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Ruggeroni Foot-Ball Club – São Paulo (SP): História entre 1911 a 1920
Por: Stenio Ramos
Times de futebol de trajetória fugaz, que passam pela história como cometas, sempre existiram. Há os mais recentes e os que desapareceram quando o futebol ainda não era tão popular no país. Alguns deles, porém, deixaram uma importante contribuição para o desenvolvimento deste esporte como expressão maior da identidade do nosso país. É o caso do Ruggerone, time paulistano de origem italiana, inativo desde o começo do século passado e muito pouco lembrado até hoje. Uma trajetória rápida, com começo, meio e fim.
O Começo
Na década de 1910, o Brasil buscava uma identidade urbana pós-abolição em sua recém-fundada República, e muitos outros povos vinham ao país atrás de uma identidade comum para si, entre eles a colônia italiana, cujos operários povoavam bairros como o Brás e a Barra Funda, em São Paulo. Naquela época, eles já praticavam o futebol, mas o esporte não fazia tanto sucesso quanto outra modalidade, a corrida aérea, uma vez que a aviação era tida como a grande novidade mundial recente.
Após o registro do primeiro vôo da América do Sul em 1909, realizado pelo espanhol de ascendência francesa Dimitri S. de Lavaud sobre o que é hoje a cidade de Osasco, o primeiro aeroclube de São Paulo promoveu no bairro da Móoca, em 24 de dezembro de 1910, uma competição entre dois aviadores italianos que vieram tentar a sorte no Brasil: Eros Ruggerone e Julio Piccolo. Com a queda do avião de Piccolo durante o trajeto de 1km, Ruggerone venceu e tornou-se a maior celebridade da cidade. Os italianos o viam como um homem vitorioso e inspirador, pois fizera sucesso em algo que ainda era considerado muito corajoso para a época.
Do dia para noite, Ruggerone havia se tornado um verdadeiro “phenomeno aereao”.
Algum tempo depois, o aviador voltou a fazer exibições aéreas pela cidade. Segundo o jornal “O Estado de S. Paulo” do dia 11 de janeiro de 1911, a comoção do público foi grande durante o trajeto, que incluiu os bairros Brás, Pari e Largo do Arouche. “Havia gente por toda a parte, até encarapitada sobre os telhados, acenando enthusiasticamente com os lenços”, conta a reportagem, que acompanhou o voo de Ruggerone até a Água Branca, onde aterrissou no campo do Parque Antártica. De lá, retornou à Móoca, completando seu roteiro de bairros paulistanos de origem italiana.
A comoção pela façanha do aviador foi tanta que alguns italianos decidiram criar um time de futebol em sua homenagem, o Ruggerone Foot-Ball Club, que jogava no Parque Antártica com camisas listradas nas cores verde e amarela. A nova equipe tinha a pretensão de unir os italianos de São Paulo da mesma forma que havia feito o aviador, mas esbarrava na dispersão da colônia e no fato de que muitos já tinham seus times locais, como o Minas Gerais FC no Brás/Campos Elíseos e o União Lapa FC no bairro de mesmo nome.
Dessa forma, o clube passou seus primeiros anos jogando apenas na várzea, sem participar de nenhuma competição oficial. O curioso é que uma das rivalidades surgidas na época foi justamente com o Corinthians. Segundo o blog do Elião, do site Lunaticos FC, o Corinthians jogou seis partidas em 1912. A quinta foi contra o Ruggerone, que venceu por 2 a 1, impondo a primeira derrota ao adversário naquele ano. Mordido, o Corinthians pediu revanche e, pouco tempo depois, goleou o Ruggerone por sonoros 6 a 0.
No entanto, quis o destino que aquela rivalidade demorasse a se repetir em competições oficiais. Segundo Ademir Takara, bibliotecário do Centro de Referência do Futebol Brasileiro do Museu do Futebol, o Corinthians se filiou à LPF (Liga Paulista de Foot-Ball) em 1913 para jogar o Campeonato Paulista, enquanto o Ruggerone continuou na várzea.
Três anos depois, a APEA (Associação Paulista de Esportes Atléticos), entidade concorrente formada por clubes de elite que queriam manter as raízes do amadorismo, convidou o recém-fundado Palestra Itália para disputar seu campeonato. Em resposta, a LPF procurou algum time de várzea que representasse a colônia italiana para disputar o campeonato de 1916. Acabou convidando dois, Ruggerone e Ítalo Foot-Ball Club. E assim iniciou-se a vida do Ruggerone em torneios oficiais.
