Ribeirão-pretanos acostumados com Botafogo e Comercial na então 1ª Divisão do futebol paulista, lembram que jogos como o de hoje não aguçam tanto a rivalidade do torcedor local.
“Bom era quando o Corinthians enfrentava o Comercial e nós íamos a Palma Travassos torcer contra. Ou vice-versa. Botafogo e Palmeiras e os comercialinos engrossavam a torcida palmeirense”, disse o vendedor Afrânio Daniel Teixeira, 54 anos.
Embora torça pelo Palmeiras, disse que não vai ao campo por total desinteresse.
“A minha ligação básica com o futebol é Ribeirão Preto”, afirmou.
Pelé nos visitou 16 anos, para encarar Botafogo e Comercial
Pelé, o atleta do século, durante 16 anos, com raras interrupções, visitou Ribeirão Preto para enfrentar Comercial e Botafogo. Sua primeira aparição foi em 1958, com 18 anos de idade, já campeão mundial na Suécia.
Neste longo período em que esteve entre nós, até sua despedida, em julho de 74, num jogo contra o Comercial, Pelé hospedou-se em apenas dois hotéis.
O primeiro deles foi o Umuarama (depois Bradesco) no centro da cidade, hoje o Vila Real. O segundo, foi o Umuarama Recreio, ao lado da USP.
Pelé era um enigma. Na véspera dos jogos deixava o hotel prometendo regressar logo para uma conversa mais calma com os repórteres de plantão. Não voltava nunca. Ficava com as namoradas.
Pelé era tão profissional, que numa fria noite de junho de 73, ao ser abordado por quatro repórteres, optou por dar entrevista exclusiva a cada um deles. Pelé, no bom sentido, sabia reconhecer a sua importância.
Da Guia, Gerson
Outros grandes craques também estiveram em Ribeirão vários anos seguidos. Ademir da Guia, um dos maiores meias da história do Palmeiras, atraia uma pequena multidão por onde caminhava.
Roberto Rivelino, o gênio do Corinthians, era ídolo dos mais jovens. Onde o Corinthians se hospedasse, estabelecia-se o caos. No começo dos anos 70, o goleiro Ado, campeão do mundo no México, era o preferido das meninas. Numa tarde, recebeu mais de cincoenta bilhetes ardorosos de fãs, levados por repórteres e funcionários do hotel.
Os mais antigos lembram-se de Gilmar, Idário, Roberto, Cláudio. Os de meia idade não se esquecem de Luís Pereira (Palmeiras), Dudu, Edu, César e Leivinha.
Mauro Ramos de Oliveira (Santos) e Gérson (São Paulo) estiveram entre nós, bem como Garrincha e Paulo Borges (Corinthians).
Garrincha fez um jogo melancólico, numa quarta-feira à noite, diante do Comercial, defendendo um combinado carioca.
O grande Garrincha não recebeu aplausos, nem vaias. O que se viu foi uma uma sofrida indiferença. Na noite de terça para quarta, Garrincha dormiu no apartamento 18 do Hotel Brasil, com mais três companheiros, sem jamais perder a tolerância.
Craque-fã
Nesta época, a relação entre torcedor e fã era tímida. Apenas conversa. Autógrafos eram raros. Comércio de camisa de clube não existia. Só a autêntica, usada no jogo, dada espontaneamente. Ninguém arrancava à força a camisa de ninguém.
Quando as delegações ficavam no Umuarama ou Bradesco, o centro “bufava”. O Pingüim e o Lanches Paulista transbordavam. Não havia o Calçadão. O movimento de carro era infernal. Formava-se corso em torno do hotel.
O rádio mandava
No fim dos anos 60 e início dos 70, a televisão engatinhava nas transmissões esportivas. Assistia-se, no máximo, teipes com um ou dois dias de atraso, transmitidos pela TV Cultura, com narração de Valter Abraão e depois Luiz Noriega.
O grande meio de comunicação era o rádio. Radialistas como Pedro Luís, Fiori Giglioti, Haroldo Fernandes, Alfredo Orlando, Mário Moraes, Mauro Pinheiro, Ethel Rodrigues, Victor Moran e Luiz Augusto Maltoni eram tão reverenciados quanto os grandes craques. O rádio em Ribeirão não era diferente. Forte e respeitado, dedicava ao futebol várias horas diárias.
Hotel Brasil
Mas Ribeirão Preto teve outro hotel antológico no que diz respeito à hospedagem de delegações: o Brasil, na avenida Jerônimo Gonçalves com a General Osório. Recebia como hóspedes os times do Interior, chamados “pequenos”. O hotel Aurora, que existe até hoje, igualmente hospedou várias delegações.
Pelos apartamentos e refeitórios do Hotel Brasil passaram craques inesquecíveis. A Ferroviária de Araraquara trazia Bazani, Faustino, Ismael, Pimentel, Baiano, Dirceu, Téia ou Galhardo.
O Guarani desfilava com Dimas, Babá, Beluomini, Nelsinho, Careca, Amaral e Benê.
A Ponte Preta tinha Dicá, Oscar, Valdir Perez, Aníbal, Esnel e Pitico. O XV de Piracicaba trazia o central Fernando, o volante Chicão, Gatão, Osvaldo ou o lendário presidente do clube, o engenheiro Romeu Ítalo Rípoli. Na década de 60, em plena guerra fria União Soviética-Estados Unidos, o XV do presidente Rípoli, disputou quinze amistosos em países da Cortina de Ferro, como Hungria, Iugoslávia e Checoeslováquia. Uma façanha inesquecível.
Mais times
A extinta Prudentina trazia para Ribeirão o goleiro Glauco, o meia Lopes e Ademar Pantera. O Corinthians de Prudente tinha o meia-esquerda Zé Amaro e o lateral Sabirú. O Taubaté vinha com Mazolinha, Teck, Henrique, Almir e Machadinho.
O Noroeste de Bauru podia trazer Toninho Guerreiro, Davi (cunhado de Pelé), o goleiro Julião ou o atacante Baroninho.
A Portuguesa Santista vinha com Samaroni, Clóvis, Aparecido, Pixu, Adelson, Marcos ou Dé. O América de Rio Preto tinha Valtinho, Bertolino, Ambrósio, Cuca e Dirceu.
O “encardido” Juventus atazanava nossos clubes com o central Buzzeto, Lanzoninho, Suingue ou o goleiro Bernardino.
A Portuguesa de Desportos era uma exceção. Hospedava-se no Palace Hotel, ao lado do Pedro II. Jogadores como Djalma Santos, Brandãozinho, Julinho e o central Ditão podiam ser vistos nos bancos da Praça XV.
Muitos dos jogadores citados já morreram. Com eles, o futebol de Ribeirão também morreu um pouco. O Comercial está entre a 3ª e 2ª Divisão há 20 anos. O Botafogo também se apegou à 3ª e 2ª Divisão. E o torcedor está perdendo a identidade com nossos clubes
Jornal A Cidade de RP