O San-São mais famoso de todos
Seria o confronto entre o então campeão mundial Santos — que meses mais tarde conquistaria o bi — contra um São Paulo já com um elenco econômico por causa da construção do Morumbi. Apesar desse elenco econômico, o tricolor terminaria aquele Campeonato Paulista de 1963 com o vice-campeonato, seis pontos atrás do campeão Palmeiras e oito na frente do Santos, que teve sua sequência de três títulos estaduais quebrada. Àquela altura do primeiro turno os times do interior já tinha jogado mais vezes que os ditos grandes, tanto é que numa tabela por pontos ganhos o XV de Piracicaba liderava, com catorze pontos em onze jogos, mas naquela época o que se levava em consideração eram os pontos perdidos, fórmula que era possível utilizar quando as vitórias valiam dois pontos. Por pontos perdidos, o Palmeiras já detinha a ponta, com dois pontos perdidos em sete jogos, ambos perdidos em empates fora de casa contra São Bento e Santos. O Santos vinha logo atrás, com três pontos perdidos em oito jogos, enquanto o São Paulo estava mais atrás, com seis pontos perdidos em nove jogos.
Mas poucos são-paulinos lembram-se do Paulistão de 1963 pelo vice-campeonato, pois há uma lembrança muito mais saborosa daquela campanha: a goleada por 4×1 sobre o Santos, no Pacaembu, quando o adversário literalmente fugiu de campo. Algumas fontes apontam erroneamente que o clássico contra o Peixe deu-se no dia 14, uma quarta-feira, mas na verdade foi no dia seguinte. Seria o terceiro jogo pelo São Paulo de Pagão, então com 28 anos, depois de perder espaço para Coutinho no Santos e sair brigado da Vila Belmiro. Talvez por isso, o centroavante teve uma atuação espetacular, participando de dois gols e marcando outro.
Quem também se destacou foi o paraguaio Cecilio Martínez que começou a jogada do primeiro gol, logo aos seis minutos, com um passe para Faustino na direita. O meia passou por dois adversários, cortou para o meio e, ainda fora da área, chutou rasteiro e Gilmar não conseguiu alcançar. Contra o Santos daquela década, o placar de 1×0 estava longe de ser garantia de nada, especialmente no comecinho do jogo. Cinco meses antes, em 7 de março, o São Paulo abrira o placar aos 28 minutos contra o Peixe em partida pelo Rio–São Paulo e terminou o primeiro tempo vencendo por 2×1. O placar final daquele jogo? Santos 6×2, a maior goleada santista na história do clássico.
E a história pareceu repetir-se quando Pelé empatou o jogo, aos vinte minutos. A sensação de déjà-vu aumentou aos 37, com o São Paulo de novo na frente, igualzinho ao confronto anterior. Mauro tinha a bola na intermediária, mas perdeu-a para Pagão, que tocou para Benê e recebeu de volta enquanto o meia disparava. O lançamento de Pagão foi preciso, e Benê recebeu a bola livre na frente de Gilmar para desempatar. As semelhanças com o jogo de março pararam por aí.
Pagão cobrou falta para Sabino, um atacante que tinha vindo em 1961 da Internacional de Bebedouro, onde era conhecido pelo apelido de Pelé de Bebedouro — não por causa de seu futebol, até razoável, mas pela semelhança física. Ele lançou Cecilio Martínez pela esquerda. O paraguaio penetrou na área e cruzou para a boca do gol, onde Sabino deslocou Gilmar, que nem se mexeu, abrindo dois gols de vantagem. A confusão começou aí. O bandeirinha teria apontado impedimento no lance, mas foi ignorado pelo árbitro Armando Marques, que deu o gol. Coincidência ou não, duas semanas antes o Santos tinha feito um protesto na Federação Paulista, alegando que Armandinho estaria sendo tendencioso.
O centroavante santista Coutinho resolveu peitar o árbitro: “Satisfeito, ‘Florzinha’?” Foi expulso no ato. “Eu o chamei pelo nome e falei: ‘Pode ir embora, seu Honório.’”, disse Armando em entrevista à Revista Oficial do São Paulo em 2010. Pelé, gesticulando bastante, também foi reclamar. Na mesma entrevista, Armando também lembra o que disse para o Atleta do Século: “Edison, o senhor está expulso. Retire-se.” Na época os cartões vermelho e amarelo ainda não tinham sido inventados, e o juiz apenas sinalizava as expulsões.
O primeiro tempo terminaria sem maiores percalços, mas o técnico são-paulino, Oswaldo Brandão, já imaginava que o segundo tempo seria diferente. “Esse jogo não vai acabar”, disse, na saída para o intervalo. “O Nélson Consetino [médico do Santos] veio me falar que eles vão melar o jogo.” O medo do Santos seria levar uma goleada. “Não uma sova qualquer, de 5×1 ou 6×1″, escreveu Conrado Giacomini no livro Dentre os Grandes, És o Primeiro, “mas um massacre de oito ou nove, que poderia virar manchete no mundo todo, justamente no momento em que o Peixe começava a se destacar internacionalmente. Seria um escândalo!”
Embora houvesse especulação de que o Santos nem voltaria dos vestiários, o time voltou a campo para o segundo tempo. O problema é que, ao invés de voltar com nove jogadores, apenas oito estavam em campo: o estreante lateral-direito Aparecido ficou no vestiário. “[Aparecido] misteriosamente contundiu-se no vestiário (?!)”, ironizou Giacomini. As regras do futebol só passariam a permitir substituições a partir de Copa do Mundo de 1970, então a partida seguiu com uma vantagem numérica são-paulina de três homens. Com apenas três minutos de jogo, a superioridade passou a ser de quatro homens. Pepe trombou com Bellini em um lance normal e jogou-se ao chão, supostamente sem condições de seguir jogando. Não dava para acreditar que era apenas coincidência.
Mas o cai-cai não foi rápido o bastante para impedir o quarto gol são-paulino. Com a bola na direita, Roberto Dias viu Pagão disparando pelo meio e fez o lançamento. Pagão recebeu e soltou a bomba, vencendo Gilmar. O gol seria o penúltimo lance do jogo. Na saída de bola, Dorval deu um chute e caiu ao gramado. Outro que não poderia mais continuar. Quando um time fica com menos de sete jogadores em campo, o árbitro é obrigado a encerrar a partida. Os são-paulinos tentaram demover os santistas da ideia de abandonar o campo, sem sucesso.
No dia seguinte, o jornal A Gazeta Esportiva estamparia em manchete “Santos fugiu do campo”.
Ficha Técnica
Por Alexandre Giesbrecht