O ex-governador da Bahia e presidente da UDN Octávio Mangabeira tinha razão. Acho que foi por causa da Fonte Nova que ele disse:
– Pense num absurdo. Na Bahia tem precedente!
Pois é. No estádio que leva o seu nome já aconteceu de tudo. Esta história é sobre um caso que deve ser único: faltar luz em decisão de campeonato. E foi a apenas vinte anos atrás.
Estávamos no último ano da década de 80, e este começaria com expectativas com o governo Collor. Esse, antes de assumir, viajava pela Europa pedindo apoio para as (péssimas) mudanças que faria no Brasil. Na época nos encheu de alegria a libertação de Nelson Mandela na África do Sul. Logo começam a ser feitos os contatos que o trariam a Salvador.
Foi neste cenário que começou o “campeonato relâmpago” de 1990. É que, em funções do calendário nacional, onde havia desde o ano anterior a Copa Brasil seguido do Campeonato Brasileiro, a FBF inventou um campeonato baiano de quatro meses. Penso que isto deu o golpe de morte em clubes tradicionais que ainda restavam na capital do estado.
Começou logo em janeiro, menos de três meses da decisão do anterior. Desta vez teve só dois turnos e acabaram com este negócio de ir pra final com “ponto zero”. O vencedor de cada turno levava dois pontos e o vice um ponto. O Vitória caiu no grupo “A”, junto com o Galícia, a Catuense, o Serrano e a Jacuipense, esta última promovida da segunda divisão. O custo de vida de Salvador alcança os 100% e o Vitória começa o ano na maior sonolência só se agigantando nas finais do campeonato.
Imaginem que por duas vezes o clube ficou em segundo lugar em seu grupo, fazendo campanhas fracas e deixando a liderança para o Galícia. No primeiro turno só conseguiu ganhar da novata Jacuipense (1 X 0), empatando os jogos contra Galícia (1 X 1), Catuense ((0 X 0) e Serrano (1 X 1)). No segundo turno, perderia logo de saída para o Fluminense (3 X 1) ganharia de Leônico (4 X 0) e, fora, do Itabuna (3 X 0), e empataria com o Atlético (1 X 1). Por causa desta colocação (2º lugar) pegaria “de cara” na semifinal do primeiro turno o Bahia, que levaria o título, sendo eliminado após dois jogos (0 X 0 e 0 X 2).
A posse de Collor é antecedida por uma onda de remarcações que afetam mais tarde a fixação dos índices salários de seu plano prejudicando ainda mais os trabalhadores. Seu governo editaria aquilo que ficou conhecido como o Plano Collor I(Plano de Estabilização Brasil Novo) que estabiliza o cruzeiro, congela preços, depósitos bancários e os saques das cadernetas de poupança. Para isto fecha os bancos por três dias (sem contar o fim de semana) ocasionando uma verdadeira corrida aos caixas eletrônicos. A economia entra em recessão, aos gritos de combate á hiperinflação e ajustes na economia que visariam à modernização do país. As medidas, entretanto, levaram a oposição á defensiva.
Enquanto isto já estava no segundo turno, onde ainda bem que o tricolor também ficou em segundo no seu grupo, ganho pelo Fluminense de Feira de Santana. Mas nas semifinais não deu outra coisa! O Vitória ainda conseguiu eliminar o Fluminense, empatando os dois jogos a zero. O gol só saiu na prorrogação. Foi uma suadeira! Um dia depois de meu aniversário começou a decisão do segundo turno.
Eu só queria este presente, mas não deu, tomamos de novo dois à zero. Quatro dias depois um empate a zero liquidava praticamente nossas esperanças no “bi”. Até os escores se repetiram. Parecia tudo liquidado e o “bi” do Vitória seria mais uma vez adiado. Mas neste ano o EC Bahia faria a façanha de perder o campeonato com dois turnos na mão.
Nesse período, eu estava no meio da mobilização dos órgãos federais atingidos pelas privatizações, assim como dos funcionários demitidos pelo governo do estado. Havia 140.000 servidores julgados “disponíveis”, e só na Rede Ferroviária eram 16.000. Na Bahia eram mais de mil os incluídos na lista. Lembro-me do concorrido ato dos servidores na Praça da Piedade em abril de 1990.
Nesta época ocorre o “racha” da Frente Brasil Popular na Bahia com o fracasso dos entendimentos com a oposição para uma alternativa ao lançamento de ACM nas eleições para governador. O PT ficou com José Sérgio Gabrielli, o PMDB com o ex-governador biônico Roberto Santos, e o PCB, PCdoB e PSB com a “chapa das mulheres” Lídice da Mata, Salete Silva e Bete Wagner, respectivamente para governadora, vice e senadora.
