Os jogos de Berlim em 1936 constituem a mais emblemática manifestação midiática de massas, seguindo o modelo já inaugurado pelo fascismo e pelo nazismo nas grandes manifestações públicas. Não por acaso, a televisão entrou em cena e o cinema marcou com firmeza a sua posição através das lentes de Leni Riefensthal. Estavam reunidos os componentes marcantes da cultura de massas no século XX. Como afirmou o historiador Peter Reichel, as Olimpíadas de 1936 aparecem, assim, como uma espécie de obra-de-arte total fascista, mistura de consagração nacional com ópera wagneriana, fenômeno quase religioso em sua concepção, que transformava uma competição pacífica entre nações em uma explosão de violência secreta, de terror de Estado e de preparação de corações e mentes para a guerra.
Para a seleção alemã, a competição acabou nas semifinais, ao ser derrotada por 2X0 pela Noruega do técnico Asbojorn Halvorsen, de origem judaica. Pior ainda, o jogador que fez os dois gols noruegueses possuía um nome tipicamente judeu – Isaaksen -, o que irritou ainda mais os dirigentes nazistas.
Corria o dia 7 de agosto, data que ficaria marcada para os dois lados.
Um Hitler “furioso”, segundo o relato de Goebbels, percebendo que os alemães seriam inevitavelmente eliminados, deixou o estádio poucos minutos antes de a partida terminar, estratégia utilizada mais de uma vez diante de um revés olímpico. Ao final da competição, a Itália levou o ouro, para a satisfação de Mussolini, convencido da supremacia dos valores esportivos italianos, marcados pelo racismo e pelo culto da força. Para os alemães, entretanto, pairava a decepção. Na verdade, os nazistas nunca compreenderam, ou aceitaram, a idéia de que o fascínio do futebol estivesse também em sua imprevisibilidade, nos caprichos que subvertiam qualquer plano mais cartesiano. E como em tantas vezes, nestas horas, é necessário encontrar um culpado, os nazistas não demoraram a fazê-lo: o técnico Otto Nerz foi demitido, ainda no vestiário.
Mesmo em meio ao turbilhão em que vivia a Europa, as lembranças do jogo Noruega X Alemanha continuaram presentes. No início da II Guerra Mundial, quando as forças de Hitler começaram a impor uma nova ordem européia, antigos adversários esportivos foram chamados para o acerto de contas com o nazismo. Chegara a hora de Asbojorn Halvorsen ser transportado do campo de concentração em Alsace para Neuengamme, nas proximidades de Hamburgo. A esta altura, aquele que havia sido não só treinador, como um dos maiores jogadores de sua época, pesava apenas quarenta quilos, acometido de tifo, disenteria e desnutrição.
Na Noruega, a vitória contra os nazistas continua a ser lembrada até hoje. O 7 de agosto é celebrado como um dos momentos em que o futebol tornou-se um símbolo de liberdade, representando a soberania da nação diante do inimigo.
Fonte:Vencer ou Morrer,Gilberto Agostino