Som e vozes do Pacaembu e Maracanã de outrora

Os alto-falantes berram clássicas marchinhas de antigos carnavais, músicas de sucesso e sons de estática… De repente, a música para e um grande “clic” é ouvido em todo o estádio do Pacaembu. Silêncio! Expectativa! Zumbido desagradável de microfonia! A tensão aumenta! Os torcedores silenciam, interrompem o que estavam falando ou fazendo. Ouvidos atentos! Em seguida a voz do speaker:
– O posto Esso de Francisco Zambrana informa a escalação das duas equipes…

O locutor oficial do estádio do Pacaembu nos anos 1950 era J. Domingues. Já nos anos 1960-70  era Evilásio Simões de Carvalho.

Francisco Zambrana era o proprietário do posto de gasolina que ficava na avenida General Olímpio da SIlveira, perto da igreja de São Geraldo, na zona Oeste, conforme informou o historiador Mario Lopomo.
Durante quase duas décadas, praticamente desde a inauguração do estádio, essa voz metalizada pelas cornetas instaladas na concha acústica dava início às práticas ritualísticas que eram desenvolvidas, religiosamente (claro!), nas tardes dos domingos, fizesse sol, fizesse chuva.
E continuava:
– O Sport Club Corinthians Paulista vai jogar com Bino, Domingos da Guia e Belacosa… O São Paulo Futebol Clube vai jogar com Gijo, Savério e Renganeschi…

Ninguém, que eu saiba ou me lembre, jamais fez a pergunta fatal: “Onde, diabos, fica esse posto Esso? E quem é Francisco Zambrana?”.

Hoje, passados 50 anos ou mais, também não vou perguntar, “tô nem aí”, embora aqueles sons tenham sido arquivados em meus arquivos “neuronais” para sempre. Vez ou outra puxo uma pasta desse arquivo, passo um espanador nos “papéis” pra tirar a poeira e recordo aquelas tardes dos sorvetes de palito, do amendoim salgadinho em cones de papel e das balas Paulistinha.

Alguns torcedores gritavam coisas mais pesadas, mas imediatamente eram admoestados por algum alguém que se sentisse ofendido:
– Moço, não fala essas coisas… Não “tá vêno qui” tem criança aqui?
– Eu paguei “prá entra”! Eu “falu o que eu quisé”!
– Ah, é? “Intão eu vô chama” o guarda, quero vê “ocê falá prá eli!”. Ô seu guarda, olha esse “liga” aqui falando palavrão perto de criança…

Imediatamente vinha o “seu guarda” com seu fardamento de flanela azul-marinho, quepe, espadim no cinto de guarnição, revolver 38 invariavelmente apresentando marcas de ferrugem no coldre e um cacetete de madeira – uma verdadeira borduna! – na mão, tudo isso debaixo de um sol de 38° à sombra, babando, ‘feliz’ da vida:
– Cidadão, me acompanhe.
– “Qui foi qui” eu fiz, seu guarda?
– Está falando palavrão perto de criança… Não pode.
– Tem dó, seu guarda, eu vim da Penha pra ver esse jogo… Pelo amor de Deus, não “mi” leva, eu fico “quéto”…
– Tá bom, mas muda de lugar… Vai ver o jogo em pé lá na concha…
– Ô, seu guarda, lá é ruim, não “si enxerga” nada…
– “Oi”… – batendo ameaçadoramente com o cassetete na palma da mão.
– Tá bom, seu guarda, tava “brincano”… “Tô ino”!
– “Si” eu “ti vê puraquí traveis”, o produto do Amazonas vai “cantá” nas suas costa… Vai logo! Não fica enrolando…

O futebol e seus sons através das ondas do rádio e de vozes que silenciaram para sempre: Rebello Jr., o Homem do Gol Inconfundível, deu velocidade e vibração às transmissões esportivas:
– Gota, ciática, pressão alta? Lave seus rins com Urodonal.
Fazia seu merchandising no meio das transmissões.

Geraldo José de Almeida, voz de ouro, exuberante:
– Cerveja Anchieta, a melhor cerveja preta!
Ou dizia:
– Atilio Riccó, Gazômetro, três, zero, meia, um só!