Em maio realizávamos mais um Dia Internacional dos Trabalhadores, que continuava no Campo Grande, sendo feito para os militantes de sempre e das categorias em greve. No outro dia é realizada a passeata conjunta das entidades de educação, que denunciam a situação do ensino também no Dia de Luta pela escola pública na Assembleia Legislativa, seguida de concentração na governadoria.
Foi nesta conjuntura que começou a fase final, em 3 de maio. Imaginem que o Bahia começava com quatro pontos, enquanto o Galícia e o Vitória tinham apenas um. Tinha radialista que fazia a conta que o tricolor só precisaria empatar seis vezes pra levar o caneco. Mas as coisas não ocorreriam bem assim! Eu ainda compareceria á Plenária Nacional da CUT em São Paulo.
O BA-VI foi logo na primeira rodada e se perdêssemos daríamos adeus ao título. Mas o Vitória ganhou pela primeira vez neste ano, por um a zero, não me lembrando de quem foi o gol, pois tive que assisti-lo pelo rádio. No outro jogo o Fluminense detonou as esperanças do Galícia aplicando-lhe 2 X 1 em Feira de Santana. O Galícia, porém “empenaria” a nossa vida empatando a zero no segundo jogo enquanto o Bahia pedia de novo, agora em Feira por 2 X 1. Estava tudo empatado, só o Galícia estava com dois pontos e os outros com quatro. Qual Fênix havíamos voltado das cinzas.
O Bahia, entretanto, decidiu reagir, voltando á liderar sozinho com uma vitória sobre o Galícia por um a zero, enquanto conseguíamos um bom empate a zero em Feira de Santana. Dobraríamos o segundo turno das finais, entretanto, com outra fenomenal vitória contra o tricolor, novamente por um a zero, enquanto os “touros do sertão” ganhavam novamente o Galícia, pelo mesmo placar.
Estava desenhada a nossa disputa contra o Fluminense. E isto se consolidaria na penúltima rodada ao ganharmos o Galícia por um à zero enquanto em Feira os dois tricolores empataram por um a um. O nosso arquirrival assim, estava afastado da disputa do título. Estávamos com nove pontos e o Fluminense com oito, e jogaríamos contra este na Fonte Nova pra decidir o título.
A decisão foi no dia 27 de maio e eu havia me desvencilhado de todos os compromissos políticos pra ir. Foi um jogo “de estudos”, sem que ninguém se arriscasse no primeiro tempo. O Fluminense bem que tentou ir á frente, mas o Vitória administrava bem a vantagem. O primeiro tempo teve poucos lances de gol. As jogadas que pareciam mais perigosas foram bem neutralizadas pelas defesas. A torcida do Vitória neste dia era quase o estádio todo, 62.000 pessoas, e contava o tempo pro jogo acabar pra que pudéssemos obter o sonhado “bi”.
No entanto, uma grande surpresa estava reservada para todos no segundo tempo. Apagaram-se as luzes com o estádio ficando as escuras por vários minutos. Aí o inusitado aconteceu. O Fluminense de Feira resolveu “dar uma de esperto” e abandonou o campo esperando tirar vantagem no “tapetão”.
O estádio estava muito belo com isqueiros, fogueiras e lanternas acesas. Até a luz voltar agente não sabia do estratagema feirense. Nesta hora passamos por momentos de tensão e hilariedade. Acho que a torcida vaiava e xingava o pessoal do Fluminense(chamando-os de fujões) porque não tinha certeza do que ia ocorrer. O campo encheu de radialistas, dirigentes e policiais.
Isso se arrastou até que o juiz paulista Edmundo Lima Filho, passou a contar os quinze minutos regulamentares esperando o Fluminense voltar a campo pra continuar o jogo. Aí a torcida contou o tempo junto. O juiz, no fim da contagem, encerrou o jogo e fez constar na súmula o abandono.
O Vitória conquistava o seu segundo “bi” na Fonte Nova, um quarto de século depois do início do golpe de 64. Entre os novos campeões havia o goleiro Ronaldo, o meia Hugo, e os atacantes André Carpes e Roberto Gaúcho.
Até aquele tempo ainda se permitia a comemoração de alguns torcedores dentro do campo. Lembro-me da vibração com a “volta olímpica” dos jogadores, mas nunca pensei que aquela seria a última vez que vibraria com um título na Fonte Nova. Naquele tempo já havíamos começado a comparecer ao Barradão. Anos antes este tinha sido inaugurado num jogo contra um time estrangeiro, e recentemente um jogo contra o Santos inaugurou a iluminação. No ano que vem começaríamos a fazer alguns jogos do campeonato ali embora demorasse mais algum tempo pra lá ser o nosso mando de campo.
Quanto a mim logo depois da decisão já me inseria nos preparativos da Greve Nacional das categorias em luta, que reunia a CUT, a CGT e a recém-fundada Central Geral dos Trabalhadores. Mas isso é assunto pra outro dia!