Radinho de Pilha

Sempre gostei de futebol. E é tanta essa paixão que acho que até sou meio fanático, a ponto de deixar alguns compromissos familiares de lado, só pra poder ir ao estádio assistir à partida do meu time.

Mas, não é só de futebol que gosto. Gosto também de ouvir rádio. Isso desde criancinha. Não sei porque o rádio sempre me atraiu.

Quando era criança, na minha casa tínhamos um rádio na sala. Era habitual. Todas as casas tinham seu rádio na sala. Mesmo porque não havia ainda televisão. Aliás, minto, já havia. Nós é que não tínhamos dinheiro para comprar uma. Na verdade, poucas eram as famílias que as tinham. Depois a coisa foi ficando mais acessível. Daí a tevê acabou sendo incorporada àquele ambiente. Não para tomar o lugar do rádio, pois esse era insubstituível. Mas sim, para somar. A tevê ficava em um canto e o rádio no ambiente central. Mas não vou aqui falar da rivalidade do rádio e da tevê. Vou é mais falar das minhas paixões pueris, que na verdade continuam até hoje, talvez porque eu ainda não tenha crescido, ou essas paixões cresceram comigo, as duas: futebol e rádio.

E por falar nelas, nas duas paixões, que pensar então, nas duas misturadas: o futebol no rádio. Como me fascinava ouvir no rádio as transmissões das partidas de futebol. Que emoção! Quanta vibração!

Jamais locutor nenhum na tevê conseguirá colocar tanta energia numa transmissão de jogo como nas transmissões do rádio. Mesmo porque, como dizem, uma imagem fala mais que mil palavras. Então, por isso, talvez, o locutor de rádio seja obrigado a falar duas mil palavras para tentar construir na mente do ouvinte a precisão do lance, na precisão do momento da partida. E nesse esforço, eles acabam se tornando insuperáveis!

Ainda me lembro da Copa de 66, aquela fatídica em que o Brasil entrou de salto alto por conta dos dois títulos nas Copas anteriores (58-62). Daquela em que quebraram o rei, Pelé. Daquela em que reinou o príncipe, Euzébio. Daquela em que a Coréia mostrou que não tinha só radinho de pilha. Tinha também futebol. Daquela em que fizeram tudo para o time da rainha ganhar, sobre o time do kaiser. E não deu outra!

Essa foi a primeira Copa que acompanhei. E pelo rádio. Transmissão tecnicamente ruim, cheia de chiado, como se as ondas magnéticas do rádio viessem ao sabor das ondas do mar que atravessa os dois continentes. Mas tudo isso era superado quando “abriam-se as cortinas e começava o espetáculo”. Era o brilhante Fiori Giglioti, o moço nascido em Barra Bonita, mas criado em Lins! Divino Fiori. Entrava em campo com os jogadores. Sentíamos o coração saindo pela boca a cada jogada de ataque do “escrete canarinho”, termo por ele lapidado. Ele lapidava e coloria a transmissão!

Mas essa foi a Copa da frustração. A primeira pra mim, que nem nascido era em 1950, quando, dizem, foi essa a pior de todas!

Mas, “o tempo passa…”, como diria o meu amigo Fiori. E daí veio a Copa de 70. Aquela que não teve pra ninguém e talvez a mais espetacular trajetória de nossa seleção em uma competição. Todos os resultados incontestáveis. E era também a estréia da tevê, ofuscando as transmissões de rádio, na voz das gerais, do Geraldo José de Almeida. É verdade, mas ele veio da escola do rádio, como muitos outros que migraram para a televisão, como o Walter Abrahão, comandando a Equipe 1040 da Tupi.

Tempos outros. O nosso rádio da sala, aos poucos trocou de lugar com a tevê. Ele que era de madeira brilhante, tipo móvel, acabou cedendo seu espaço. E se retirou para um canto da sala. Mas mesmo de canto, ainda era útil. E nessa de ser encostado, teve que inovar. Deixou de ser de válvula, que levava um século para ligar, fazendo-me muitas vezes perder o lance do gol. Incorporou outra tecnologia: a do transistor. Ficou menor. Ganhou mobilidade e outro nome. Era o Spica. Deixou o canto da sala, nos acompanhando para todos os lados, mais ágil em todos os sentidos. Bastava acionar o botão e lá começava ele a tagarelar sem parar, passando todos os lances das partidas, não mais me fazendo perder o lance do gol.

E assim, eu continuei fiel a ele, por todas as partidas dos campeonatos paulistas. E ele nunca me decepcionou. Mandava suas transmissões de todos os cantos. De Ribeirão Preto, a “Califórnia Paulista” ora com o Comercial, ora com o Botafogo. De Piracicaba com o Quinze. De Araraquara, a “Morada do Sol”, com a Ferroviária. De Prudente, com a Prudentina, lógico. De Campinas, com a Ponte e o Guarani. Sempre o Fiori. E só o Fiori, pra criar essas imagens do rádio.

Quantas noites de quarta-feira eu ia pra cama com o meu radinho de pilha, ouvindo as partidas de futebol. E quantas vezes meu pai tinha que tirar o radinho por de baixo do travesseiro para poder desligá-lo, pois quando o jogo era morno ou meu cansaço era grande, que me desculpasse o Fiori. Eu o deixava falando sozinho!

E os anos foram passando. Novos campeonatos. Os torneios Rio – São Paulo, também pelas ondas do rádio. Vieram os primeiros campeonatos brasileiros. Vieram outros locutores criando suas próprias ondas. “Pimba na gorduchinha”, era o Osmar Santos. Talentoso Osmar, que o destino quis que se calasse e passasse a ser ouvinte apenas, como eu. Mas enquanto deu seu recado, falou bonito, criou escola e deixou um irmão, o Oscar Ulysses, que apesar do gene da família, tem seu estilo próprio.

Teve o Joseval Peixoto, nome de cantor, mas um tremendo locutor! E o Zé, também! O José Silvério. Conseguiu o seu espaço. Pinta as transmissões com cores próprias. Ele e outros tantos. Locutores e seus estilos, que vão e que vêm, nas ondas etéreas do rádio.

E com todas idas e vindas, a tevê procura selvagemente atingir as transmissões de rádio. São um, dois, três, trinta canais, livres e pagos. Transmitem várias partidas, de vários campeonatos ao mesmo tempo. Com tudo que é recurso técnico. O slow motion, o replay, o tira-teima, a computação gráfica, as dezoito, vinte e quatro câmeras espalhadas no campo, nos vestiários e corredores, a tomada aérea do dirigível. Tudo, pura covardia!

E o rádio, o radinho, coitado, tem resistido bravamente. E talvez esse seja o seu segredo. Hoje com seu imperceptível tamanho, resoluto, diminuto, consegue se esconder no bolso dos seus fiéis ouvintes, que sempre o acompanharão, atrás das emoções que só ele, com seus vibrantes locutores, sabe passar!
Fonte: São Paulo Minha Cidade

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