Apesar da morte de três de seus pioneiros, a Fifa seguiu a receita da Copa de 1954, na Suíça, para garantir o sucesso do mundial de 1958, na Suécia.
A Suécia foi apontada (provisoriamente) como sede da Copa de 1958 com dez anos de antecedência, no Congresso da Fifa de 1948, em Luxemburgo. A decisão acabou oficializada em 1954, sem contestações, em Zurique, na Suíça.Logo em seguida, porém, três dos grandes pioneiros da Fifa morreram em 7 de outubro de 1955, aos 78 anos, o belga Rodolphe Seeldrayers, que presidia a entidade desde de novembro de 1954. Em 9 de novembro de 1954, aos 72 anos o francês Henri Delaunay e em 16 de outubro, aos 83 anos, o também francês Jules Rimet, seu primeiro presente de 1921 a 1954. Com a morte de Seeldrayers o comando passou para o britânico Arthur Drewry, de 64 anos. E ele, para não correr riscos na organização da primeira copa sob sua gestão, entregou-a ao suíço Ernst Thommen, que havia feito um excelente trabalho no mundial de 1954.
Cada vez mais gente estava convencida de que nossos jogadores eram talentosos, mas nada confiáveis na hora da decisão. As preces pelo surgimento de um craque foram atendidas em 1957, com a entrada em cena de Pelé. Nas cinco primeiras Copas, o Brasil acumulara mais desculpas do que glorias. Em 1930, tínhamos sido representados por uma seleção inferior. Em 1950, estávamos confiantes demais. Em 1934, 1938 e 1954, a culpa foi de juizes mal intencionados. Após a frustração do mundial na Suíça, começou a ganhar corpo a teoria de que nossos jogadores eram talentosos, mas pouco confiáveis, na hora da decisão. Era consenso que havia atletas bons e sérios, mas que os bons não eram muito sérios e os sérios não eram muito bons. Para levantar a taça Jules Rimet, o Brasil precisava de um craque diferenciado. E as preces foram atendidas em 1956, com a entrada em cena de Pelé. Tudo aconteceu muito rápido. No dia 7 de setembro, aos 15 anos e 10 meses, Pelé estreava no time principal do Santos. Em abril de 1957, assinou seu primeiro contrato de profissional com o clube da Vila Belmiro. Nesse mesmo ano foi artilheiro do campeonato paulista com 18 gols de 17 partidas. Em junho, participou de um combinado Vasco-Santos na disputa de um torneio internacional do Rio de Janeiro. Jogou quatro partidas e fez seis gols. Pirilo era o técnico da seleção e o convocou para os jogos do Brasil contra a Argentina. E no dia 7 de julho, no maracanã, Pelé estava no banco e entrou no segundo tempo para marcar o único gol do Brasil na derrota de 2×1 para os argentinos. Nunca mais deixou de ser convocado.
No inicio de 1958, João Havelange escolheu para chefe da delegação brasileira o paulista Paulo Machado de Carvalho, patrono do São Paulo e dono da TV Record. Paulo Machado e Carlos Nascimento foram os responsáveis pelo plano da seleção na Suécia. E tinha mais Paulo Amaral, Dr. Hilton Gosling professor Cavalhares, Mario Américo e a novidade, o dentista Mario Trigo. Só faltava a decisão do técnico. Dois técnicos eram candidatos: Fleitas Solich e Flavio Costa. Mas, o eleito foi Vicente Ítalo Feola. Foi bi campeão paulista em 1948 e 1949. Foi auxiliar de Flavio Costa na Copa de 1950 e atuava nos bastidores do São Paulo quando o técnico era o hungaro Bela Guttman. A indicação provocou irritação entre os jornalistas cariocas que começaram a ter pesadelos com uma seleção somente com paulistas. Mas as intenções de Paulo Machado de Carvalho e Carlos Nascimento eram outras: eles só queriam alguém capaz de se amoldar a um plano e de trabalhar em equipe, duas coisas que provocavam urticária em Flavio Costa.
