Conheça um pouco da gloriosa história do Figueirense a partir da crônica de vida de seu Barbosa (foto), morador do Morro da Caixa, jogador, funcionário e torcedor fanático do clube. Os dois completam 90 anos quase juntos.
Se um clube de futebol pudesse ser representado em carne, osso e alma, o Figueirense seria o seu Barbosa. Aos 90 anos, recém-completados, mesma idade que o Alvinegro comemora neste domingo, a história deste ex-jogador do clube e torcedor fanático constrói uma parábola perfeita da evolução do Gigante do Estreito.
Um mês depois que Augusto Barbosa Fonseca nasceu e passou a morar no Morro da Caixa, em junho de 1921, a aproximadamente três quilômetros dali, nas imediações das ruas Padre Roma e Conselheiro Mafra, o Figueirense era fundado e começava a engatinhar rumo à glória.
A infância de Barbosa foi simples, filho de pai nordestino e mãe gaúcha, que escolheram a Ilha para morar. Livre para jogar bola pelos diversos campinhos que havia naquela região, o garoto logo passou a admirar o clube, que, na década de 1930, conquistou a maioria dos torneios dos quais participou (o Alvinegro faturou os estaduais de 1932, 1935, 1936, 1937 e 1939 e cinco citadinos neste período).
Nasceu um amor que viraria parceria mais adiante. Na década de 1940, o moleque brincalhão, que marcava muitos gols nas peladas, foi fazer um teste. No Avaí. Sim, ao se destacar na comunidade, um olheiro o levou para ser avaliado por dirigentes avaianos. Mas não vingou. Barbosa não foi aprovado nos testes.
– Foi até bom, porque jogar com amor só daria para fazer no Figueirense – garante.
Jogar por paixão, por vocação, não por dinheiro. Assim era o futebol na época, amador ainda. Barbosa mostrou qualidade e passou a vestir a camisa 9. A partir daí, seus caminhos e os do clube se cruzaram definitivamente:
– Duvido que tenha alguém que foi, como eu, de tudo lá dentro, passando por jogador, roupeiro e até porteiro – relembra, com orgulho.
Ajudando o time dentro de campo e fora, ele viveu em uma sociedade diferente. Para se ter uma ideia, jogadores “guerreavam” nas partidas, mas conviviam fora delas.
Jogadores, torcedores e dirigentes reunidos na praça
– Íamos todos para a Praça XV e conversávamos junto aos torcedores. Tinha um alto-falante que dava as notícias, era o coração das discussões. Jogadores, dirigentes e os fãs debatiam os jogos. Se perdêssemos feio, não conseguíamos sair de casa, envergonhados, mas não tinha violência, ninguém agredia ninguém.
Este tempo romântico do futebol marcou também um jejum de títulos para o Figueira, que foi campeão estadual em 1941 e, depois, somente em 1972. Não é à toa que o Alvinegro passou dificuldades, assim como seu Barbosa, que jogou até 1948.
Até o Figueira alcançar a glória novamente, na década de 1970, o futebol era uma paixão, mas tocada com muita improvisação. As centenas de degraus até chegar à casa, no Morro da Caixa, eram obstáculos diários que Barbosa superava com devoção na dura batalha da vida.
Até o emprego que conquistou foi graças ao então presidente do Figueira, Thomas Chaves Cabral:
– O presidente me perguntou: queres um emprego? Então vai no Café Rio Branco e procura o senhor Vasco. Assim eu fiz. Ele perguntou se eu era o rapaz que jogaria no Figueira. Disse que sim. Saí de lá empregado.
Assim era para manter um grupo de jogadores. Para completar a renda, os dirigentes contavam com a ajuda dos simpatizantes.
A mesma luta difícil de Barbosa para jogar e viver era a do Figueira. O presidente Thomas lutou bastante para conseguir a área doada por Orlando Scarpelli, no Continente, hoje a morada alvinegra.
Lá, Barbosa trabalhou e aumentou ainda mais sua paixão pelo clube. Ele, hoje, é pai de 21 filhos. Assim como sua família, a nação alvinegra aumentou em progressão geométrica. São centenas de milhares de torcedores neste quase um século.
Desistir é palavra inexistente no dicionário dos alvinegros
Ele mira o Continente, ao lado da mulher, Olga
E, como seu torcedor-jogador, estes milhares de apaixonados pelo Figueira lutaram muito e ajudaram a contruir, na gestão de José Mauro da Costa Ortiga, o estádio. E a voltar a ser campeão. E a chegar ao Campeonato Brasileiro, em 1973.
Na lembrança de Barbosa, de como era disputar um clássico no Campo da Liga, onde hoje é o Beiramar Shopping, verdadeiros duelos épicos pela honra, infelizmente, deram lugar ao profissionalismo dos dias de hoje. Passaram-se 90 anos na vida dele e na vida do clube.
– Jogávamos por amor à camisa, pela honra. Hoje, chega a ser ridículo ver alguns jogadores só pensando em dinheiro, com medo de se machucar para não perder a grana, sem dar bola para o clube – discursa, saudoso, Barbosa.
O Figueirense reconquistou seu lugar de destaque e começou a habitar, com constância, a elite do futebol brasileiro, dando um salto no profissionalismo, num processo que começou com a gestão de José Carlos Silva, no início dos anos 1990, e prosseguiu com Paulo Prisco Paraíso, até chegar às mãos da gestão atual, a cargo de Nestor Lodetti.
Lá da casa modesta do Morro da Caixa, seu Barbosa só sai para para ir a jogos ou se, eventualmente, é homenageado pelo clube, como ocorreu na atual gestão do clube, quando recebeu uma placa.
A grandeza do Figueira não para mais, será eterna como a memória de seu Barbosa. Quem teve berço lutador e vitorioso tem um futuro garantido. E os olhos do ex-jogador enxergam, da janelinha de sua casa, bem no alto do morro, o Continente: lá, do outro lado das pontes, é gestado um plano para nascer a nova casa.
O primeiro presidente, João dos Passos Xavier, administrou o difícil começo; Cabral vislumbrou a evolução para algo maior; o major Ortiga deu cara ao Scarpelli; agora, o presidente Lodetti mira a construção da versão moderna do estádio.
O passado começou no Centro; o presente está no Estreito; e o futuro prevê uma arena. Afinal, 90 anos sequer foram suficientes para comportar o amor e a dedicação de seu Barbosa; quem dera pudesse dimensionar os sonhos de títulos e de evolução de toda uma nação alvinegra.
Fonte: DC