Portuguesa, brasileira, acreana e florestana: assim que se define Dalva Ferreira de Sales, aos 88 anos. Gerada em Lisboa – Portugal, ela chegou ao Acre em 1927, ainda na barriga de sua mãe. Filha de portugueses, tem uma história de vida invejável. Uma mulher guerreira em todos os sentidos e que, sem pretensão, tornou-se a primeira mulher a comandar uma equipe no futebol acreano. Dalva Sales além de fundadora, ocupou todos os cargos na diretoria do Floresta Futebol Clube, um time esmeraldino que, por causa da cor, passou também a ser apelidado por “periquito do futebol acreano”. Por tudo isso, ela é reconhecida como a matriarca do time esmeraldino.
RELATOS:
Um certo dia a torcida do Andirá Esporte Clube, também conhecido como time do morcego, era muito metida, mexia com todas as demais, e numa partida decisiva entre as duas equipes, a torcida das meninas do time morcegueiro, ao verem o Floresta entrar em campo, com os jogadores todos de verde, os taxaram de periquitos. Foi o suficiente para passar a procurar entre os vizinhos no bairro quem criava aquela avezinha até juntar juntar 11 unidades do referido animal e no domingo seguinte fazer os atletas do Floresta entrar em campo cada com um periquito no dedo, devolvendo-os depois para a torcida.
“Assim, provamos nos éramos realmente o time periquito, como nos taxaram”
“O Floresta faz parte da minha vida e nunca imaginei me tornar personagem, porém a história nos leva a este caminho. Mas o que fiz foi por amor. São tantas as pessoas que nos ajudaram que se eu for relatar todos não cabe num jornal inteiro”.
“Quando não tinha como comprar o material a gente saía pedindo, batia nas portas dos comerciantes, dos deputados. O importante era o time entrar em campo. Vencer ou perder fazia parte do jogo. O bonito era ver todas aquelas pessoas reunidas, uns jogando, outros torcendo e nos confraternizando. Infelizmente alguém torou esta alegria deste povo, acabando com o time do Floresta e deixando órfão uma gama de pessoas e parte de uma cidade inteira”.
Guarda a primeira bandeira e a primeira camisa do time esmeraldino.
Expressando-se com voz trêmula e, deixando cair lágrima nos olhos a histórica senhora que comandava o time periquito, exibe com orgulho a primeira bandeira medindo apenas 50 centímetro e vestindo a primeira camisa esmeraldina acrescenta: “Tudo começou pelos anos de 1941, 1942. Jogavam sem noção. Colocavam a bola no campo e saíam feito doidos correndo atrás. Depois disso o futebol começou a crescer. Agora em 1966 foi que o time do Floresta foi federado para as disputas da Federação Acreana de Desportos (FAD). O grupo de pessoas que fundou o Floresta Futebol Clube já morreram quase todos. Figuras importantes como: Augustinho, Heitor, Pedrinho da Olga, ele começaram a jogar aqui, depois, foram jogar no Oswaldo. O futebol mesmo nasceu num campo onde hoje é o Via Verde Shopping, no terreno da dona D ilma Leão. Ela era viúva. Era casada com Raimundo Paxiúba. Eles tinham esse lugar. Vendo a aluta daquela juventude ela deu aquele lugar para fazer o campo de futebol”, explica D. Dalva.
Ela foi a primeira presidente de um time no futebol acreano
A primeira mulher dirigente no futebol acreano diz que o começo foi por demais complicado mas tudo era feito com amor. “O Ruela vinha para cá, no bairro Floresta, e patrocinava jogos amistosos, as famosas peladas organizadas, contra times do Papoco ou da Capoeira. O Ruela pagava como prêmio para os meninos sorvetes e picolés. O deputado Taumaturgo vinha e ajudava. Quando um atleta nosso, o Teotônio, quebrou a perna jogando contra o Juventus, ele foi internado por conta do Taumaturgo. Fui na Assembleia pedir ajuda e teve um deputado, não lembro bem o nome, que disse não tenho nem para mim. E eu retranquei: pois eu tenho saúde e amigos e força para pedir. O Darci Fontenelle também nos ajudou. Reinaldo Moreno também ajudou”.
Eu solicitava um jogo de camisa, pedindo a um e a outro. Eu tinha direito a 30 entradas gratuitas, por tudo que a gente fazia. Eu pedia patrulhamento e outras coisas mais para dar segurança a minha equipe. O presidente da Federação de Futebol que mais me ajudou foi o Alberto Zaire. Ele colaborava com incentivo, proteção e apoio, tanto com os jogadores quanto com a torcida.
“Tivemos um empate contra o Juventus, onde fomos roubados pelo juiz”
“Um certo dia o nosso time, depois que tinha disputado a divisão C, subiu para o disputar o estadual e fez uma grande partida contra o então todo poderoso Juventus. O Moacyr Moura era um goleiro que eu gostava muito. Mas morreu e depois veio Moacyr Tranca Rua. Não me lembro o dia, o nosso time colocou 2 a 0 no Juventus, aí a coisa começo a preocupar e o juiz passou a roubar contra nós, até o Juventus empatar. Ave Maria se eles tivessem perdido”, especula.
