Protegido: “TARZAN”:O BOTAFOGUENSE ERRANTE


Texto de 1968

Em cipó Tarzan não anda, pois, com sua mão pesada, no Botafogo comanda a torcida organizada.
(Roberto Damasceno Pinto)Bota-fogo é nome dado a provocador de discórdias ou suscitador de rixas. “Bota-fogo” foi também o apelido de criança de Otacílio Batista do Nascimento. E o clube por ele escolhido para ser chefe de sua torcida chama-se, igualmente, Botafogo.
Antes de ir para o colégio, teve ensejo de assistir a um jôgo do Atlético e Vila Nova, vencido por aquêle pelo escore de 3 a 1. Entusiasmado com o desempenho de Guará, integrou a torcida atleticana, passando a acompanhar o campeonato mineiro pelo rádio do colégio, onde quase todos simpatizavam com o Botafogo do Rio. Pelas côres dêste clube e pelo seu apelido de “Bota-fogo”, passou a participar do côro dos adeptos alvinegros.
A primitiva alcunha de “Tarzan”, como foi conhecido, veio-lhe da mania de amarrar um feixe de palha de milho na ponta de um barbante e pedir aos empregados da fazenda do pai lhe ateassem fogo para que êle, agarrado à outra ponta, saísse correndo. Comprazia-se nisso, apreciando as fagulhas e a fumaceira que se desprendiam das palhas, e os saltos de sua crepitante bólide causados pela irregularidade do terreno. À noite, a brincadeira tinha a vantagem de tornar a fagulharia visível em tôda sua intensidade, mas, sendo maior o risco de incêndio, os acendedores, durante o dia, eram mais solícitos, do que se aproveitava ele para multiplicar sua preferida recreação.

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Todos apreciavam o singular entretenimento daquele que, durante tôda a existência, seria ignívomo pelas sucessivas lutas que travou, geralmente em defesa própria ou de outrem. Aquela preferência de sua meninice prognosticaria acentuado pendor por três constantes de sua vida: a mania de correr mundo, as inflamadas lutas corporais e o intenso amor ao Botafogo.

De fato, “Tarzan” foi sempre um andarilho sem rumo. Depois de certa idade, fugiu de casa e iniciou uma verdadeira vida nômade, vagueando por cidades de Minas e São Paulo e Rio de Janeiro.
Desde 1953 acompanha o Botafogo. Sua presença é infalível em tôda e qualquer atividade de seu clube, principalmente nas partidas de futebol. Foi, porém, em 1957 que começou a comparecer aos campos munido de bandeira e fogos de estampido. E tal foi sua atuação, que em pouco o proclamaram chefe da torcida do “Glorioso”, tendo até sido homenageado pelas torcidas do Vasco, em 1957, ao receber um escudo de ouro de seu clube; do América, em 1959, ao ser agraciado com uma flâmula representativa dos dois grêmios; e, finalmente, do Flamengo, em 1962, ocasião em que lhe deram belo quadro de seu time.
Com fogos despendia enormes somas. Ivone Santos, antiga jogadora de basquete, chegou a declarar, em crônica, após descobrir serem as despesas feitas por um camelô, que, se o Botafogo permanecesse muito tempo na liderança, êsse homem por certo iria à falência.

A tal observação, “Tarzan” rematou com outra dêste teor:
– Depois disto, continuei soltando fogos, continuarei fazendo o mesmo, não fali até hoje, nem meu negócio sofreu qualquer abalo. Aquilo que gasto com meu clube recebo, de retôrno, multiplicado, pois mais vale uma satisfação que dinheiro amealhado.
Comumente, discute pela imprensa os problemas do alvinegro, e, por onde anda, outro não é seu assunto. Faz comícios, opina, acusa, elogia e aplaude quando é o caso. Agora mesmo, de volta de nova peregrinação, está indignado com a venda de Arlindo e a conservação de atletas como Didi, Quarentinha e Zagalo. Não poupa o célebre Garrincha, que, em sua opinião, constitui para os jovens péssimo exemplo de profissional.

– Se fôsse dirigente – observa êle com austeridade , vendê-los-ia na primeira ocasião. E, se contasse com fôrça no Conselho Deliberativo, afastaria êsses diretores que há vários anos não deixam os lugares, impedindo o crescimento e expansão do Botafogo. São arcaicos, obedientes a superados métodos e fazem muito mal em não dar vez aos novos. Temos tudo para superar, em qualquer terreno, os coirmãos. No entanto, como vamos, vamos de mal a pior. Tenho, porém, fé em Deus que um dia, ao voltar de minhas viagens, saberei da boa nova da evolução do clube a que dedico descomunal amor. Só êle me faz parar um pouco e para êle e por êle vivo.
No Rio, já homem, continuou o mesmo inveterado lutador,agora contra quantos lhe tentassem embargar as manifestações em prol do Botafogo, quer no campo, onde comparecia com uma charanga e profuso foguetório, quer nas ruas, quando as autoridades agiam violentamente para impedir-lhe as atividades de camelô.

– Se me tratassem bem – esclarece êle – não haveria briga. Porém, sempre dois ou três me atacavam inopinadamente aos murros e pontapés e eu, que não sou saco de pancadas, reagia à altura. Acabava prêso e processado; todavia, não perdi nenhum caso no Fôro : os juízes, invariàvelmente, reconheciam que eu agira em legítima defesa.

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Fonte:Livro Torcedores de Ontem e de Hoje

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