Conforme o previsto, no dia 7 de abril os 33 convocados escolhidos se apresentaram para exames médicos na Santa Casa de Misericórdia, no Rio. Garrincha e Orlando tiveram que operam as amigdalas. Mas quem teve mais trabalho foi Mario Trigo: todos os jogadores tinham problemas dentários. Mario Trigo e seus ajudantes da faculdade Nacional de Odontologia contabilizaram perto de 500obturações e extrações. No dia 10 de abril, a seleção partiu para Poços de Caldas, em Minas Gerais, onde ficou por 20 dias treinando. E, por sugestão dos jogadores, Mario Trigo foi junto, por sua capacidade de descontrair qualquer ambiente com uma piada. O tempo mostrou que ele ajudava a dar estabilidade emocional aos craques, mais até que o professor Cavalhares. Por falar nele, sua bateria de testes apresentou resultados assustadores: alguns jogadores eram infantis, outros tinham QI baixo e a maioria nem deu bola para aquela coisa de completar figuras ou interpretar rabiscos. O plano de Paulo Machado de carvalho tinha críticos veementes. No Jornal dos Sports, Mario Filho não se cansava de torpedear as invencionices. Ademar Pimenta, técnico da seleção de 1938, batia na mesma tecla em seus comentários na Rádio Mauá do Rio de Janeiro. Em São Paulo, o comentarista da Rádio Tupi, Geraldo Bretas, prometia solenemente nunca mais comentar futebol se o Brasil voltasse campeão, promessa que não foi cumprida.
A comissão técnica que tinha tudo planejado nos mininos detalhes, se esqueceu de fornecer a Fifa os números das camisas dos jogadores. Diz a lenda que o uruguaio Lorenzo Vilizio, membro do comitê organizar da Copa, definiu a numeração por contra própria , sem consultar nenhum dirigente brasileiro. O que realmente ocorreu nunca ficou bem explicado, mas a lista de Vilizio teve erros e acertos incríveis. O mais intrigante foi a concessão do 10 para Pelé. Mais do que um numerólogo por acidente, Vilizio foi profético. Confira os números com que os jogadores brasileiros disputaram a Copa de 1958.
1) Castilho.
2) Belini.
3) Gilmar.
4) Djalma Santos.
5) Dini Sani.
6) Didi.
7) Zagalo.
8) Moacir.
9) Zozimo.
10) Pelé.
11) Garrincha.
12) Nilton Santos.
13) Mauro.
14) De Sordi.
15) Orlando.
16) Oreco.
17) Joel.
18) Mazzola.
19) Zito.
20) Vavá.
21) Dida.
22) Pepe.
Depois de vencer por 4×0, as duas partidas internacionais contra Fiorentina e Internacionale, na Itália, no dia 3 de junho, o Brasil seguiu para Copenhague, na Dinamarca, e de lá, para Gotemburgo, na Suécia. Às 11 horas e 30 minutos, os jogadores pisaram em solo sueco e seguiram direto para a concentração, no Turist Hotel da pequena cidade de Hindas. Cinco dias depois, o Brasil estreou na Copa.
Jogo final –29 de julho de 1958.
Horário: 15 horas.
Brasil 5 x Suécia 2 –Solna Racunda, em Estocolmo.
Gols de Liedholm. Vavá. Vavá no primeiro tempo. Pelé. Zagalo. Pelé e Simonsson no etapa complementar.
Juiz: Maurice Guigue, da França.
Publico: 49.737 torcedores.
Brasil: Gilmar. Djalma Santos e Belini. Zito. Orlando e Nilton Santos. Garrincha. Didi. Vavá. Pelé e Zagalo.
Suécia: Swensson. Bergmark e Axdom. Borjesson. Gustavsson e Parling. Hamrim. Gunnar Green. Simonsson. Liedholn e Skoglund.