O Meio
O primeiro ano em campeonatos oficiais não foi feliz para nenhum dos times da colônia italiana. O Palestra Itália terminou em penúltimo na liga da APEA, enquanto o Ruggerone não suportou o ritmo extenuante da competição da LPF, uma vez que era preciso conciliar o trabalho com treinos e jogos. Após vitórias contra Germânia (da colônia alemã) e Campos Elíseos entre maio e julho de 1916, a liga começou a marcar jogos quase quinzenais para o clube, que não conseguiu comparecer na maioria deles, perdendo quatro partidas por WO, inclusive contra o Corinthians.
Por causa deste ritmo frenético, vários clubes desistiram do torneio. Corinthians e Ruggerone foram os únicos que disputaram até o fim, mesmo com percalços. O Corinthians foi declarado campeão após sete vitórias em campo, enquanto o Ruggerone ficou em último com duas vitórias, um empate e quatro derrotas. As desistências em massa no campeonato de 1916 enfraqueceram a LPF, que acabou perdendo a briga com a APEA, com quem se fundiu em 1917. Segundo Ademir Takara, entre os clubes da LPF, só Corinthians e S.C. Internacional foram convidados a disputar a 1ª divisão. Para os demais, inclusive o Ruggerone, a APEA criou as inéditas 2ª e 3ª divisões.
Assim, o Ruggerone acabou sendo inscrito na 3ª divisão de 1917, junto a outros clubes que também representavam colônias de imigrantes, caso dos auto-explicativos Itália, Luzitano (que deu origem à Portuguesa) e Japão, este com sede no Bom Retiro. Além deles, também disputaram o torneio Brasil e Fluminense, formados por cariocas do Rio de Janeiro, além do Antarctica, time dos operários da fábrica de cerveja.
Para quem tinha a ambição de ser o grande representante dos italianos em São Paulo, este era um cenário desanimador.
Enquanto isso, o Palestra Itália se fortalecia na 1ª divisão, agora organizada pela APEA, e atraía a colônia italiana a ponto de fazer os melhores “oriundi” de outras equipes trocarem de time para vestir a camisa palestrina. Tanto que, em 1917, aconteceu a primeira transferência oficial de um jogador do Ruggerone para o Palestra Itália. Antônio Picagli trocou a camisa verde e amarela pela verde e branca e ajudou na conquista do vice-campeonato palestrino naquele ano.
Distante do sonhado sucesso no Campeonato Paulista, o Ruggerone decidiu voltar o foco para o interior do estado, se oferecendo para disputar amistosos contra clubes não-inscritos no torneio oficial. A partida mais notória aconteceu em 25 de fevereiro de 1917, quando foi jogar contra o Rio Claro o Troféu Estatueta de Biscuit, patrocinado por José Castellano, dono da fábrica de cigarros Princeza D’Oeste. A vitória por 3 a 1 animou o Rio Claro a desafiar o poderoso Palestra Itália, dois meses depois, no interior paulista. O estádio da cidade lotou, mas o Palestra venceu por 2 a 0. Tal exibição é vista como determinante na expansão do nome do Palestra Itália pelo interior, a ponto de fazer surgir clubes em sua homenagem em cidades como Rio Claro, São Carlos e Ribeirão Preto.
Enquanto isso, o Ruggerone seguia colecionando fracassos…
O Fim
Um alento surgiu em 1919 e 1920, quando o clube foi inscrito na 2ª divisão. Contudo, os resultados não foram bons em nenhum dos torneios, o que acabou enterrando de vez a pretensão de se estabelecer como o legítimo representante da Itália no futebol de São Paulo.
O último registro de uma partida do Ruggerone foi no dia 14 de novembro de 1920, quando o clube marcou uma “negra” (revanche) contra o Rio Claro, na tentativa de vingar a derrota sofrida dois anos antes. O jogo foi novamente na cidade de Rio Claro, e, de novo, o time do interior venceu, desta vez por 2 a 1. O clube então acabou extinto no fim de 1920, sem deixar muitas saudades. No ranking de todos os clubes que jogaram a chamada “era do amadorismo” no Campeonato Paulista, o clube está em penúltimo lugar, na 49ª posição, só perdendo para o Britania AC e para 2 times que se inscreveram, mas não jogaram.
Curiosamente, no mesmo ano de sua extinção, o Palestra Itália mostrou que veio para ficar ao conquistar seu primeiro título paulista, com Picagli, ex-jogador do Ruggerone, entre seus titulares. O destino fez com que dois clubes que começaram tão próximos acabassem trilhando caminhos totalmente diferentes. Um rumo à glória, o outro ao ostracismo.
FONTES: Revista Sportiva – O Estado de S. Paulo – Última Divisão.Com.Br