O Torneio do almirante
Na década de 70, com um misto de “milagre econômico” e repressão, os generais do Brasil estenderam seu domínio para todos os domínios da vida social. Chegaram até no futebol! Em 1974, para eliminar a influência de João Havelange colocaram o presidente da ARENA-RJ na CBD. Nada menos do que o almirante Heleno Nunes. Foi uma verdadeira intervenção no esporte, e sob a sua gestão a entidade se encheu de políticos e bateu o Recorde de maracutaias. O próprio Campeonato Brasileiro passou a ser moeda de troca política. Ei vivi e militei nesta época, quando dizíamos “onde a ARENA ia mal, um clube no nacional”.
Mostro aqui a progressão da aritmética político-militar no Campeonato Brasileiro ano a ano, e que se acentua nos anos eleitorais.
1971 – 20 clubes
1972 – 26 clubes (eleições municipais)
1973 – 40 clubes
1974 – 40 clubes (eleições estaduais)
1975 – 40 clubes
1976 – 545 clubes (eleições municipais)
1977 – 62 clubes
1978 – 74 clubes (eleições estaduais)
1979 – 94 clubes
Durante o mandato do almirante Heleno Nunes (1974-1980) a CBD enfrentou duas copas do mundo perdendo as duas, porém, declarou a seleção brasileira de 1978 “campeã moral”. Nestas ocasiões efetivaria o capitão Cláudio Coutinho como preparador físico (1974) e técnico (1978) da seleção. O almirante, como era chamado, metia seu bedelho em todo e qualquer assunto do esporte. Seria de sua lavra a ameaça de corte do atacante Reinaldo da seleção brasileira após entrevista dada ao jornal Movimento de oposição, só revertida graças a pressões, como a ação do presidente do Clube Atlético Mineiro ao qual o jogador pertencia.
Torcedor confesso do Vasco da Grama seria um dos responsáveis pela doação ao clube do centro de treinamento que leva o seu nome. Por coincidência os cruzmaltinos quase ganham o torneio que levou seu nome em 1984. Os desmandos do almirante á frente da CBD foram tão grandes que se tornou o último presidente da entidade, não havendo outro jeito que criar a atual CBF.
Bem, foi a um dirigente com todo este “currículo esportivo” é que se escolheu dar o nome do torneio realizado entre abril e maio de 1984. Isso dá pra ver o puxa-saquismo, quero dizer o reconhecimento, dos nossos dirigentes esportivos. Imaginem que estávamos em plena campanha das Diretas Já, quando queríamos eleger diretamente o presidente do Brasil e foram buscar este personagem autoritário da era Geisel para dar o nome do torneio.
Mas vamos ver porque o torneio foi criado. No início dos anos 80 a recém-criada CBF fazia todo tipo de artimanha política para contentar os grandes clubes do Rio e São Paulo que não aceitavam o cipoal que havia se transformado o Campeonato Brasileiro na era Heleno Nunes. Durante o governo Figueiredo se conseguiu reduzir mais da metade dos clubes do certame. No entanto, o costume do cachimbo tinha feito à boca ficar torta, tendo que fazer uma série de concessões políticas para acomodar os interesses.
Em 1984, ano que inventaram esse torneio, o regulamento era uma confusão só. Vejam se consegue acompanhar! Havia uma primeira fase, com oito grupos, que classificava 24 clubes. Os quartos colocados dos grupos disputavam uma “repescagem” para voltar ao campeonato! Tinha também uma segunda fase, com mais oito grupos que classificava dois clubes.
Está conseguindo acompanhar? Então vamos lá! Depois desta frase sobraram 16 clubes sem fazer nada! E os outros 16 disputariam uma “fase final” (que de final não tinha nada). Então, se disputava as “quartas de final”, as “semifinais”, e, somente aí, a final. Ufa!
O “Torneio” Heleno Nunes não foi nada mais que um “caça-níquel” criado para livrar a cara dos clubes que foram eliminados na segunda fase. Desta vez não pude reclamar que o EC Vitória não foi incluído. Meu clube tinha sido rebaixado em 1982 e iria ficar de fora do campeonato por três anos, só voltando em 1986. No entanto, participaram do torneio muita gente boa. Tinha Atlético Mineiro, Botafogo, Cruzeiro, Guarani, Internacional, Palmeiras, São Paulo, Sport, Santa Cruz e o Bahia. O público, porém percebeu que o torneio era um “cala boca” a esses clubes e praticamente ignorou o certame.
