A CONQUISTA DA MATURIDADE

Eterno vice até 1952 o Brasil deu seu grande salto internacional ao conquistar invicto, o Pan-Americano de Santiago. O titulo, o primeiro que a seleção trouxe do exterior, lavou a alma do povo e dos jogadores.
Quem tem o melhor futebol do mundo ?
– Ora, somos nós.
Foi sempre assim. Nos tempos de Friedenreich, na época de Domingos da Guia ou no reinado de Leônidas da Silva. Mesmo naqueles anos que se seguiram à tragédia de 16 de julho de 1950, a opinião das arquibancadas não mudou.Na verdade, a opinião dos jornais, das rádios, das concentrações, dos vestiários e dos gabinetes era praticamente igual. Tínhamos de fato, pensavam todos, o melhor futebol do mundo.
Talvez tivéssemos. Mas nunca havíamos provado, na prática, tal superioridade. Ao Brasil sobravam craques e faltavam títulos. Que campeonatos internacionais a seleção levantara antes de 1952? Dava para contar nos dedos: três sul-americanos (1919. 1922 e 1949) e algumas taças em âmbitos quase domésticos. Nada mais. A Argentina, enquanto isso, conquistara nove sul-americanos. O Uruguai, nosso outro vizinho, dois campeonatos olímpicos e duas Copas do Mundo além de vários sul-americanos.
Por isso, à medida que o Constellation da Panair vencia a cordilheira dos Andes e aproximava-se de Santiago, o técnico Zezé Moreira sentia sua responsabilidade aumentar. Ele acabara de aceitar, meio receoso, o cargo de treinador da seleção, substituindo Flávio Costa, que se desgastara com a perda
da Copa de 1950. Homem experiente, conhecedor do futebol e dos homens, Zezé sabia perfeitamente que corria riscos muito grandes se não levasse o Brasil a conquista do titulo Pan-Americano que se realizaria na capital chilena. Mesmo em caso de vitória, supunha, não estaria a salvo das criticas. Seria chamado de durão, de violento e de retranqueiro. O mesmo que acontecera no ano anterior quando o Fluminense foi campeão carioca.
Com todo esse ceticismo, Zezé tratou de renovar a seleção. Para irritação de muita gente não convocou Zizinho, Jair, Danilo, Barbosa, Augusto, Juvenal e Chico. Dos titulares de 50, só chamou, Bauer, Bigode, Ademir e Friaça. Sua lista estava repleta de novidades: Castilho, Ely, Baltazar, Rodrigues e Nilton Santos, reservas na Copa. E entre os outros, Arati, Ipojucan. Djalma Santos, Brandãozinho, Julinho, Rubens, Didi e Pinga. Zezé imaginava que dali poderia tirar um bom time. Lamentava apenas que tivesse treinado uma vez, na véspera do embarque. Talvez, embora o país esperasse pelo menos duas coisas daquela nova seleção: uma vingança contra os uruguaios e o titulo pan-americano, o primeiro que o Brasil obteria fora de casa.
Os adversários do Brasil seriam Chile, Uruguai, México, Peru e Panamá. A estréia aconteceu com uma discreta vitória sobre o México por 2×0. Na segunda partida, o decepcionante empate contra o Peru em 0x0. Apesar dos 5×0 contra o Panamá, vieram as primeiras criticas. A marcação por zona era uma calamidade. Zezé perdera o pulso do time. E cometera um grave erro em não convocar Zizinho.
No sábado de Aleluia, que caiu em pleno campeonato, quase todos os Judas malhados em São Paulo e no Rio de Janeiro, simbolizavam a figura de Zezé Moreira. Essas e outras noticias chegaram logo a Santiago, contribuindo para que o ambiente se tornasse pesado. Os atletas chegaram a se afastar dos repórteres. E Zezé começou a desconfiar que alguns jornalistas paulistas influenciavam os jogadores do seu Estado para que não seguissem à risca suas determinações táticas.
Para o jogo contra os uruguaios estava criado um clima muito pesado. Quando o jogo começou se notou que a raça e a técnica que não exibira no maracanã em 1950, o Brasil foi fazendo seus gols. E batendo. Ely, o mais brigão da equipe, acertou o capitão Obdulio Varella e foi expulso. O Brasil terminou ganhando de 4×2 na violência e na categoria. Faltava o último obstáculo, o Chile.
Os chilenos, apesar do seu medíocre cartel internacional, havia se preparado seriamente para o pan-americano. Ao longo do campeonato, tinha se superado e feito uma campanha surpreendente. Foram quatro vitórias: Uruguai 2×0, Peru 3×2, México 4×0 e Panamá 6×1. Na final, bastaria um empate para ser o campeão. Isso fez surgir em Santiago uma onda de exagerado otimismo. Como Brasil em 1950, o Chile perdeu a humildade antes da hora. A 24 horas do jogo, por exemplo, já eram vendidas nas esquinas de Santiago flâmulas e bandeiras do Chile campeón.
O que quase atrapalhou o Brasil foi a inesperada visita de um gordo inflamado político Adhemar de Barros. No Hotel Savoy, onde estava a delegação brasileira, ele pediu que reunisse os jogadores e fez um discurso patriótico –“A honra do pais está em jogo! Temos que derrota-los.” Os mais velhos nem prestaram muito atenção às suas palavras. Entretanto, vários novatos passaram a sentir o peso da responsabilidade. E Nilton Santos começou a espalhar pelos quartos – “Futebol não é política, não é patriotismo. Futebol é futebol e pronto”.
No campo, os jogadores esqueceram as instruções de Adhemar de Barros. E não deu outra. Em 18 minutos, dois gols de Ademir praticamente liquidaram o jogo. Com dois gols de vantagem o Brasil tratou de esfriar o ritmo impetuoso do Chile e tocar a bola. No segundo tempo, Zezé Moreira trocou Baltazar e Ademir por Ipojucan e Pinga. E foi um passe de Ipojucan que Pinga marcou o terceiro gol brasileiro. Com o Estádio Nacional mergulhado num silêncio de maracanã a 16 de julho de 1950, os brasileiros fizeram a festa no gramado.

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