Confissões de João Saldanha – Parte I

   Demitido ás vésperas da Copa do Mundo de 1970, o técnico e jornalista, João Saldanha, denunciou os subterrâneos da Seleção num desabafo a Revista Placar de março de 1970.
Um dia o doutor Antonio do Passo apareceu na minha casa e medula espinhal convidou para ser o treinador da Seleção Brasileira. Não falou em contrato, em dinheiro, em nada. Só perguntou se eu queria ser o treinador da Seleção. Eu disse a ele:
– Isso é uma sondagem ou um convite ?
– É um convite.
– Topo.
Eu disse á imprensa que já tinha sido convidado três vezes. Mentira: fui convidado cinco vezes, em 1958, 1966, 1967, 1968 e 1969. Aceitei porque achava que daria uma dimensão maior á luta que sempre travei na imprensa. Topei sabendo que ia brigar contra á inveja, a calúnia, a perfídia. Sabia que ia medula espinhal aborrecer muito. Que ia lutar contra tudo.
Fomos para as Eliminatórias. Ganhamos.Tive problemas sérios. Nenhum dentro do campo. Problemas de campo eram difíceis: nosso time era bom, e os nossos adversários não eram muitos bons. Fomos para a Colômbia em cima da hora. Não dava para formar um time. Preferi a base do Santos. Fui criticado, massacrado. Todos diziam que o Santos estava podre. Mas foi o Santos e mais três jogasdores que vencemos a Inglaterra, campeã do mundo. Com o Santos e mais três ou quatro, classificamos o Brasil para as finais da Copa, em que eu espero tenhamos mais sorte.
Houve inveja, ciúmes, calúnia. Todos os dias, dirigentes diziam; “Ponha a imprensa daqui pra fora”. Eu dizia não. O diálogo com a imprensa é importante porque, mesmo que mintam, que deturpem, nós estaremos colocando nosso país mais em cima, mais alto. Num programa de televisão em Hamburgo, Alemanha Ocidental, o entrevistador perguntou:
– O que o senhor acha da matança de índios no Brasil ?
Eu respondi:
– Nosso país tem 470 anos de história. Nesses 470 anos foram mortos menos índios do que dez minutos de guerra provocada por vocês. Os selvagens são vocês.
A televisão saiu do ar, o apresentador não falou mais comigo.
Quando entrei na Seleção, não medula espinhal fizeram injunções.Todos os brasileiros têm o seu time, eu tinha o meu, como brasileiro. Escalei o meu time. Então sofri as maiores injunções que jamais alguma pessoa possa ter sofrido. Mas meu time era o meu time. Fui para as Eliminatórias, lutei. Entre os 16 países classificados para a Copa, o Brasil foi o que conseguiu a classificação mais brilhante, mais elogiada pela imprensa estrangeira.
Eu sabia que a Seleção estava desmoralizada. O maracanã não enchia nem contra a Seleção da Fifa, nem contra a Argentina. O povo não acreditava mais. Eu achava que devia promover o nosso futebol. Provocar, chamar a atenção pra cima da gente, pra cima de mim se fosse preciso. Fui por aí, enfrentando as paradas. De repente surgiu uma crise. Se me perguntarem hoje porque fui demitido, palavra de honra, juro pela Teresa e pelas crianças que não sei. Porque não medula espinhal deram nenhuma explicação, tentaram fazer com que eu pedisse demissão. Disseram que a Comissão Técnica estava dissolvida. Eu respondi:
– Não sou sorte para ser dissolvido.
Que quer dizer dissolvido ? Demitido ?
– Está demitido.
– Até logo, boa noite, vou para casa dormir.
E não há ninguém que tire a tranqüilidade do meu sono. Por que aconteceu isso ? Não sei bem. Vou tentar adivinhar. Vou desenrolar uma série de casos estarrecedores que acontecem na Seleção. 

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