Para se ter uma ideia a grande maioria dos jogos tiveram entre mil e seis mil pagantes. Só houve, efetivamente, dois jogos com presença substancial, o clássico Palmeiras 1 X 0 Corinthians, com 55.000 pessoas, e Inter 1 X 1 Palmeiras, com 19 mil. Na própria Fonte Nova, dos torcedores que adoram o futebol, a presença foi insignificante. Para se ter uma ideia do desprestigio de tal torneio basta lembrar que a média de público na Fonte Nova naquele campeonato havia sido de 22.000 pagantes.
O primeiro jogo do Bahia, em 15 de abril, dia do aniversário do meu irmão “Toínho”, foi assistido por dois mil e seiscentos pagantes. Pra você ter uma ideia agente lá em casa nem ligou o rádio ocupados em comer os petiscos que minha mãe havia preparado. Na oportunidade, porém, o tricolor colheria uma expressiva vitória de dois a um, contra o bom time do Internacional que seria o campeão.
Mas durou pouco a alegria da torcida tricolor, pois, dois dias depois, o time “meteria os pés pelas mãos” perdendo para o Sport na Fonte Nova para um público ainda menor. O pior foi tomar dois gols nos últimos minutos, o que viraria praxe neste torneio. Logo no dia do meu aniversário é que o tricolor acharia de retomar o caminho da vitória, ganhando do Guarani pelo mesmo escore. Desculpem não poder falar nada do jogo, pois completava 36 anos naquele dia. Ah que saudade! Sei, porém, que o público diminuía cada vez mais. Se o Bahia estivesse pior imaginava-se o dia em que não houvesse mais ninguém nas arquibancadas. O povo mostrava que não queria nada com o almirante!
Cinco dias depois mais o grande público de quatro mil pagantes veria o empate sem gols entre Bahia e Botafogo. O esquadrão de aço depois viajaria para Belo Horizonte onde enfrentaria o Atlético Mineiro no Dia do Trabalhador. Eu estava organizando a manifestação no Campo Grande quando soube do gol de Robson que asseguraria a vitória sensacional do tricolor pelo escore mínimo. O resultado impressionou os tricolores que compareceram em massa… de cinco mil torcedores para ver o clube empatar com o Palmeiras, novamente sem gols. O próximo adversário seria o São Paulo e o resultado seria outro empate, com o gol paulista feito por Paulo Cesar ao apagar das luzes.
Até então o Bahia estava “pau a pau” com o Inter. E o jogo contra o Cruzeiro tinha praticamente o caráter de decisão. Esse eu assisti pelo rádio! O primeiro tempo foi muito disputado e, embora o Bahia pressionasse, terminou sem gols. Logo no início do segundo tempo, porém, Tostão inauguraria o placar pra nossa satisfação. No entanto Osny empataria quase imediatamente e, aos gritos de quatro mil torcedores, o tricolor chegaria a “virada” com Carlinhos, apenas seis minutos depois. O time então passou a administrar o jogo tentando garantir o resultado, mas tomaria um gol de Ademar no último minuto. Enquanto o Bahia empatava o Inter dava de quatro no Sport, e em Recife!
O torneio agora estava nas mãos do Santa Cruz que enfrentaria os dois clubes melhores colocados em sequencia. Mas o Inter nem daria trela pro Bahia derrotando o tricolor do Arruda e transformando o jogo seguinte na Fonte Nova em partida para “marcar tabela”. Carlinhos marcaria para o Bahia e, no segundo tempo, o Santa empataria. Foi assim que o Bahia deu adeus ao torneio do almirante. As partidas que o tricolor deixaria empatar no final acabariam por lhe tirar um título ganho pelos colorados.
A classificação final deu Inter em primeiro com onze pontos e Bahia em segundo com nove. O resto dos times empataria nos oito e nos sete pontos, sendo que o Sport seguraria a lanterna pela pior campanha. Nesse ano o clube foi tetracampeão gaúcho, e ganhou também o Torneio de Glasgow e a Copa Kirin em Tóquio. O time gaúcho fez uma campanha impecável. Foram ao todo quatro vitórias, quatro empates e uma derrota, aqui na Fonte Nova. Fez quinze gols e tomou sete.
Lembro-me de alguns de seus jogadores, o goleiro Mano, o zagueiro Mauro Galvão, o volante Dunga, o atacante Silvinho, e o inesquecível Mário Sérgio, campeão como jogador e como técnico do EC Vitória. Foi um torneio nacional, que embora com um nome lúgubre, poderia ter entrado na cota dos baianos.
• Agradeço as informações de Monique Cardone e Euclides Couto, dos sites do Internacional, Bola na área, Wikipédia, Futipédia. globo, das revistas de História da Biblioteca Nacional e de História do esporte, e dos blogs cartanamanga. blogspot.com e RSSSF Brasil.