Sons e vozes que ficaram retidos em nossas memórias…

“Loção Brilhante, lálálálá – não é tintura, lálálálá – loção Brilhante é restaurador – devolve aos cabelos a primitiva cor!”.
“Dor de cabeça? Melhoral, é melhor e não faz mal”.
“Maria, sai da lata. Aqui estou, senhor paladar exigente… Tosse, bronquite, rouquidão? Xarope São João!…”.

E a sirene da Rádio Gazeta, ao meio dia, tão pontual quanto o relógio do mosteiro de São Bento…
Texto parcialmente adaptado  de JoaquimIgnacio de Souza Neto

No meu tempo, a partir de 1962, a música e a propaganda cessavam de repente  e fazia-se  silêncio em todo o estádio, porque já era esperado o momento do speaker anunciar as equipes.
Ouvíamos assim:
A Secretaria Municipal de Esportes anuncia a escalação das equipes para esta tarde…….
Mais um silêncio de uns 5 segundos e anunciava com entonação:
CORÍNTHIANS!!!!!!
E depois anunciava o adversário:
PALMEIRAS!!!!
Não sei porque, mas o nome Corinthians era dito, falado, pronunciado com mais entonação. Seria o speaker corintiano? Ou será que era eu que via com mais emoção?
Gilberto Maluf
A seguir, vozes do Maracanã:

As estórias ou histórias (segundo os filólogos é a expressão mais correta) do passado são as minhas delícias esportivas. Recordo-me saudoso das inesquecíveis tardes do Maracanã, nos início dos anos 60. Antes do início de cada partida aguardávamos ansiosos as escalações dos “teams”. E lá vinha aquela bela voz, comprometida pelo horroroso sistema de som. ” E atenção desportistas! (seguido de pequena pausa). A ADEG (Administração dos Estádios da Guanabara, o novo estado) innnnnforma (assim mesmo estendido) equipes para a partida prinnnnncipal desta tarde.
Clube de Regatas Flamengo (nova pausa): Número 1- Garcia; 2 – Tomires; 3- Pavão; 4-……………… Fluminense Futebol Clube (pausa): Número 1 – Castilho; 2 – Píndaro; 3 – Pinheiro; 4 -………………….. Juiz da partida o Sr ……………………….. O nome do juiz (sempre acompanhado de vaias, fosse qual fosse o nome). Durante o jogo as informações: Atenção desportistas, a ADEG innnnnforma: em São Januário (expectativa e silêncio): Primeiro gol do Vasco da Gama. Agora Vasco 1 Bonsucesso Zero. Reclamações dos dois lados sempre torcendo para o mais fraco. Que droga!!!!!! Quando o Santos (também nos anos 60) fez do Maracanã a sua casa, o  Maracanã ficava  sempre abarrotado, e lá vinha o ritual. Só que a Coca Cola já era o patrocinador. Atenção desportistas! Coca-Cola informa equipes para a peleja principal desta tarde: Santos Futebol Clube: Número 1- Gilmar; 2- Mauro, 3- Dalmo; 4-…………………………………………………………………………10 – (longo silêncio e pausa) PeLÉ (delírio) e número 11 – Pepe (que ninguém escutava tamanha a euforia nas torcidas). Afinal não era sempre que se tinha o privilégio de todo domingo assistir ao gênio da bola! Saudades, muitas saudades.Jairo L. de Salles

2 pensou em “Som e vozes do Pacaembu e Maracanã de outrora

  1. Roberto de Azevedo

    Visitei o Evilásio poucos dias antes da morte dele, ele era muito amigo de um amigo meu, ainda vivo.
    Ele (já com dificuldades prá se expressar) e a esposa contaram que a mãe do Evilásio morreu em um domingo de Palmeiras e Corinthians. O pessoal do Pacaembú avisou e mandou o Evilásio prá casa, antes de começar o jogo. Depois eles descobriram que houve uma enorme confusão no estádio, pois o substituto, muito nervoso, confundiu as escalações e leu o nome dos jogadores do Corinthias como sendo os do Palmeiras.

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