Conseguimos tudo e acabaram vergonhosamente
Depois de participar do estadual, a partir dos anos 1970, com o esforço de uma gama de pessoas e ajuda de outros, o Floresta Futebol Clube construiu, com muita dedicação de todos, uma bela sede social. Tudo crescia. O clube chegou a vender até 70 caixas de cerveja por noite. Levantaram uma sede que após várias mudanças de diretoria o clube faliu por completo. Para a matriarca do Floresta o responsável pela destruição do Floresta foi o então presidente Martins Bruzugu. “Ele endividou o clube, acabou com tudo e sequer prestou constas. Colocou fim numa história da parte de uma cidade. Sim, porque, toda aquela parte dos bairros, pegando do cemitério e seguindo sentido bairro, era envolvido com o Floresta. Todo este povo ficou desiludido. Ele acabou com a esperança do povo, tirou o time de campo, e deu fim ao patrimônio da agremiação esmeraldina sem prestar contas”, reclama D. Dalva.
Alguns dos jogadores que defenderam o Floresta Futebol Clube:
Abraão, Pingonça, Laureano, Moacir Conde, Marcos Montenegro, Edson Gonçalves, Edson Vieira, Ely Roberto, Dinda, Tarzan, Carlinho Chita, Audicélio, Osmar, Aldemir, Wanderley, Pipa, Eládio, Pixilinga, Borges, Pantinha, Caçarola, Moacir Moura, Pimpão, Azulão, Luiz, Polanco, Regino, Aluízio, Paulo, Ary, Abacate, Erivaldo, Mário, Chiquim Sambudo, João Tibúrcio, Teles, Jurandir, Edgar, Luiz Carlos, Mundoca, Artur, Geraldo, Carlinho, Chico Cuiú, Adãozinho, Jair, Silva, Sobrinho, Cícero, Piaba, Ramirez, Zé Palito, Carlão, Adâozinho, Valtinho, Vidal, Curica, Delegado Barbosa, Carlos Alberto, Louro, Amaral, Teotônio, Evaldo, Elson Barbosa, Timbal, Pelé e outra dezena de jogadores que vestiram a camisa esmeraldina e fizeram parte do time periquito.
Dona Dalva ainda guarda com carinho a primeira bandeira do time esmeraldino
Dona Dalva guarda com carinho a primeira bandeira e a primeira camisa do Floresta Futebol Clube.
Escrito por Raimundo Fernandes.
Disponivel na integra em: http://www.jornalopiniao.net/editorias/esporte/2131-a-primeira-mulher-dirigente-do-futebol-acreano-nasceu-em-1927
Olá, sou Léo Feragom, jornalista e pesquisador do Mangabeira. Teriam a versão do mascote calango desenhado pelo Mangabeira, citado neste texto? Poderia me passar algum contato de alguém que possa ter? Se sim, meu contato é (31) 98599-9889 / jornalista07@yahoo.com.br
Que artigo espetacular! Um belo resgate de uma história que de outra forma ficaria esquecida.
Quantos clubes pelo país não foram fundados por abnegados que o comandaram por anos, vendo seu nome se confundir com a história do clube? Em João Pessoa, o caso mais emblemático era o Santos “de Tereré” Isso mesmo: a referência ao clube não era de bairro nem da cidade, e sim do seu abnegado mantenedor. O clube foi por muito tempo recordista de participações consecutivas no Campeonato Paraibano, quase desde sua fundação em 1954 até seu rebaixamento, em 1992, num total de 39 campeonatos consecutivos, passando incólume pelas crises institucionais e políticas que vez por outra afastavam os grandes campeões (Auto Esporte, Botafogo, Campinense e Treze) do certame. Para se ter uma ideia, o Botafogo só alcançou a marca do Santos em 2012, tendo ultrapassado-na em 2013.
O presidente do Venda Nova Futebol Clube, que está no comando do clube há mais de 20 anos, é meu tio. Nesse meio tempo, o Venda Nova profissionalizou-se, chegou ao Módulo II com uma equipe de juniores quando o negócio de escolinhas de futebol estava apenas começando no país, manteve-se ali por dois anos (1997 e 1998), voltou ao amadorismo e à Copa Itatiaia depois do rebaixamento, retornou mais uma vez ao profissionalismo com o auxílio de um empresário de futebol e hoje retornou mais uma vez ao futebol amador, onde é referência na cidade, a ponto de ter em seu mascote um Calango, idealizado por ninguém menos que Mangabeira.
Além de exemplo de perseverança, Dona Dalva é uma ilha no meio de tantos homens no mundo do futebol, um esporte essencialmente, ainda e infelizmente, masculino.
Parabéns! Ótimo artigo.
Maravilha de Post Cícero Urbanski
Descobrindo mais uma história dos clubes do nosso “imenso” futebol.
Parabéns!!!
Ao ler essa belíssima história contada pela Dona Dalva, fiquei pensando…
Um clube foi construído pelo amor de abnegados, que com muito suor
foram responsáveis pelo crescimento, chegando ao ponto de erguer sede,
campo, etc.
Aí… Após tanto sacrifício, veio um sujeito e destruiu tudo.
A melhor frase para essa história é aquela que diz:
“Para erguer um Edifício de 20 andares demora meses, mas para implodi-lo
bastam alguns segundos”!!
Parabéns meu amigo Cicero por essa história de amor, suor e drama!!
Abração!