Comissão Técnica –
Chefe da delegação: Paulo Machado de Carvalho.
Técnico: Vicente Ítalo Feola.
Supervisor: Carlos Nascimento.
Médico: Dr. Hilton Gosling.
Preparador Fisico: Paulo Amaral.
Psicólogo: Professor Cavalhares.
Dentista: Dr. Mario Trigo.
Massagista: Mario Américo.
Doutor Paulo… Na época, esse titulo era atribuído, por mérito, a médicos e advogados. Mas, por cortesia ou temor, o povo também apelidava de “Doutor” os delegados da policia e os homens ricos. Paulo Machado de Carvalho se enquadrava no último quesito, mas ninguém duvidava que ele assumiria qualquer um dos outros três papéis, se as circunstâncias assim o exigissem. Figura exuberante, o doutor Paulo ria muito, gostava de apertar as bochechas dos jogadores e tinham sempre um conselho na ponta da língua. Nilton Santos afirmou que ele foi o primeiro dirigente a tratar jogador de futebol como gente.
Julinho Botelho, ponta direita da Seleção na Copa de 1954, preparava-se para voltar ao Brasil após quatro anos em Florença. Lá, ajudara a Fiorentina a ganhar o primeiro scudetto de campeão italiano de sua história, em 1956. Julinho chegou a ser convocado para a Copa de 1958, mas recusou alegando que não era justo, jogando njo exterior, tomar o lugar daqueles que estavam atuando no Brasil. Ele chorou quando teve que enfrentar o Brasil em amistoso na Itália antes da Copa na Suécia.
A Argentina foi goleada pela Tchecoslováquia por 6×1 e o retorno da delegação a Buenos Ayres foi precedido por noticias de noitadas e falta de empenho nos treinos. Apesar dos desmentidos de Raul Colombo, presidente da Associação de Futebol da Argentina, uma pequena multidão foi ao aeroporto atirar moedas e pedras nos jogadores. Foi um melancólico fim de carreira para o grande Angel Labruna, craque desde dos anos 40, com nove campeonatos conquistados pelo River Plate e 292 gols assinalados.
Diz a lenda que uma comissão de jogadores – Belini, Nilton Santos e Didi – foi ao técnico Feola exigir a escalação de Garrincha e Pelé. Mas não foi bem assim. Dois dias antes do jogo contra a Rússia, já era dada como certa a estréia de Pelé. Mas ninguém sabia se Garrincha ia jogar. Nos dois primeiros Joel recebera boas notas da imprensa, por seu um ponta moderno que ajudava na marcação. Mas Zagalo já fazia isso pela esquerda. Com a entrada de Zito, um marcador implacável, Feola teve a chance de reforçar o ataque com um ponta autêntico. Ele tinha duas opções: substituir Zagalo por Pepe ou Joel por Garrincha. E ficou com a segunda hipótese. A alteração, decidida num treino secreto na véspera do jogo, foi comunicada a todo o grupo. E o doutor Paulo Machado de Carvalho, como sempre fazia, foi ouvir a opinião dos mais experientes, Belini como capitão, se manifestou a favor e foi apoiado por Didi e Nilton Santos. Dessas conversas informais, após o anuncio oficial, surgiu mais tarde a lenda da rebelião.
Terminada a decisão, os jogadores brasileiros ficaram perfilados no centro do campo para ouvir o hino nacional, com Zagalo e Pelé chorando copiosamente. Em seguida, o Rei Gustavo Adolfo desceu das tribunas e entregou a Taça Jules Rimet para o capitão Belini, em cima de um patamar de madeira. A legião de jornalistas impedia que muitos fotógrafos registrassem o momento – e um deles pediu para Belini levantar o troféu. Belini segurou a taça com as duas mãos e ergueu sobre a cabeça, num gesto que, dali em diante, virou marca registrada de todos os campeões.