divisão em 2006 as tragédias voltam infelizmente; eram jogados 21min do segundo tempo do confronto com o Ipatinga-MG (vitória mineira por 2 a 0), pela Série C do Campeonato Brasileiro, parte dos torcedores do time tricolor começou a quebrar a arquibancada e atirar pedras no campo. Em seguida invadiu o gramado e agredir os atletas.
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Segundo o Major Ricardo, responsável pelo policiamento no estádio, o ato de vandalismo dos tricolores começou logo após o Ipatinga ter marcado o segundo gol (com Luizinho Paulista, autor também do primeiro). Preocupado com as proporções que o incidente poderia tomar (muitas pessoas ficaram feridas), o policial militar, em conjunto com o trio de arbitragem, decidiu encerrar o jogo. Depois disso, várias ambulâncias entraram no gramado para socorrer os inúmeros feridos. Três pessoas envolvidas no tumulto foram detidas.
Antes da confusão, o lateral-direito Dadico se chocou com outro jogador e sofreu um traumatismo craniano, deixando o local inconsciente, após este episodio trágico á Fonte Nova foi interditada pela CBF e o Bahia foi jogar em Feira de Santana, a Sudesb órgão que controla e cuida do estádio fez pequenas melhoras mais laudos do CREA/BA apontavam falhas e o prenuncio de uma nova tragédia foi dado, tanto que no inicio de 2007 o estádio só tinha sido liberado a parte de inferior, com o inicio da serie C e a medida que o torcedor do Bahia ia ganhando confiança no time a cada rodada o publico aumentava até atingir uma media de mais de 40.000 por jogo daí a FBF solicitou a Sudesb a pedido do Bahia a liberação do anel superior o que foi feito.
Segundo o laudo do CREA: O estádio apresenta em toda a sua extensão áreas com ferragens expostas, além de tubulações enferrujadas e umidades nas estruturas. Existe uma infiltração acentuada localizada do lado direito da Tribuna de Imprensa. Observamos que em alguns pontos onde fica a arquibancada existem algumas tubulações que são recobertas com cimentos e pregos, para evitar que os torcedores subam para o piso superior, esse método deve ser evitado pois podem causar ferimentos nos mesmos. O piso, em alguns setores encontra-se irregular e sem revestimento, formos informados que esse piso está sendo reparado para posterior colocação do piso de Granito.”
Um relatório apresentado pelo Sinaenco (Sindicato de Arquitetura e Engenharia) já apontava o estádio de Salvador como o pior entre os 29 visitados pelos integrantes da entidade. Segundo a delegada que investiga o caso, o inquérito que apura os responsáveis será concluído até o final do ano.
De nada adiantaram os laudos os avisos, o estádio todo foi liberado, sua carga máxima de 60.000 ingressos era colocada em todos os jogos do Bahia apartir da terceira fase da serie C, a Fonte Nova que em outras épocas receberam os 110.438 semifinal de 1988 entre Bahia e Fluminense/RJ, 95.000 na final do Campeonato Baiano de 1994, 91.000 no primeiro jogo da final de 1988 Bahia e Inter/RS, tinha agora sua capacidade reduzida para apenas 60.000 e tinha torcedor do Bahia que lamentava muitos diziam que era para o Bahia não ter mais públicos em seus jogos na serie C do que Flamengo e Corinthians na seria A, bizarra ignorância e sim ganância de dirigentes.
Aquele 25 de Novembro de 2007, aqueles momentos de alegria de muitos se tornaram a tristeza e dor de poucos, Ao final da partida, os torcedores teriam iniciado um tumulto para comemorar o resultado do jogo. Houve invasão do campo e os jogadores precisaram correr para os vestiários. Placas e bancos também foram arrancados.
Enquanto havia euforia de muitos, do lado de fora dor e revolta o sofrimento das famílias pela perda de seus entes queridos chocaram e chocam ate hoje, Cinco pessoas chegaram a ser acusadas pelo acidente, mas apenas o superintendente de Desportos do Estado, Raimundo Nonato, o ‘Bobô’, e o diretor de operações, Nilo dos Santos Junior, foram indiciados.
Vítimas Fatais
· Márcia Santos Cruz, 27 anos;
· Jadson Celestino Araújo Silva, 25 anos;
· Milena Vasquez Palmeira, 27 anos;
· Djalma Lima Santos, 31 anos;
· Anísio Marques Neto, 27 anos;
· Nidia Andrade Santos, 24 anos;
· Joselito Lima Jr, 26 anos.
Hoje se completa um ano desta tragédia que é a maior acontecida no Brasil num estádio de Futebol, aqui no nosso país é costume “é fechar a porta depois de roubado” quem perdeu a vida não pode mais reclamar e seus familiares que sofrem, o espaço físico o estádio será reformado, certamente ninguém pagará por isso, indenização somente a do seguro torcedor, se falou em pensão do estado mais não saiu do papel, já foi definido até um novo projeto para a construção de um novo estádio no mesmo local já que o atual não atende as exigências da FIFA para o mundial de 2014.
Esperamos pelo menos que esta tenha sido a ultima e que não se ocorra mais negligencias que os homens dos poderes públicos tomem vergonha na cara e aprendam pois todos temos de apreender em vitórias e em derrotas e que a vida humana não é uma brincadeira.
Fontes: Texto: Galdino Silva
Pesquisas: globo.com e portalibahia.com.br
Muito boa a foto aerea da Fonte Nova…