Receitas e custos do futebol brasileiro – Parte I
Temos aqui um novo estudo da Casual Auditores Independentes, que trabalha no mercado do futebol há anos, agora sobre as receitas e os custos do futebol dos clubes brasileiros em 2009.
Esse estudo engloba 16 clubes que alcançaram uma receita mínima de 10 milhões de reais e que tinham suas demonstrações contábeis disponíveis por ocasião da produção desse trabalho (alguns desses números já foram apresentados no diário Lance, anteriormente; a parte referente às receitas operacionais reais, sem transferências, é criação deste OCE).
Os dados serão apresentados em dois posts, com tabelas e gráficos produzidos pela Casual, cobrindo os seguintes pontos:
– Superávit / (Déficit) – Global;
– Receita total;
– Segregação das receitas;
– Superávit / (Déficit) – Futebol;
– Receitas do futebol;
– Custos do futebol.
Todos os comentários são meus, o que significa, portanto, que erros de avaliação serão de minha autoria.
Há alguns anos venho dizendo que nossos clubes, de maneira geral, têm melhorado suas gestões. Claro, para dizer isso precisamos analisar um período de alguns anos, vendo todo o cenário e não cada clube individualmente, pois analisando um a um os problemas e os erros ganham vulto maior e, inevitavelmente, obscurecem a visão geral. Já no estudo anterior, sobre as dívidas dos clubes, a primeira parte da análise da Casual, falando do quadro geral, terminava com menções positivas a alguns clubes: “Denota-se uma visão profissional, pois, nesses casos, indica que não há preocupação na discussão de qual gestão criou os passivos, mas de clube buscando soluções para toda sua coletividade.“
Apesar disso, esse estudo sobre as dívidas mostra que elas cresceram em vários clubes, em alguns casos por confissões de dívidas do passado, em outros por problemas correntes. Não há, portanto, motivos para grandes comemorações. Vamos, então, à primeira tabela.
Apenas três clubes fecharam suas contas no azul, ou seja, com superávit, em 2009. A grande surpresa foi o superávit alcançado pelo Clube Atlético Paranaense, deixando para trás Corinthians e São Paulo, que também apresentaram resultados superavitários. Desses três, somente Corinthians e São Paulo também foram superavitários em 2008.
A razão de ser de um clube não é o lucro, mesmo porque este, configurado tal como o conhecemos, não existe nos clubes. Em seu lugar temos a figura do superávit ou déficit. Se este não é a razão de ser, ao contrário de uma empresa que existe para gerar lucro – o superávit que é distribuído entre os sócios –, é saudável que haja uma sobrinha no final do exercício. Nem sempre o azul contábil corresponde ao azul cash, o azul-caixa, ou seja, o balanço pode ser lindamente positivo e ainda assim o clube apresentar problemas de caixa (vide, por exemplo, os dois posts recentes sobre o Barcelona).
Vejamos, agora, a tabela mostrando as receitas dos clubes analisados.
Como diz o nome, esses valores correspondem à receita total dos clubes, em todas as áreas de atividades, incluindo a social e eventuais receitas financeiras. Temos aqui alguns crescimentos muito expressivos em termos percentuais, a começar pelo Vasco da Gama, que de 2008 para 2009 pulou de 52.0 para 84.8 milhões de reais, um crescimento de 63%. Tão ou mais impressionante, por partir de uma base maior, o crescimento das receitas do Corinthians: 54%. Não por coincidência, os dois clubes passaram pela Série B recentemente, o time paulista em 2008 e o carioca em 2009. A Série B não tem nenhum revigorante de receitas, mas o choque da queda, inevitavelmente, leva grandes clubes a repensarem e reestruturarem muitas coisas em suas atividades. Nada disso funcionaria,entretanto, se não houvessem torcidas apaixonadas por trás desses feitos. Outro destaque no crescimento percentual de uma temporada para outra é do Atlético Paranaense: 44% de crescimento, apoiado em boa parte no crescimento da receita com transferências, que bateu 22,9 milhões de reais contra 13,3 milhões de reais em 2008.
A próxima tabela mostra um dado interessante. Considerando o conjunto desses 16 clubes, a receita total apresentou um crescimento bastante interessante: 14,7%.
O próximo gráfico (tipo pizza) mostra a divisão das receitas desses 16 clubes.
O maior pedaço da pizza continua sendo a entrada do dinheiro da televisão, com mais de um quarto do valor total arrecadado: 27%. Logo depois, a receita com transferências de atletas, que responde por 21% do total. Mais abaixo vêm as receitas de marketing, aqui consideradas apenas as oriundas de patrocínios e publicidade, com 16%. As áreas sociais, principalmente, e os esportes amadores respondem por 14% da receita total. Um bom item para os clubes crescerem é o próximo: bilheteria, com apenas 12% de participação nas receitas. E, finalmente, outras receitas com 10%.
Seguindo a linha adotada pelos clubes e especialistas europeus em suas análises financeiras, este OCE não considera as receitas de transferências de atletas como operacionais, entendendo que devem ser consideradas à parte ao se abordar o faturamento de um clube. Receita operacional do futebol é aquela gerada pela atração que o time exerce junto a telespectadores e torcedores, junto a anunciantes, revertendo em receitas possíveis de serem planejadas e executadas ano a ano, dentro de um planejamento de médio e longo prazo. Esse planejamento não é possível com transferências, simplesmente. E a finalidade de um time é jogar e conquistar vitórias e títulos, não formar pé-de-obra para negociações.
Aproveito para cumprimentar o Clube Atlético Paranaense, o único (salvo engano) a colocar as receitas e despesas com transferências de atletas numa categoria contábil à parte, fora do item Receitas Operacionais. Um exemplo a ser seguido.
Colocando, portanto, as receitas operacionais sob esse ângulo, ficamos com o seguinte quadro:
Origem da receita | Participação | Participação |
Direitos de TV | 27% | 34% |
Transferências de atletas | 21% | – |
Patrocínio e Publicidade | 16% | 20% |
Social/Amadores | 14% | 18% |
Bilheteria | 12% | 15% |
Outras receitas | 10% | 13% |
Esse novo quadro já mostra uma situação mais preocupante, pois expõe cruamente a forte participação dos direitos de TV para a receita dos clubes: nada menos que 34% do total. Se pensarmos que as receitas de patrocínio e publicidade estão intimamente ligadas à exposição da marca pela televisão, veremos que o peso dessa mídia é enorme. Sua melhor contrapartida seria uma forte receita gerada pela atividade-fim de um clube de futebol: a renda proporcionada pelos jogos, que no Brasil ainda está no estágio “bilheteria”.
Em algum momento vamos evoluir de “bilheteria” para “matchday”, agregando valor à simples venda do ingresso, através do consumo dentro do estádio, todo ele tendo parte da receita direcionada para o clube. Para isso, entretanto, necessitamos estádios melhores e dirigentes que enxerguem o torcedor como consumidor de bens e serviços e não como uma vaca leiteira com a missão de fornecer muito leite e nada recebendo em troca, sequer ração de boa qualidade.
por Emerson Gonçalves | Olhar Crônico Esportivo